terça-feira, 24 de janeiro de 2023

 



Entre o bem e o mal


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )



No medir forças políticas, para saber com quais e com que potencialidades poderá contar e avançar, os homens do governo federal têm alguns dilemas a superar, começando por exigir um mapeamento correto e severo das diferenças entre o eleitorado que lhes foi fiel em outubro, e o contingente que não os desejou. E os contrários ainda não saíram das ruas, protestando. A perfeita separação, para que se dê tratamento diferenciado no trato com a sociedade organizada, precisa levar em conta que parte significativa dos votos de outubro resultou de um desejo ardente de mostrar repúdio a Bolsonaro. O governo pode esbarrar em graves surpresas se continuar achando, orgulhosamente, que toda a votação que teve foi obra exclusiva de seu candidato. Com os números apurados, a tendência dos vitoriosos foi descansar sobre uma realidade que não se encerra em boletins eleitorais aritméticos. É o que certamente cabe analisar, quando o novo governo tiver de aferir seu prestígio, sobretudo na hora de adotar medidas impopulares. Nessa hora, não seria prudente continuar contabilizando, como mérito próprio, os tantos votos que recebeu nas urnas, porque entre aqueles estavam alguns milhões de antibolsonaristas. Estes já se deram por realizados, derrubaram o capitão, sem compromissos permanentes com o adversário vitorioso. Não levar isso em consideração é conviver com o risco de pisar em areia movediça.

Em curtas palavras, o oportuno acolhimento das antipatias de que desfrutava o antecessor foi um presente momentâneo e circunstancial, com tudo para se apagar com o passar do tempo.

Mas outro dilema se aprofunda, torna-se mais delicado, quando algumas áreas influentes do governo empenham-se na remoção definitiva de Bolsonaro da cena política. Há controvérsias. Porque, se isso ajudaria a ampliar o diálogo com faixas mais amplas da sociedade, pode também resultar em outro problema decorrente da necessidade da equipe de Lula manter Bolsonaro vivo no panorama. Estando ele fora da linha de tiro, a quem remeter as culpas pelo passado e esconder os pecados que possam ocorrer? De maneira que, sob a ótica lulista, o ex-presidente faz bem e faz mal. A questão é, na hora desejada, optar por um desses polos, se cada um deles emite energias tanto positivas como negativas.

Resumidamente: como lidar com esse espectro?

O primeiro mês do governo tem revelado preferência por manter o ex-presidente vivo, como forma de culpá-lo pelas coisas feitas ou pelas que só se vencem com dificuldade. Para confirmar, atribui-se ao erário petição de miséria, saúde pública falida, obras interrompidas, desgraças acumuladas. Mais grave ainda, é dada a ele e seus generais a paternidade de um projeto terrorista de direita, que recentemente partiu para a destruição.

Geralmente, o tiroteio sobre quem passou é o que fazem governos iniciantes, para mostrar que encontraram a casa arrasada. Mas, chega o momento – como sempre chegou - em que a opinião pública desinteressa-se pela distribuição de lamúrias, e pede soluções, porque não se satisfaz com explicações, nem com a desculpa de ignorar o volume dos problemas. Não admite a retórica das queixas. Vale também para Lula, até porque todas as dificuldades que diz estar encontrando ele já havia denunciado nos debates televisivos da campanha eleitoral.

2- Um detalhe excitante é analisar as forças que se alinham para tornar menos acidentados os caminhos políticos do governo. Não escapa uma observação, neste janeiro de chegada de novos comandantes, sobre o estranho recolhimento da militância de esquerda, modesta e retraída, quando se trata de defender o líder. Não há uma explicação para isso, principalmente se se considerar que está nas ruas, nos quartéis e nas prisões, uma direita organizada e ativa, sem aparente disposição de remover Bolsonaro de sua liderança. Por onde andam os companheiros?

A ausência dos partidos

Nos embates que antecederam a eleição presidencial, ou mesmo nas vésperas, repetiu-se, ampliou-se um fato marcante das campanhas anteriores. Observou-se que os partidos, mantidos legalmente, com siglas e estatutos, ainda que por meras formalidades, foram, mais uma vez, expulsos da cena, ocupada por grupos e correntes. Acima deles, foram estes que fizeram a hora de tomar decisões e definir apoios. E não há sinais de pretenderem alterar o rumo que adotaram.

Em 2022 assistiu-se, por exemplo – apenas para lembrar casos mais evidentes – à pulverização do PSDB, que vinha de duas décadas de desempenho decisivo nos destinos da política brasileira. Perdeu a antiga potência, quase morreu, e hoje é sobrevivente de louros passados. Não menos expressivo, enfraquecido, o MDB, de gloriosos feitos na luta pela redemocratização, agora tão inseguro, recusou-se a assumir a candidatura à Presidência de uma senadora filiada, que fechou a aventura com 4% dos votos de outubro.

Não vale, como ressalva, o PT. Porque, no frigir dos ovos, ele é mais lulista que petista.

No traçado que se pretende do perfil dos tradicionais, quaisquer que fossem seus objetivos e ideias, sente-se a falta dos homens que os fizeram. Tempos de Ulysses, Covas, Brizola, Tancredo, Thales, Hélio, Lacerda e outros poucos. Não seria demais dizer que as legendas começaram a morrer quando eles partiram.

A constatação é nada agradável. Porque, na sua essência, a validade deles é a alma da democracia representativa, o que se confirma com a breve lembrança de que as ditaduras não gostam deles, admitindo apenas um, para concordar com tudo; ou dois, para tingir com alguma cor a palidez da democracia. Não menos verdade é que o excesso deles, como hoje se vê no Brasil, também compromete os bons princípios da política, sem embargo do pretexto de que, numerosos, servem para dar acolhida a todas as tendências do pensamento. No caso dos partidos, nossa história recente constata que neles, como em quase tudo na natureza, excesso e escassez sempre geram dificuldades.

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