Lava
Jato na berlinda
((
Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))
Depois
de temporada relativamente adormecida, eis que ressurge ao debate e
aos conflitos a Operação Lava Jato, agora dividindo espaço e
atenções da mídia com a Covid 19; e insuflada pela denúncia de
envolvimento de dois ex-governadores de São Paulo nos mesmos delitos
pelos quais tantas vezes foram acusados outros políticos.
Considerada a expressão de ambos, a suspeita já bastaria para que a
operação moralizadora retomasse o antigo vigor, mesmo se os fatos
denunciados em São Paulo não estivessem exatamente sob sua alçada.
Mas ela acabou voltando ao noticiário por outro fator, este
parecendo mais grave, que é a entrada em cena da Procuradoria-Geral
da República, ao reclamar transparência em relação a documentos
de investigação - milhares deles – relativos a pessoas, empresas
e instituições implicadas justa ou injustamente.
Em
relação a tal novidade, assistimos à inauguração de novo
capítulo na acidentada história dessa Operação, o que, na opinião
de não poucos, trata-se de uma ofensiva demolidora, destinada a
decretar sua falência; o que em outras vezes tentou-se sem êxito.
Os fracassos anteriores certamente se deveram aos clamores da opinião
pública ouvidos em sua defesa.
Afora
a suspeita tentativa de preservar a carcaça de poderosos na mira de
futuras investigações, ou aflorar documentos secretos úteis para
poupar amigos ou culpar adversários, essa nova incursão nas
entranhas da Lava Jato pode, em paralelo, ofender o ex-ministro
Sérgio Moro, não mais apenas por ter hostilizado o governo do qual
fez parte. Mais do que isso, haveria a intenção de trazer à tona
eventuais fragilidades e equívocos que ele possa ter cometido nos
tempos em que foi patrono do movimento de moralização desencadeado
em cima de notórios implicados em esquemas da corrupção
assustadora. Já que Moro tem consentido em que seu nome seja
lembrado como opção para o eleitorado que em 2022 irá às urnas
escolher o novo presidente, seria também por isso a investida.
Contra um projeto da sucessão presidencial organizam-se as forças a
ele opostas.
O
choque entre sinceras ou maldosas avaliações da Operação pode
levá-la a uma hipotrofia, coisa que não apenas animaria o
ressurgimento dos focos de corrupção, como ensejaria igualmente
sinal verde para a aventura dos que ainda não tiveram acesso aos
potes. E não serão poucos os ávidos a descobrir, pela senda do
crime, os caminhos capazes de enriquecê-los à revelia das normas e
dos bons princípios.
Não
seria exagero, ante tanto risco, temer que a Lava Jato tenha sido,
nestes últimos dias, condenada a mergulhar numa fase de
vulnerabilidade. Pode ser que morra em definitivo, como temem os mais
descrentes; mas, resistindo, estaria condenada a sobreviver com
escassa oxigenação, incapaz de ter fôlego para mergulhar no
submundo dos crimes que lesam as relações do poder público com
empreiteiros e prestadores de serviços.
Agora,
para reprisar uma questão que aqui algumas vezes se comentou. Quando
se desdobravam as investigações iniciais, logo seguidas dos ritos
processuais e prisões; quando se chegou ao inimaginável de
encarcerar um ex-presidente da República, não por poucas vozes
recomendou-se que à campanha moralizadora deviam seguir-se,
supletivamente, iniciativas que, longe de se limitarem à retirada
dos criminosos de circulação, fossem suficientes para dar ao Estado
instrumentos tais que varressem a corrupção institucionalizada; não
apenas desmascarar e condenar corruptos. É preciso desmontar a
complexidade da máquina que abriga e tolera mil expedientes para os
crimes que lesam o erário. Sem isso, a Jato lava mas não enxuga.
Sob
o poder dessa máquina estão os candidatos que se lançam nas
eleições, e aos corruptores têm de ceder, porque sem entrar nos
esquemas e sem prometerem favores e pareceres com benefícios; sem
votações suspeitas e sem se submeterem ao dinheiro de interesses
que não querem ser contrariados; sem isso a eleição é quase um
sonho inatingível. Os corrompidos tornam-se vítimas inevitáveis.
Cedem, porque sem isso não têm como disputar protagonismo na
política. Ninguém suficientemente informado desconhece que grupos
poderosos é que elegem e ditam as regras das bancadas do
corporativismo em todas as câmaras.
Sem
uma legislação eleitoral corajosa, capaz de libertar a política
dessa dependência, o país continuará mal servido. Os políticos
veem-se obrigados a se entregar aos caprichos dos dominadores. Cedem
e compõem. Certamente que isso não justifica, mas explica.
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