terça-feira, 24 de setembro de 2024

 




Violência nas eleições

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Para quem estivesse ausente do Brasil, em qualquer parte do mundo, a semana que passou deixou uma série de imagens sinistras. Os cerrados tosquiados, florestas e campos em mil incêndios, que se alastravam como nunca, o Supremo endurecendo as leis, impostos subindo, a guerra urbana do tráfico, a vida mais difícil; e, para coroar a imagem negativa, fomos expor, por aí afora, o baixíssimo nível da campanha eleitoral que se processa na mais importante entre nossas cidades. Era o que tínhamos para mostrar, mesmo com o contaste dos sucessivos recordes na exportação dos commodities.
Nossa vida tem sido assim mesmo. O pior, por pior que não seja, acaba sufocando as boas coisas, mas sem que faltem, felizmente, alguns otimistas, tipo Jeremias, o Bom, para quem nem tudo está perdido: se as más notícias ainda repercutem e ganham manchetes, ruim se chegarmos ao dia em que, de tão comuns, as tragédias nem mereçam mais o noticiário.
Se uma cadeirada toma o lugar do diálogo entre candidatos a prefeito de S.Paulo, e vira notícia para o mundo, paciência, porque constitui uma exceção na crônica diária da política; exceção em termos, como certamente haverão de advertir atentos historiadores, que apagam a poeira do tempo para nos dizer que nossas páginas, pelo contrário, revelam hábitos muitas vezes nada cordiais; e, quando aparentemente expõem amabilidades, é porque os bons modos foram sugeridos apenas momentaneamente. Tiros e facadas, no lugar das cadeiradas. Sempre houve.
A política, já nos primeiros tempos da República, guarda muitas histórias de ciladas nos capões, execuções dos capangas de coronéis traídos, os acordos não cumpridos. Milhares de pessoas morreram em episódios sangrentos, muito mais graves que as cadeiradas televisivas de nossos dias. Contudo, percebe-se que as mortes resultavam da ofensa à honra política, não só pelo poder em disputa. Caso mais famoso, entre tantos, foi o de Arnon de Mello, que disputava a liderança de Alagoas com Silvestre Péricles, e o destino fez com que ambos viessem parar no velho Senado. Péricles, que não escondia o propósito de matar o desafeto, certo dia caminhou em direção a Arnon, que ali mesmo disparou contra ele. Mas a bala acabou matando o suplente Jorge Cailara, que nada tinha a ver com a história.
Quem contou outro caso foi o deputado mineiro Mílton Reis, que morreu, no Rio, em fevereiro de 2016. Tinha sido testemunha, em 68, na reunião da União Interparlamentar, da troca de tiros entre Nélson Carneiro e Souto Maior, que foi ministro da Saúde no governo João Goulart. A briga era antiga, mas naquele dia, Maior chamou Nélson de “baiano mulato”, o suficiente para começar o tiroteio.
Os casos são incontáveis, uns mais trágicos que outros, mas sempre sangrentos. Suassuna, o Ariano, que viveu tragédia política na família, dizia que podia se contar, nos dedos, as campanhas eleitorais na Paraíba que não resultavam em morte. Isso, nas décadas de 30 e 40, porque, hoje, esse indesejado desempenho foi roubada por Minas, Bahia e São Paulo, segundo dados recentes, colhidos no terceiro trimestre do ano passado pelo Grupo de Investigação Eleitoral da Unirio.
Com respeito aos números referentes aos mineiros um dado agravante é que a violência muitas vezes estende-se às mulheres, pela via das ofensas físicas e psicológicas. Estas e ocorrências semelhantes levaram a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal, a atribuir à violência do gênero fato preponderante a desanimar as mulheres para a atividade politica.
Concorrem tais exemplos para contestar a observação, elaborada por alguns, de que o caso da cadeirada e do bate-boca nos debates de televisão constituem casos isolados, que se extinguem em si mesmos, com o passar do clima de disputas. Não é simples assim. É preciso considerar que a intolerância sempre existiu, agora agravada, porque os desaforos e os pugilatos, se antes só eram conhecidos tardiamente, agora chegam a milhões de telespectadores em tempo real, deixando-os perplexos e um pouco mais descrentes da classe política.

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