Ministério e reeleição
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Independente de consistência e do prestígio que tenham alcançado, os governos são forçados, na metade do caminho, a reorganizar as forças de sustentação, tarefa ainda mais inevitável quando têm planos de estender seus poderes em novo mandato. E um prêmio de mais quatro anos parece povoar a imaginação do presidente Lula, mesmo reconhecendo que vai se aproximando dos 80, idade pouco favorável a grandes saltos. Porém, com ou sem projetos de continuísmo, as mudanças ministeriais acabam se tornando contingência inevitável, e ele não terá como escapar, não apenas por causa dos desgastes naturalmente acumulados no primeiro escalão, mas também porque, aberta a segunda e última etapa da jornada, torna-se indispensável a convocação de forças menos cansadas, mais vigorosas para os embates seguintes. O time, então, precisa deixar o passado e olhar mais para a frente.
Diz ele que não tem pensado nisso, por hora; e, quando pensar, se pensar, será por iniciativa própria, pessoal, à margem de interferências. Pode ser até que deseje, sinceramente, essa independência, mas a realidade permite outra interpretação, com base no fato de o atual governo, mais que qualquer outro, teve de ceder a exigências dos blocos parlamentares, aceitando indicação de ministros que não escolheu, engolindo o remédio único para dar saúde às mensagens que tinham de passar pelo Congresso.
Não saiu barato. Há, nos altos círculos de decisão, no primeiro e segundo escalões, muitos que trabalham claramente para os partidos ou grupos que os indicaram; e, se necessário, contra o governo. Incontáveis exemplos estão à mostra, mais frequentes agora, em vésperas de eleição municipal. O PT, partido in pectore, oficial, não esconde preocupação pelo preterimento que teve de sofrer em alguns prédios da Esplanada.
Como seria possível enfrentar o terceiro e o quarto anos à revelia das muletas partidárias, sem as quais o governo não sabe andar?, como também não aprendeu a viver sem elas. Cabe lembrar: gerado por uma eleição dividida nas urnas, o que lhe negou força suficiente para assumir sozinho as rédeas, o governo Lula não teve outro jeito, se não recorrer a alianças famélicas, de apetites pragmáticos. Nem teria de ser diferente, porque ao regaço presidencial não houve quem oferecesse alternativa menos dependente e mais engenhosa. Talvez por isso, se equivoque no rompante de imaginar a possibilidade de se livrar das dependências, da poderosa usina de influência e poder, gerada por gente altamente competente nesse mister. Que o diga o Centrão.
A reforma ministerial tem de ser pensada sob o impacto de novos fatores, a partir do perfil das grandes prefeituras, que vão desenhar outra paisagem em outubro. Os prefeitos e seus grupos ditarão tendências políticas prontas para sobreviver até 2026, num painel de forças capaz de influir nas linhas de ação do Executivo. Nessa hora, ministérios e grandes estatais sempre figuram como instrumento de negociação. Não há como escapar disso.
De volta à reorganização da estrutura do governo e a eleição de 2026, cabe considerar que fatos próximos e expectativas se entrelaçam. Já foi dito: não se desconsidere que o presidente sinaliza – é perceptível por colaboradores íntimos – a disposição de evitar qualquer obstáculo a um projeto destinado a torná-lo candidato ao novo mandato, principiando pela insistente preocupação em mostrar vitalidade física, desafiando, antecipadamente, a idade que pesa.
Não há, no seu partido e nas coligações, quem o conteste claramente. Mas, além da carga do tempo ancião, resta à equipe certo sentimento a desaconselhar a aventura do quarto mandato, e o risco de fechar a biografia com uma derrota. A despeito de tudo, os petistas terão de considerar que, tal como os bambuzais, Lula não cuidou de permitir que grandes ambições crescessem em seu redor. Haddad seria uma exceção, mas pronto a ser podado, se prejudicar a sombra do chefe.
Diferentemente, a oposição não teria de correr atrás de alternativa. Se não o próprio Bolsonaro, Tarcísio Freitas ou dona Michele já estão expostos. Mas tudo isso é exercício de cogitações. Ao sopro de qualquer vento, a História tudo pode mudar.
Alianças exóticas
Um detalhe corrobora a observação de que, chegadas as eleições municipais, os partidos transformam-se, passam a ser muito mais grupos de convivência e acerto de interesses. Outra coisa não se constata em todo o país, acentuadamente nas pequenas comunidades. Preferencialmente no Nordeste e em Minas, onde, chegada a hora de escolher o prefeito, as siglas pouco ou nada valem, há vários casos em que PL e PT estão caminhando de mãos e pernas dadas, não importando que suas lideranças nacionais ou estaduais sejam bolsonaristas ou lulistas. São preferências, amores e ódios que ficam para discussão futura, não agora.
Dentro de dois dias, segundo a legislação eleitoral, fecham-se as cancelas para alianças, exóticas ou não, podendo, até lá, surgir exemplos não menos curiosos. Seja como for, será um dado a mais para mostrar que os partidos não ganharam força suficiente para, nas pequenas e médias cidades, impor seus programas; se é que realmente desejassem para seus ideais uma verdadeira projeção nacional.
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