terça-feira, 30 de abril de 2024

 



Direita avança; esquerda descansa

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))

O esforço de políticos e grupos econômicos da direita para organizar e ampliar suas bases, e com elas tentar retomar o poder, em 2026, é fenômeno que, embora claramente à vista de muitos, o governo e seus orientadores preferem reduzir a algo que se assemelha a mera excitação de um "exercício fascista". O próprio presidente Lula, em recente café com jornalistas, assim comparou, e procurou minimizar as concentrações populares em torno de seu principal adversário, Jair Bolsonaro. E o fato de uma multidão ter dado atenção ao convite do líder da oposição, para se concentrar em Copacabana, no dia 21, não o impressionou - ele próprio garante – nem o tirou de um dos passatempos prediletos, cuidar do ninho de seu joão-de-barro.
Encenar a desimportância é algo aceitável, mas apenas quando se procura jogar para o grande público, fazer de conta que as articulações dos contrários ao governo de nada valem. Mas é preciso, fora de cena, tomar em conta que há um fato concreto a ser considerado. Azar do fato? Desprezá-lo não é aconselhável, se a atuação da direita não é levada em conta, e suas manifestações externas ficam confinadas aos que apreciam divagar nos cálculos de concentrações nas ruas, com números e resultados sempre conflitantes. A coisa não é tão simples, como desejam os governistas. É séria, verdadeiramente.
A direita, no Brasil, tem procurado, e conseguido, aglutinar segmentos de várias origens, como as lideranças evangélicas, cuja expressão política de maior nitidez está no ex-presidente e numa bancada parlamentar homogênea, coesa para casos especiais. O que explica, pelo menos em parte, as dificuldades do palácio do Planalto em fazer tramitar seus interesses no Congresso. E, ainda com visão estratégia, tem revelado certa capacidade em aproveitar-se do desinteresse dos partidos de esquerda em acolher expectativas das camadas jovens; essas que despontam como expressão eleitoral, de forma a poder, dentro de pouco tempo, se não decidir, pelo menos influir no destino das urnas. Os direitistas vão se aproveitando disso, auxiliados também pela impossibilidade de o Executivo dar cumprimento a todas as promessas de campanha. Fato agregado, ainda que de expressão menor, é que chegam à juventude influências de países europeus, onde partidos socialistas vivem momento de grandes desgastes. Os ventos do Velho Mundo sempre sopraram sobre nós.
Fechar os olhos a essa realidade -“coisa de fascistas” - pode acabar sendo fatal para partidos e grupos de esquerda, que, além do incômodo dos encargos ideológicos, têm, no presente, a missão de ajudar o governo Lula a enfrentar problemas, que são pesados; e propor soluções, que são complexas.
Interessante que fatos, de tal forma perceptíveis, não conseguem motivar uma avaliação correta dos objetivos direitistas, e procurar combatê-los. Se não bastasse o fato de, na última eleição, o candidato Bolsonaro ter amealhado metade do eleitorado. Ora, isso aconteceu ontem mesmo, poucos meses passados, cedo demais para cair no esquecimento. Não tem havido, ao que parece, assessoria capaz de lembrar ao presidente e a seus ministros de esquerda que o pleito de 2022 deixou, como tarefa inevitável, humilde e séria, a necessidade de superarem os efeitos de tão difícil campanha, quase perdida, que antecipou uma eleição dramática. Não apenas Lula, mas também dali os colaboradores, que preferem ser chamados de progressistas, saíram com arranhões. Seria conveniente esquecer os ferimentos?
Detalhe aparentemente de somenos, é que as diferenças entre essas correntes, que recrudescem, têm dispensado à direita maior concurso de partidos oficialmente organizados, onde os esquerdistas dispõem de maior poder de mando nas hostes palacianas. Exceção confira-se à força do PT, para cujas fileiras correm e desaguam políticos expressivos, embora muitos nele se abrigam, não por sentimento ideológico e progressista, mas porque a porta petista é a mais larga para se chegar ao poder central. Pode estar aí uma facilidade a mais para os direitistas, que independem de legendas tradicionais, não têm vantagens imediatas a oferecer; e as legendas que a eles se associam são modestas, incapazes de vencer com as limitações de suas próprias forças. Para estas, melhor é embarcar na onda bolsonarista, e nela vão surfando, ganham fôlego e investem em um futuro, que ainda é incerto, mas nada hoje têm a perder. É difícil perceber isso?

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