Tempo de fragilidades
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Não poucas vezes lembrou-se de dizer aqui, a propósito do então eventual segundo turno na eleição presidencial. Desejável que a diferença que favorecesse um dos dois candidatos fosse expressiva, indiscutível, com larga margem de votos a distanciá-los. Porque, fosse assim, o mandato conferido pelos eleitores teria maior substância política, diferentemente da aritmética das urnas. Não foi, contudo, o que se deu. E o que temos visto hoje no cenário político brasileiro resulta, em parte, dos números que herdamos do outubro mais concorrido entre os mais recentes embates pelo poder.
Outra questão, para avaliação paralela. Com alguma acuidade, observa-se que a crise de hoje acaba interessando às duas forças políticas que não desceram do palanque eletrônico, e cada vez mais alimentam conflitos. Nesse ponto, as preocupações se acentuam e se agravam, o que se torna mais sério, porque não permitem esperar fácil desfecho. Eis a nossa tragédia: o novo governo sem força para deslanchar seus projetos; a oposição, abençoada por significativa corrente parlamentar, trabalhando para inviabilizá-lo. No mar revolto, complicado por um ministério longe de figurar entre os mais ilustres, o presidente navega. Ele e o país embarcados numa nau sem rumo, agravada por uma crise política em que sobram paixões indisciplinadas e prosperam mensageiros de rancores.
Deriva dessa situação, que faz mal à saúde do país e de todos os brasileiros, a desolação de sentir a fragilidade da política nacional e das instituições. E o Brasil à mercê disso. Basta um atestado de vacina - não importa se duvidoso ou verdadeiro – para que a vida nacional tenha de parar, na expectativa de que algo pior ainda pode acontecer. Um atestado de vacina põe todos em suspenso, os poderes entram em divergência, acentuam antipatias entre si, bate-se à porta de um ex-presidente para lhe confiscar o celular. Prende-se, formulam-se ameaças, dissemina-se uma fartura de suspeitas. É o nosso dia a dia.
E pensar que, depois de parar e temer a pandemia, chorar milhares de mortes, os dias estão de volta ao pânico, não por culpa da peste, mas por causa da perícia de um atestado que pode ser falso, como falsos são milhões de atestados que correm por aí.
E o povo ainda resiste à sedução do desespero. Porque a hora é de perplexidade.
Fim da reeleição
Prometeu o presidente do Senado reaquecer discussões em torno do projeto de extinção da reeleição para cargos majoritários, começando por coletar opiniões dos congressistas, entre os quais, já se sabe, vem prosperando a ideia de que seria conveniente acabar com essa aventura, substituindo-a por mandatos executivos de cinco anos. O tema é importante, mas não o suficiente para confiscar uma cota entre prioridades, num quadro político conturbado como o que temos vivenciado nas últimas semanas. Portanto, o assunto é bom, mas hoje não tem como ser atraente.
Mesmo que o momento não seja propício, tal discussão volta a expor e demonstrar os defeitos e as impropriedades dos mandatos acumulados, sobretudo quando se leva em conta o modelo político brasileiro e os caracteres da maioria de seus agentes, presentes ou passados. Basta observar que a reeleição teve sua primeira experiência com Vargas, sob as sombras da ditadura; e veio, bem mais tarde, reativada com Fernando Henrique. Com este começou, igualmente, o destino de todos os presidentes reeleitos: o segundo mandato sempre inferior ao primeiro.
Os defeitos e vícios evidenciam-se logo. Nem bem começou o primeiro mandato, já vão sendo traçados os planos para o segundo; e nisso um transbordante festival de concessões e favores que custam fábulas aos cofres públicos, sejam estaduais, municipais ou o federal.
Se o momento não facilita grandes debates, fica, pelo menos, a expectativa de que não tarde mais um competente projeto de eliminação do instituto da reeleição. Demorando, pode comprometer o efeito saneador que se deseja; e que venha com rapidez para vencer um óbice inevitável, a resistência de governadores e prefeitos em primeiro mandato, todos já em campo para o segundo “sacrifício”. Certamente não lhes agrada a ideia de ver limitado a quatro anos o poder que suaram para conquistar.
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