sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Sobre Finados

Ideal que o Dia de Finados, amanhã, não servisse apenas para visitas atropeladas aos cemitérios, mas, antes de tudo, que se prestasse a uma cuidadosa reflexão sobre a morte, onde estaremos todos, por mais que queiramos nos imaginar como fantástica exceção. Pois a vida do homem e as relações com outrem se aperfeiçoam na valorização da morte, o que há dois mil anos tem levado os cristãos a aprender e ensinar que o verdadeiro sentido da experiência humana é estar preparada para o que vem depois. Não obstante, alguém já teria dito que bom mesmo é morrer jovem, com a idade bem avançada... 
E se a morte é eterna, sem retornos e sem avanços, a duração do viver é o de menos, principalmente “depois de se contemplar o voo dos pássaros, a alegria das flores ao sol, as cores e linhas de um quadro de Velasquez, qualquer que seja a duração da nossa vida”, no dizer do jornalista Mauro Santayana. E olhando melhor esse grande mistério já vivido pelos que nos antecederam, não há quem possa desautorizar o teólogo Leonardo Boff, quando escreve que somos inteiros, mas não prontos. Porque vamos nascendo lentamente, até acabar de nascer. É quando estamos morrendo.
 
Volta-se então à natureza. Neste passo, ouça-se Darcy Ribeiro:  “Morte é quando a pulsão da vida que está na carne se apaga; então a carne volta a ser o que ela é; volta à natureza cósmica”. Por isso, poder-se-ia dizer que a grande coisa que há na vida é o nascimento da morte. Fato soleníssimo, tanto que no momento da partida os familiares e os melhores amigos nunca abrem mão de segurar as argolas do caixão, “um dever cordial e intransferível”, como explicou Machado de Assis, em suas ”Histórias sem Data”. 
Mas, se a questão está em refletir no Finados que já vai amanhecer, interessante é notar que a literatura e os melhores pensadores alternam-se entre os mais elaborados e os simplistas. Sim, refletir sobre a morte com segurança, depois que Guimarães Rosa garantiu que o viver é que é muito perigoso. Quanto aos que adotam a simplicidade para explicar coisa tão complicada e misteriosa, ninguém foi mais direto que Fernando Pessoa: “Morrer é só dobrar a esquina, não ser visto mais”. Mais direto ainda, Manuel Bandeira definiu a morte como a indesejada das gentes.
Como sempre, amanhã, desfilando pelos estreitos espaços entre túmulos, vamos confirmar que é nos epitáfios que se inscreve nossa última vaidade. Ali somos todos bons e sempre elogiados. Um menino, que com o pai andava pelo cemitério, lendo tantos elogios, perguntou em que lugar eram enterrados os maus...
Seja como for, é a casa onde todos têm direito ao sono eterno. Foi o que pensou Rangel Coelho, quando escreveu: Nas brancas ruas caiadas,/ da terra do sono infindo,/ as casas estão fechadas / e todos estão dormindo.

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