Velhas advertências
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Os fatos vão se associando, com incrível rapidez, como pretendendo arrancar o país do velho comodismo de relegar a plano inferior, como se banalidade fossem, os eventos climáticos de destruição, fruto de uma natureza que clama por socorro. Não bastasse, no ano passado, sem que o governo desse importância, a Organização Meteorológica Mundial advertiu para o fato de Brasil ter sofrido, em poucos meses, 12 desastres sérios, provocados pelo mau tempo e suas consequências. Agora, sem que precisássemos de nova e dramática advertência, veio a tragédia do Rio Grande, que ainda não cessou, e promete estender longamente seu rastro de destruição.
Os poderes, pelo que têm dado entender, no caso mais recente tropeçam no desafio de fixar prioridades. Parlamentares titubeiam ante a necessidade de apressar o destino dos modestos 2% de suas emendas para o Sul, mesmo reconhecendo que as urgências se impõem acima de detalhes políticos. A ministra Tebet, do Planejamento, admite as necessidades, mas acha que o socorro tem de se prestar só no momento oportuno (sic)… Não sabem por onde começar, como também se confundem na profusão de dispositivos legais e expedientes burocráticos. O que autoriza a todos nós, aos gaúchos em primeiro lugar, a previsão sinistra de que o caos de hoje pode estar condenado ao esquecimento, quando as águas baixarem. Porque para as dores ambientais também temos memória curta.
Tive o trabalho de ler e pontuar o exaustivo relatório, recentemente publicado pelo Congresso Nacional, sobre a realidade climática do nosso tempo, com base nos trabalhos do Conselho Misto Permanente sobre Mudanças no Clima. Um bom estudo, que talvez peque, apenas, em certas minúcias, que podiam ser dispensadas daquelas 331 páginas. Fosse mais enxuto o documento, provavelmente facilitaria a aplicação de várias sugestões, embora algumas delas sem autorizar resultados imediatos.
Os desafios são antigos. No governo Fernando Henrique já se falava sobre a necessidade de se dar ao território nacional um escudo contra as intempéries. Bem antes dele, houvesse preocupação séria, bastaria aos governantes ler o que diz o Artigo 170 da Constituição: relações da sociedade com os recursos ambientais. Bastaria.
Outra fonte, datada de 2008, trata de um plano nacional sobre essas mudanças, e já advogava elenco de providências de conteúdo preventivo. Nada mais lógico, porque, ao recomendá-las, todos os estados brasileiros, sem exceção, colecionavam, como ainda experimentam, tragédias ambientes que matam e destroem. De Norte a Sul. Pena que as feridas cessam, para só serem reabertas na próxima temporada de dores, quando as chuvas não cessarem, os rios vazarem e os barrancos voltarem a desmoronar.
Portanto, diante de tantas fontes e experiências, não é possível dizer que ignoramos o problema, mas sabemos muito bem da vocação para adiar, indefinidamente, as soluções.
Não é demais lembrar que o Brasil, sob o olhar do organismo internacional do clima, está, como alguns outros poucos, contemplado com maravilhas da natureza, como os pampas, que precisamos preservar a qualquer custo, mesmo que em sacrifício de certas atividades produtivas predadoras, já amplamente conhecidas.
UTILIDADE DO ADVERSO
Como haverão de ser, para o presidente, os quadros político e sucessório de 2026, se estiver ausente, inelegível, fora do páreo, seu odiado antecessor?, depois de persistente campanha que atribui a ele a paternidade de todos os graves problemas que herdou. Faz sentido o questionamento, para, ao final, os assessores palacianos poderem montar uma estratégia, estando fora do embate alguém em quem todo o Executivo continua investindo negativamente. Ainda agora, a ministra Marina, responsável pelas políticas do meio ambiente, chega à conclusão de que a tragédia do Rio Grande é obra sinistra de Bolsonaro. Não deixa por menos.
Pode parecer esquisito, mas Lula precisa do ex-presidente, se quiser contrastar para vencer. O que significa que, objetivamente considerada, não lhe interessa a inelegibilidade do antecessor, embora duas vezes afirmada no Tribunal Superior Eleitoral, e, agora, em instância final, à espera da relatoria do ministro Fux. Seria ruim para os planos lulistas de um quarto mandato essa condenação irrecorrível. Os gabinetes de Lula deviam pensar nisso.
A teoria das hipóteses, muitas vezes validada na política, faz pensar que, chegando 2026, o confronto seria, de novo, o único projeto da esquerda para se manter no poder. Mas a ausência de Bolsonaro no campo oposto, com toda certeza, esvazia o longo investimento da contestação sem tréguas. Bem pensando, Lula devia torcer para o Supremo não engavetar o adversário útil, ainda que fique exposto ao risco de o feitiço virar contra o feiticeiro. Parece imprudência, mas pode ser que não seja.
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