Lição das convenções
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
A temporada das convenções partidárias, que está em curso, tem sido lembrada, não por muitos, sobre o grande abismo que afasta essas organizações políticas de suas bases, só chamadas no momento em que têm de homologar candidaturas e dar aprovação a alianças que já não podem evitar. Tirante essa tarefa, os convencionais são abandonados, à espera de uma nova participação, o que raramente acontece, porque permanecem esquecidos até o próximo pleito. Interessante observar que a legislação brasileira, no artigo 87 do Código Eleitoral, dispõe de claros dispositivos para dar aos filiados esse dever de escolher os candidatos, e considera ilegítima a convenção que não obtiver quórum. Mas, estranhamente, a mesma legislação não cobra dos dirigentes partidários um calendário de reuniões e estudos programáticos. Esse desleixo é antigo, mas agravou-se com a ditadura dos anos 60, quando as legendas nada mais eram que reféns de conveniências, em nome da segurança nacional. As bases, onde estão os verdadeiros representantes, ficam permanentemente esquecidas.
(Na eleição de 1934 experimentou-se candidatura sem legenda, chamada de “avulso”. Não foi do agrado das lideranças, e a novidade logo esquecida. Para se ver como a filiação é, como sempre foi, indispensável).
Essas assembleias, servindo para homologar postulações criadas pelos donos das agremiações, acabaram se tornando uma espécie de imposição consentida. Os filiados, vítimas do pouco-caso, esquecidos em grandes e pequenas cidades, ficam sabendo, pelos órgãos de comunicação, quase de véspera, quais as chapas que aclamarão, no dia aprazado. Votam e depois dispensados, experiência que muitas vezes fica reduzida a uma única vez. Para os pleitos municipais, sua utilidade só se renova em quatro anos.
Nada mais oportuno para lembrar a inconsistência da estrutura partidária brasileira; de tão inconsistente, que faz nisso sua transformação em mero trampolim para projetos pessoais. Exemplo estampado é que os políticos, em particular candidatos em véspera de disputa de mandatos, entram e saem das siglas sem qualquer constrangimento; até porque deles não se cobra fidelidade ou compromisso mínimo com o ideário que, por um princípio lógico, deviam defender e divulgar. Tanto é vero que, semanas atrás, praticou-se algo não imaginável em outros países: abriu-se aos deputados o que se chamou de “Janela”, para que saltassem de uns para outros partidos, de forma a se tornar mais fácil sua reeleição. E só por isso. Nessa hora, conflitos e posicionamentos anteriores ficam superados, permitindo-se esquisitices, como inúmeras candidaturas lançadas por combinações exóticas, de petistas e bolsonaristas, direitistas e comunistas. Uma simbiose que dá sustentação à crítica ao oportunismo.
Não há - devia haver – a cobrança de fidelidade aos programas partidários registrados no Tribunal Superior Eleitoral, onde os ministros dão assentimento aos partidos para que, organizados, possam funcionar, com estatuto e proposta programática. Ora, se o TSE tem poder de decidir se uma organização política pode funcionar, não é menor seu poder para exigir o cumprimento de certas responsabilidades. E uma delas, sem dúvida, seria definir e cobrar regras para conferir dignidade às bases, de forma que tenham elas presença e participação ativas, durante todo o ano, na vida das agremiações de sua escolha. Diferentemente do modesto papel da atualidade, quando seus filiados são convocados para subscrever, em convenções formais, decisões prontas que vêm dos gabinetes dos chefes.
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