Articulação e convivência
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil ))
Não há quem possa negar, no governo ou fora dele, que as eleições municipais de outubro haverão de impor ao presidente Lula reforma substancial no ministério, talvez numa dimensão que nem mesmo ele desejasse, mas sujeito à necessidade de ouvir a voz das urnas. Terá de remover ministros já suficientemente contemplados, e abrir espaços para o acolhimento de lideranças que se identificarão na vontade do eleitorado; o que não se limitaria a nomes, mas também partidos aliados de escassa produtividade. O que pesa, quanto aos nomes e números que estão para chegar, será consequência natural de um pleito que vai marcar o divisor temporal do mandato presidencial. E há muito o que fazer no segundo tempo, inclusive o esforço gigantesco para superar problemas e tropeços conhecidos e vividos; e então mergulhar nas expectativas dos dois últimos anos.
Contudo, não cessam aí, para o governo, os desafios no campo político-partidário, uma área muitas vezes minada e imprevista. Havendo necessidade de reformulação no primeiro escalão, resta outra imposição, a ser decretada pelo que tem sido a asfixiante convivência com o Congresso Nacional. Trata-se do reordenamento da articulação política. Esta, de forma alguma menos complicada, porque, para se atingir o objetivo, é preciso reconhecer a limitação estratégica das experiências da primeira metade do mandato lulista. Temos visto. Para cada conversa, para se tornar razoavelmente bem sucedida, o governo tem de pagar pesado. Além da esquisitice de bate-bocas, em público, como se deu com o presidente da Câmara e o ministro Padilha, a quem cabe articular entre os dois poderes.
Se todos entendem a necessidade insofismável, vem logo a indagação: como melhorar e ampliar o campo das articulações com deputados e senadores? É possível que as urnas de outubro mandem o recado, porque não há, neste país, um recanto em que os mais diversos segmentos da sociedade não condenem o mercado de votos que tem prosperado, quando se trata de colocar na mesa o andamento de matérias de interesse do Executivo. Nada anda, nada prospera, nada se resolve sem a intermediação das moedas de troca, terrível câmbio, onde os lances de oferta são as emendas preferenciais, nomeações, cargos leiloados e trânsito privilegiado nas fontes de financiamento. Como tudo isso tem sido feito às claras, sem remorso e sem constrangimentos, é possível que os eleitores se manifestem, condenando candidatos e partidos habituais fregueses dessas maquinações de tráfico. Pelas opções que fizerem, principalmente nos grandes centros de influência política, pode ser que estejam a exigir pudor no modelo de articulação.
As relações entre Executivo e Legislativo, como se vê, têm sido construídas em capítulos, sem normas mais ou menos sérias. Em outros países há o jogo das emendas, muita vezes expostas com os mesmos objetivos. Mas não se conhece caso em que as conveniências se escancarem, como se dá aqui.
São várias as expectativas construídas em torno das eleições que estão por vir, porque as novidades são parte essencial do jogo. E sempre trazem alguma esperança, se não para que as coisas melhorem, ao menos para que não piorem. Talvez essas próximas ajudem a classe política a encontrar caminhos que levem a métodos e modelos menos suspeitos, sob pressão da poderosa voz das urnas.
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