terça-feira, 31 de janeiro de 2023

 


Novo tempo, velhos costumes



(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Relações com o Congresso Nacional nunca deixaram de ser desafiadoras para o presidente da República, na maioria das vezes instado a praticar concessões para ter suas mensagens aprovadas. Hoje, talvez, um pouco mais complicadas essas concessões, porque os interesses dos parlamentares sobem a rampa do Planalto tanto na forma individual como fortalecidos em blocos. É possível que o presidente Lula tenha estimulado essa escalada, quando recomendou aos ministros tratamento preferencial e atencioso a quem tem voto no parlamento. Proibiu o humilhante ”chá de cadeira”, a que geralmente estão condenados os pedintes.

Uma nova legislatura começa amanhã, e não há sinais que autorizem diferente expectativa. Na Câmara, animada com fartas reeleições, os deputados continuam tendo a seu favor os métodos consagrados da permuta de favores, menos condenáveis quando o que pretendem do governo são modestas pontes ou postos de saúde para fazer graça aos prefeitos e cabos eleitorais do rincão afastado. Não é a regra, porque o habitual nos pedidos são nomeações, transferência de funcionários ou gentilezas pessoais.

Motivo de preocupação ou surpresa para o presidente? Nem tanto, porque o governo Lula, com o titular calçado em dois mandatos anteriores, conhece o caminho das pedras; e, mesmo antes da posse, já exercitava a arte do convencimento para ver aprovada a PEC da transição, sufocado em robusta lista de reivindicações políticas que Artur Lira guardava no bolso do lado do coração, onde pulsam as gratidões.

Há uma desvantagem para quem é forçado a conceder, e talvez por aí o apetite dos congressistas exija o escalpelo do presidente, quando senti-lo em maiores dificuldades com as Forças Armadas ou frente ao desafio de uma política econômica que promete generosidades com o trabalhador, mesmo que relegando quem cria fontes de trabalho.

(O ministro Haddad, que ainda não falou da necessidade de o governo apertar os próprios cintos, tem insinuado que prefere dar uma de Tiradentes com o pescoço dos empresários).

A previsão é, pois, que o muito a se pedir logo se transforme em exigência, se os tempos forem de dificuldades. Porque as regras sempre foram ditadas pelos momentos de apertura. Para tanto, o Centrão é uma espécie de carro de combate, com o canhão comandado pelo capitão Lira, sempre carregado de ameaças. Junta-se a isso a nova diagramação dos plenários a mexer com a imaginação dos interlocutores, porque, na Câmara, os 76 bolsonaristas de ontem agora são 99. No Senado, os votos dos apoiadores orgânicos na bancada do PL sobem de 8 para 16. Os números sugerem habilidade para definir o que o governo quer e o que pode oferecer. Haja saliva!

Se o figurino é de barganhas, o observador, não totalmente descrente, sente-se impelido a imaginar que ainda é permitido esperar algo melhor do poder Legislativo. Sempre pode, e a legislatura que se inaugura amanhã ganhará prestígio e respeito se se debruçar logo sobre antigas e sempre adiadas reformas, que a sociedade consciente reclama, como a política, a nova organização tributária e a jamais negada prioridade em tudo que seja capaz de aperfeiçoar a educação. Além de temas que o Congresso costuma deixar só por conta do Executivo, como as bases de uma reforma agrária pacífica. E, mais, ouvindo juristas e penitenciaristas, buscar formas de ampliar a defesa da sociedade, começando por rever as ternuras com que neste país são tratados pequenos e grandes criminosos.

Cartões generosos

Já se disse, quase sem contestação, que as Comissões Parlamentares de Inquérito, da forma como insistem em funcionar no Congresso Nacional, são meras ficções, geralmente criadas para engodo momentâneo da opinião pública, quando esta se espanta diante de excessos e abusos. Os exemplos são múltiplos, além do mais recente, quando se tentou chegar a conclusões sobre responsabilidades políticas na tragédia da pandemia. Nada se concluiu e o grande barulho acabou caindo no vazio.

Por agora, cabe lembrar que em 2008, passados, portanto, 15 anos, nasceu e morreu, hoje insepulta, a CPI que pretendeu desnudar os cartões corporativos, criados no governo Fernando Henrique com a boa intenção de desburocratizar emergências e pequenos gastos; mas logo passaram a servir de generosa válvula de escape para grandes e fartas despesas, sem controle e sem limites. Para mostrar que, graças à política, mais que em qualquer outra atividade, o tinhoso anda farto de boas intenções…

O assunto é retomado quando o presidente Lula, empenhado em mexer nas feridas do antecessor, denuncia excessos com os cartões, mesmo que tenha sido ele, nas anteriores passagens pelo cargo, quem soube gastar com esbanje.

Tão mal usado e desvirtuado, chega o momento de esse cartão passar por uma revisão quanto aos seus objetivos. Deve estar claramente limitado no poder de compra, especificadas as despesas que pode cobrir, para que se evitem excessos, como o conhecido caso do deputado paulista comunista que usou seu cartão corporativo para hospedar em hotel a família, com direito a beber, a babá e bebê.

É do presidente da República, de quem não se pode exigir andar com dinheiro no bolso para pagar pequenas despesas e imprevistos, que se deve esperar a iniciativa de propor melhor definição das linhas de abrangência desses cartões, e começar em casa, cobrando dos ministros parcimônia, seriedade e comedida volúpia ao cuidar do dinheiro público.

idade da polêmica

O presidente não esperou passar o primeiro agitado mês de seu mandato, e, não bastassem as dificuldades com que teve de cruzar, logo revelou disposição para criar polêmicas em várias frentes. Algo que, antes deles, todos procuravam evitar. Mas saiu em busca de debates e divergências com o passado e o presente, certamente por achar que, no futuro próximo, as querelas pedem ter utilidade. No momento, essa prática, agravada no esforço de criar envolvimentos externos, parece imprudente.

Deixou clara uma simpatia especial em relação à fragmentada Argentina, adoçando-a com vultoso financiamento da construção de gasoduto, sem considera que a fonte financiadora, BNDES, é vítima de contumazes devedores relapsos. Nessa milonga, além das dúvidas quanto ao risco da adimplência portenha, o presidente teve de ouvir recados desagradáveis dos governos do Uruguai e Paraguai, depois de desafiar interesses de Pequim no continente. Esquecido ficou que a China lidera a importação de nossos comodities.

Pois muito bem. Parecendo poucos os problemas políticos internos, Lula decidiu disparar aguilhões na direção do ex-presidente Michel Temer, acusando-o de golpista. A reação foi imediata, e o ofendido aconselhou Lula a cuidar melhor dos afazeres que lhe cabem. Um incidente perfeitamente dispensável, que pode trazer consequências, se o governo precisar conviver melhor com o MDB, onde Temer dispõe de boa carga de prestígio.

Tudo isso sem dispensar o bombardeio sobre o ex-presidente Bolsonaro, um projeto bumerangue, que, se outras consequências não tem produzido, mantém vivo e indócil o bolsonarismo, A quem vai interessar?

As polêmicas na idade presidencial, salvo os casos indispensáveis, são, via de regra, uma vereda desinteressante. O pensador francês George Bernanos, que viveu alguns anos em Minas, atentava para isso: o polemista é divertido até os 21 anos; tolerável aos 30; chato por volta dos 50, e obsceno nos 70. Lula já passou por aí.

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