A insegurança vai além
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Reuniões periódicas do presidente da República com governadores, sempre necessárias e desejáveis, justificam-se pelo próprio espírito da Federação, porque não se pode esquecer que devemos ser entes em harmonia, mesmo com as autonomias a cada um conferidas pela Constituição. O próximo encontro, que Lula deseja promover ainda neste mês, teria, como agenda única, somar esforços com o governo federal em torno de questões ligadas à segurança pública. O tema é momentoso, reflete preocupação comum dos brasileiros, invariavelmente citado na atual campanha eleitoral, mesmo que prefeitos e vereadores quase nada possam realizar nesse campo. Mas, no contato de eleitores e candidatos, desarmados e incapacitados, o desassossego é evidente.
Em outras vezes, quando se falou sobre estreitar relações com a União, no campo da segurança, os pretensos avanços foram medíocres, quase inexistentes, com exceção de algum raro progresso, que favoreceu a determinados estados. Talvez tenha concorrido, para os escassos resultados, o temor de que a solidariedade do poder central pode resultar no comprometimento, ainda que parcial, de direitos das unidades federadas. A preocupação, parece, está de volta, com a possível proposta do presidente e do ministro Ricardo Lewandowski de um novo modelo de cooperação na área de segurança, e talvez levando a um Projeto de Emenda Constitucional. Geralmente, os estados temem na adoção dessa via; desconfiam das reais intenções do Planalto, de onde sempre partiram projetos de unificação das polícias. O ministro Flávio Dino sinaliza: o que se pretende é, na área de garantias públicas, algo estruturalmente semelhante ao SUS.
Outro detalhe, este com mais pertinência para os estudiosos da matéria, é que somos país repleto de heterogeneidades, logo sentidas quando se trata dos modelos de segurança. Um único plano de ação que se pretenda para Santa Catarina ou Paraná, por exemplo, está longe de se adequar às regiões do Nordeste, bastando as comparações estatísticas dos índices de violência contra a pessoa e o patrimônio. Tais diferenças e as características próprias predominam, começando por considerar os recentes progressos do crime organizado, como o PCC, hoje com garras esparramadas por algumas regiões, e já fortalecido pela assustadora presença em setores produtivos fundamentais. Para se concluir que o Brasil é grande e diferente demais, e não cabe dentro de um projeto geral nesse campo.
Não custa dar outro palpite: a abrangência do desafio é enorme, em qualquer esforço para se conceder à população os instrumentos básicos para uma vida mais tranquila. Assim considerado, talvez fosse conveniente a reunião seguinte do presidente com os governadores estender-se à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Congresso, na expectativa de que os parlamentares possam opinar e legislar sobre o que fazer para que as preocupações internas se ampliem e contemplem a fronteira com a Venezuela. Crescem, a cada dia, as razões para levar em conta, como prioridade, a insegurança quanto ao futuro desse país e suas vizinhanças. A Argentina, que tem relações fechadas com o regime de Caracas, antecipa-se, e vai trabalhando no aperfeiçoando de suas forças, em caráter preventivo, porque, afora a ditadura cruel tão próxima, e acuado por vários países do continente, Maduro tende a explorar mais suas simpatias com China e Rússia, fenômeno que não deixa de trazer implicações de toda ordem. Estamos assistindo à chegada de gente mais armada que nós. O governo brasileiro tem uma longa fronteira a cuidar, sobretudo porque parte do território está próximo a influências que vão além das tradições dos povos latino-americanos. Pode ser que, em futuro não muito distante, tenhamos vizinhança com chineses e russos, acolitados por governantes venezuelanos, embora o mapa bolivariano ainda não sugira isso, exatamente...
De forma tal, que um plano de colaboração entre os governos federal e estaduais não pode ignorar preocupações em relação à fronteira e seus pontos estratégicos, como a nossa sacrificada Roraima, já transformada numa espécie de diáspora civil para venezuelanos asfixiados e em fuga de seu país. Estamos, pois, diante de uma quadra de dúvidas, não apenas pelos problemas internos, que já são muitos, mas também pela repercussão do que pode brotar das linhas que demarcam relações externas. Daí, a justificativa de se convocar a participação da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.
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