terça-feira, 3 de janeiro de 2023

 


Adeus às armas?



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))

Não obstante a promessa de governar, não apenas para os que o elegeram, mas todos os milhões de brasileiros, sem distinção de ideias, o presidente Lula não acenou de imediatcom a pacificação política. Insinuou cobranças, prometeu condenações e vigilância permanente em relação aos adversários que o antecederam. Em geral, no momento da posse, o discurso é pela superação das divergências e dos conflitos. Compreende-se, contudo, que, chegada a hora de Lula, a conduta tenha sido diferente, porque ele tem de preservar o apoio do seu eleitorado, que queria ouvir exatamento que ele disse. Conservar, porque, no campo contrário, a oposição, quase com a mesma força eleitoral, continua de pé. Pode ser que chegue o momento em que o presidente pretenda descansar as armas, para ter um pouco de paz. Não agora.

momento propício para adotar outro ânimo chegaria, quando entendesse que tensões políticas e militares são parte do projeto de Bolsonaro.

2 – Há quem aposte nesse ministério a mesma duração do iogurte no supermercado. Seis meses de validade. Porque é visível que o primeiro escalão, da forma como foi costurado, com remendos e retalhos, teve como objetivo dar atenção imediata às correntes de apoio eleitoral, mas de difícil convivência, quando viajam no mesmo barco. As ideias são diferentes.A posse ainda estava sob o calor da festa e o ministro da Economia foi eleito para experimentar o primeiro revés. Não conseguiu a desoneração da incidência tributária sobre os combustíveis, que julgava indispensável para enfrentar o déficit que tem no colo. Capitulou diante da imposição dos argumentos políticos, que insistem na preservação da popularidade do presidente, comprometida se, já na primeira hora, gasolina e diesel disparassem.

Um problema para Lula enfrentar, que é mais grave exatamente pelo fato de terem razão tanto os economistas como os assessores políticos.

O cenário de Bolsonaro

Aconteceu o que já se esperava. O presidente Bolsonaro esquivou-se de passar a faixa ao sucessor, atitude que, se rompeu com um rito republicano, ainda teve a novidade de ausentar-se do país no momento solene. Viajou com bagagem de muitas críticas dos que dele sempre discordaram; e não seria agora que os adversários lhe devotariam um gesto de indulgência.

Mas, sob a ótica bolsonarista difere a interpretação do episódio da manhã de domingo. Ele nada teria feito além da coerência, porque, permanecendo em Brasília e subindo ao parlatório do Planalto, estaria passando o cargo a quem considera ser resultado de fraude eleitoral. Ilegítimo, no seu entender.

Não é preciso entrar na cabeça do ex-presidente para saber que, estando ausente, sua primeira preocupação é assumir atitude objetiva e reparadora perante seus eleitores, que compõem um contingente - é preciso não esquecer – do mesmo tamanho do eleitorado que preferiu Lula em outubro passado. Agindo como agiu, mostra-se disposto a preservar o patrimônio de 58 milhões de votos, placar que pensa favorecer, no momento oportuno, a prorrogação de um jogo de poder que ficou empatado.

A retirada parece ser estratégica, mais que resultado de rancores e decepções. Saiu de cena, sem que isso signifique deixar o cenário, numa hora em que sobravam razões para não ficar em dia de festa alheia: foram-se suas forças e o prestígio, que deram lugar a outra realidade. As lideranças políticas que dele se valeram já se ajustaram ao modelo adversário, os generais amigos recolheram-se, os tribunais estão de portas fechadas. No domingo, Bolsonaro era um estrangeiro em Brasília.

Não se perca de vista o projeto político, que começou por lhe cobrar o sacrifício de fechar a boca e se recolher, algo que contraria seu temperamento. O primeiro item do plano é manter viva a suspeita de que foi engolido pela fraude eleitoral. Depois, esperar que o governo Lula tropece nas promessas e não consiga manter unidade mínima das forçar políticas que com ele subiram a rampa no domingo. Mas isso é outra história. Fica para o futuro.

O reino de expectativas

Nos exercícios da futurologia, ao mesmo tempo em que fracassam os videntes de bolas de cristal, também não faltam certas evidências antecipadas por pessoas responsáveis. É em torno delas que a curiosidade procura saber o que pode estar por acontecer neste 2023, há pouco iniciado.

O cenário mundial constrói alguma esperança na exaustão da guerra da Ucrânia, porque os dois países diretamente envolvidos chegariam à conclusão de que para ambos melhor é evitar novas perdas, e o conflito chegue à paz; até porque paz sempre foi o destino inevitável de todas as guerras. Bom será que ela venha logo, dadas as repercussões sobre a economia, o comércio de energia e insumos.

Em paralelo, sendo cada vez mais numerosas as tragédias ambientais, há uma suposição objetiva de que os desafios climáticos serão levados em conta com mais seriedade. Assim seja, para que, além do fim da guerra entre os homens, vençamos a guerra do homem com a natureza.

Quanto ao Brasil, o janeiro é aberto com as expectativas em relação ao novo governo. Não apenas sobre o que ele pretende fazer; mas o que pode fazer. São cenários bem diferentes. A dúvida é procedente, porque os problemas sempre estão acima das soluções. Nem será novidade se, abafado pelas dificuldades, muito do que se prometeu na campanha fique condenado ao arquivo dos impossíveis. O presidente Lula e os que vão ajudá-lo na governadoria se contentariam apenas com o realizável. Porque, tomado o vulto dos desafios, até seria o bastante, para lembrar o que dizia Oswaldo Cruz sobre os governantes: quando não se pode fazer tudo, o que se deve fazer é o que se pode fazer.

O ajuste entre o ideal e o menos ruim é imposição

natural da qual nenhum governo pode escapar. E o de Lula não será diferente, porque não tem cartolas mágicas e os coelhos obedientes foram embora.

Para alimentar expectativas, todas elas carregando forte conteúdo de preocupação, temos, ainda, a deterioração das relações entre os poderes constituídos, coisa que nenhuma nação responsável deve desejar. Pois aqui elas nunca estiveram tão estremecidas ou, se não fosse tanto, com toda certeza bem desarmonizadas; poderes desafiadores entre si, com prestígios e competências em permanente disputa. A superação de tal problema exige do governante, dos legisladores e magistrados a suprema grandeza de descer das alturas em que se colocaram. Mas quem haveria de dar o primeiro passo? De qual daqueles palácios partiria o gesto conciliador? Não há luzes para tanto. Apenas esperança.

Lapsos de esperança

Mania inerente ao temperamento humano, entre outras do elenco de esperanças, é receber o novo ano com o desejo de transformá-las em realidade. Outras, quase sempre mais numerosas, frustram-se à medida em que o tempo passa. (além disso, o ano seguinte vai ficando cada vez mais próximo...) É o que se dá, na maioria das vezes, no campo das finanças, já que faz parte da vida de todos a expectativa dos desapertos, com dinheiro suficiente para a realização de projetos pessoais.

Dá-se também na política, neste caso em forma de desejo coletivo, pois é desejável que as coisas mudem no que têm de mudar. E, se é permitido imaginar assim, é porque elas chegaram ao ano novo rotulando discursos de todos os que, no semestre passado, pleitearam o voto do eleitorado brasileiro.

Se ficamos nesse campo, há velhos sonhadores vendo superado nosso presidencialismo, carcomido e sem condições para recauchutagem. Sugerem a retomada da discussão sobre a oportunidade de introdução do parlamentarismo, longamente pensado e proposto por consideráveis círculos de pensadores, respeitados, mas nunca com força para vencer as barreiras do modelo atual. Há, na tradição política, como componente de maior influência, um certo amor ao chefe que se escolhe diretamente; presidente mandão, quase soberano. Essa cultura impôs a ideia de que o governante só tem legitimidade se escolhido pelo voto direto. O eleitor se sente dono de quem por ele se elege, mesmo que à custa de sucessivas decepções.

O sistema esgotou-se, de fato, como resultado de sucessivas experiências com o presidencialismo, que começaram com Deodoro, o fundador. Nada sugere que possamos retomar uma discussão séria nesse sentido, porque o presidencialismo tem fôlego para ir mais longe; e melhor que não seja atropelado por remendos casuísticos e circunstanciais, como o de 63, que voltou a João Goulart, embora dele nunca tivesse saído.

2 - Menos distante da quimera do governo de Gabinete, talvez a classe política pudesse aproveitar o momento de singular oportunidade para acabar com o instituto da reeleição. O novo presidente não terá como pleitear o quarto mandato. Não só ele, mas nenhum outro poderia se queixar por se considerar prejudicado. A hora é esta para evoluir.

Não se pode negar que a reeleição, muito mais quando é do interesse de classe política cartorialista e viciada, sempre encontrou nos projetos da perpetuação do poder a porta aberta para composições pouco sérias e para a permuta de interesses e conchavos.

Diferentemente, um presidente com mandato único, sem recondução, mas com cinco ou seis anos no cargo, estaria livre para governar, sem pressões que possam se projetar além de seu tempo.

A reeleição, tenhamos em mente, ajudou a agravar e torna pálidos os níveis de probidade na política brasileira. Tem tudo para ser extinta.

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