terça-feira, 3 de setembro de 2024

 



O sermão de Ortega


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


O que teria sido mais conveniente aos interesses do governo brasileiro?, ante pesadas críticas dirigidas pelo presidente Daniel Ortega Saavedra contra o colega Lula, acusado de ser desastrado na política continental, numa biografia chamuscada pela Lava Jato, entre outros crimes. O mais recente tropeço, segundo o chefe nicaraguense, é o fato de Lula não reconhecer a suspeitíssima vitória de Nicolás Maduro, na Venezuela.

Sobre reagir ou não, a primeira conveniência seria não deixar sem resposta a denúncia severa, partindo de um chefe de estado, mormente pelo respeito que se deve ao povo nicaraguense, sob ditadura desde 2007. Mas, talvez melhor fosse, como se diz no vulgar, não passar recibo; até porque Ortega está longe de se alinhar entre as figuras mais respeitáveis no concerto das comunidades americanas, além de ser um modelo de ditador vulgar. Reagir ou desprezar, eis a questão que variou, pendular, no ânimo dos assessores do Planalto nesses últimos dias.

Pensam os que votaram por desconhecer a ofensa, que Lula já tem couro espesso e sangue frio para enfrentar paradas desse tipo. Têm razão. Haja vista para o fato de que coisas muito mais graves contra ele foram despejadas por Marina Silva e Geraldo Alckmin, e são hoje seus ministros de confiança. Mesmo assim, ser repreendido, publicamente, por um sujeito do tipo Ortega, é extrema humilhação. Parece castigo do céu.  

Analisado sob outro ângulo, o episódio serve para mostrar, mais uma vez, como têm custado alto o equivocado investimento do governo em Maduro, ditador que acabou por enfiar o Brasil numa tríplice enrascada: não temos como manter a aliança com Caracas, não temos como sair dela, e, qualquer que for o caminho adotado, não temos como explicá-lo.

Fiascos acumulados mostram que o presidente não é exatamente o menestrel que canta canções de harmonia na América, nem cavaleiro exitoso a empenhar palavras e bandeiras nas relações com o mundo.


O fogo e as culpas


As queimadas que prosperam, aquecendo e destruindo os verdes da Amazônia e dos cerrados, têm levado à repetida prática do governo de culpar seu antecessor pelos danos. Do que se deixou de fazer resultaram as tragédias dos dias atuais. Agora, quando nos aproximamos do desastre recordista, porque nunca se perdeu tanto nas áreas devastadas, o Executivo, pela voz de seus ambientalistas, quer nos dizer que não tem culpa alguma; e tenta desviar responsabilidades para o passado ou promete prisão e processo contra um desocupado qualquer, que saiu ateando fogo em canavial; também gosta de incriminar o agronegócio, o favorito para figurar na pauta de pecados capitais e veniais.  

Governantes, os de hoje como os de outras épocas, sempre souberam que o período de seca entre junho e outubro, nesta parte do continente, impõe providências preventivas e medidas de cautela nas regiões mais vulneráveis; em nosso caso, a começar pela Amazônia. Consideradas peculiaridades do país e as pesadas responsabilidades que, nesse particular, temos com a comunidade internacional, as brigadas ambientais, as campanhas de conscientização, o isolamento de áreas afetadas,a capacidade de rápida mobilização no combate às chamas são cuidados que não podem ficar à mercê da sorte. O ministério de dona Marina teve dois anos para pensar nisso, mas prefere identificar incendiários criminosos nos adversários políticos.

Para aprofundar cuidados pertinentes a uma época sempre perigosa, convém considerar que a crescente e perigosa degradação dos recursos naturais vem facilitando o fenômeno da combustão espontânea. Nem é preciso haver criminoso incendiário. Deixa de ser novidade, a reclamar o máximo de atenção. Como advertência, os Estados Unidos, particularmente na Califórnia, têm sido principais vítimas disso. O que é um desafio a mais a ser considerado, pois mostra que lá, como em qualquer outra parte do mundo, é preciso prevenir, para não ter que remediar.  


Desafio das emendas

As divergências e variadas desconfianças entre os três poderes sobre o destino das emendas parlamentares, raramente inspiradas em boas intenções, levaram a um pacto de difícil cumprimento. Porque uns poucos dias definidos para dar clareza à matéria são tempo curtíssimo, obter-se amplos esclarecimentos, definir critérios, hoje inexistentes, como também traçar rastreabilidade e garantir eficiências. O Supremo quer chamar a si o direito de conhecer, para depois julgar, a rota das emendas, sabidamente voltadas para interesses políticos.

Os ministros, que acompanharam, por unanimidade, a preocupação monocrática do colega Flávio Dino, devem saber, de véspera, que deputados e senadores, longamente identificados no trato dessa questão, acabam tendo como contornar o impasse, começando por exigir que o Executivo seja mais tolerante, menos lamuriento em relação às emendas impositivas, e abra logo o cofre dos bilhões, sob pena de ampliar dificuldades na tramitação de mensagens de seu interesse.

Só a longo prazo seria possível criar um arcabouço (para utilizar expressão da moda) destinado a emprestar um mínimo de zelo e transparência ao destino das emendas, pela via de lei complementar, mas nunca sob atropelos e açodamentos, com a intenção de o modelo ser aplicado a tempo de servir às eleições municipais. Sem se falar da delirante e complexa cobrança de eficiência na aplicação dos recursos, que vão se perder, não nas obras e serviços dos municípios, mas nos interesses comandos pelos prefeitos. Como obter a importante comprovação de boas aplicações? Quem conhece a política do interior não seria capaz de apostar nisso.

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