terça-feira, 16 de julho de 2024

 



Tempo de impunidades

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

A decisão da Câmara dos Deputados, sob bênçãos e conivência da grande maioria de seus integrantes, concedendo perdão às dívidas dos partidos políticos, contumazes descumpridores da legislação eleitoral, é um capítulo a mais na vasta história que vamos escrevendo no campo das impunidades. Livram-se eles das dívidas tributárias, bem como suas fundações, algumas delas suspeitíssimas, por abrigarem ações irregulares, entre as quais o patrocínio de “palestras” jamais proferidas. Acaba que o mais recente episódio se transforma num conluio, porque, se as organizações políticas erraram, por agirem contra a lei, vieram, em seguida, complacentes e generosos, os legisladores que as afagam com o perdão, sem que, para tanto, nem se acanhem de recorrer à força de uma PEC, com escassa chance de a violência ser contida quando tramitar pelo Senado, nos próximos dias.
A concessão vai além, ao simular prazo de 180 meses para que os contemplados reorganizem as finanças, livres de juros e correções, com a evidência de que, diante de tão elástico prazo, vai aí embutida a garantia de nova e futura premiação aos faltosos.
No embrulho das faltas graves, insistentemente praticadas, figura o descumprimento do instituto das cotas, que, em pleitos anteriores, sacrificou candidaturas de negros e mulheres. Fica a sociedade brasileira autorizada a lamentar que os deputados tenham derrotado uma lei que, por sua própria iniciativa, foi votada, em nome dos direitos de minorias agora negados. Um contrassenso.
Este é um tempo de exaltação dos impunes, mesmo sem constituir novidade. Meio século atrás isso já preocupava o jurista Mílton Campos; mas vai, a cada dia, ganhando maiores dimensões na vida nacional. Progride a tolerância com os delitos, seja nas relações institucionais, seja nos crimes comuns do cotidiano. Alertava o ilustre mineiro que não há nada mais competente para estimular o crime.
Comete-se toda sorte de desvios, porque prevalece a certeza de que não vai dar em nada. A não ser, em muitos casos, quando os tribunais vão em cima dos desprotegidos; sim, porque se os poderosos estão acima da lei, os fracos estão na mira da lei. Vai-se consolidando a cultura da impunidade. O que é péssimo.
Não se permita que essas coisas deixem de escandalizar, pelo fato de estarem se tornando comuns no noticiário. Têm de assustar e gerar protesto, jamais passando encaradas como fatalidade de novos tempos e maus costumes; e, portanto, contra a realidade nada seria possível. Não pode ser normal que um ministro do Supremo Tribunal favoreça, com perdão monocrático, um grupo empresarial que deve, e não vai pagar, dívida de R$ 10 bilhões aos cofres públicos. Outro grupo, caso não menos espantoso, dispensado do compromisso de R$ 8,5 bilhões com a Justiça, depois de figurar como a grande estrela da corrupção da Lava Jato.
Simplesmente calar seria a última tragédia; se a nação perdesse o rubor na face, e admitir a tolerância com fatalidade.

Atleta sexual
A mitologia do agreste pernambucano está enriquecida na insistência com que o presidente Lula tem revelado viril desempenho sexual, em resposta à sugestão de cronistas para se afaste em férias e repouse, ante sinais de esgotamento nervoso. Estamos, pois, diante do que os mitólogos certamente chamariam de garanhão de Garanhuns. Em rigor, longe de ser vítima de implicância dos jornalistas, o presidente mostra, ao proclamar suas epopeias horizontais, que, delirante, precisa mesmo desintoxicar-se, antes que adoeça de vez.
A suspeita de delírio faz sentido quando ele, vai mais longe, ao sugerir que, para dirimir dúvidas, tome-se o testemunho da primeira-dama, o que seria um despropósito. A ninguém se dá o direito de constranger aquela senhora com o atestado comprobatório, por mais zelosa que seja com tão singular virtude do marido.
É justo ter reservas em relação ao atletismo sexual de quem caminha quase octogenário. Sobretudo, tratando-se do presidente, de qualquer presidente, em quem corpo e alma vivem sob permanentes e perigosas tensões. Certas idades e certas vivências não permitem bazófias.
Parafraseando Henri Poincaré, quando falava sobre falsa cultura, sexo é como geleia para cobrir o bolo: quando menos se faz, mais se quer espalhar.

Fora da pauta

1 – Percebe-se. O que mais tem preocupado aos setores políticos e diplomáticos sobre o tiroteio que travam os presidentes Lula e Xavier Millei, além de nefastos reflexos nas relações entre dois países vizinhos, é que as farpas chegaram a tal ponto, que ficou difícil, para ambos, um diálogo menos acidentado no futuro. O argentino não tem como se desculpar com quem, repetidas vezes, chama de ladrão e corrupto contumaz. De sua vez, o presidente brasileiro não tem como abrir mão de um reparo formal, por mais calejado que esteja com ofensas, como as coisas que ouvia de Alkmin e Marina, perdoados com cadeiras ministeriais.

2 – Um mínimo de compostura está a exigir que a sociedade seja informada, com o máximo de clareza, sobre o destino dado às nebulosas Emendas Pix, robustecidas com mais R$ 9 bilhões, em semana de definições políticas. Os deputados ganharam o direito de distribuí-las como convier à sua campanha de reeleição, ficando com os prefeitos da preferência aplicá-las ao gosto. Trata-se de uma imoralidade, mesmo que destinadas a socorrer evidentes necessidades do município contemplado. Nada justifica ausência de transparência na aplicação de dinheiro público.

3 – O negócio das joias do ex-presidente Bolsonaro precisa ser apurado, mas sem descuidar de detalhes que, mal esclarecidos, acabam virando pontos positivos para ele. É o caso da diligência da Polícia Federal, que começou por considerar em R$ 25 milhões o valor das preciosidades, para, logo depois, anunciar o valor real de R$ 6 milhões. Diferença tão expressiva denuncia investigação apressada ou maldosa, algo ruim para quem destinar o caso a fins políticos.

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