Sem cara e coragem
(( Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil”))
Não haveria como cobrar das eleições próximas alguma contribuição para clarear a fisionomia das organizações partidárias, cuja marca registrada continua sendo uma forte dose de inconsistência programática; e é dessa inconsistência que acabam se servindo as circunstâncias e os arranjos políticos, quando se valem exatamente de flexibilidades. As fisionomias partidárias tornam-se ainda mais pálidas nos pleitos municipais, porque aí o que se entrechoca são interesses paroquiais, amores e os ódios locais; não raro as rusgas de origem familiar. Vive-se artificialidade. E outra coisa não se tem visto nestes dias nos noticiários colhidos em capitais e nas principais cidades, estas geralmente identificadas como colégios com mais de 200 mil eleitores.
É o que se constata nestes dias que marcam a véspera das convenções, estas também de certa forma inautênticas, porque as bases que as compõem sempre foram esquecidas, só convocadas para o rito formal do registro de candidatos. E pouco mais que isso.
No pleito deste ano são raros os casos conhecidos em que as legendas que postulam o poder municipal vão se apresentar ao eleitorado atreladas aos programas com que se constituíram. Em seu lugar, assiste-se a um jogo de siglas a serviço de governantes e opositores. Casos há em que adversários renitentes, como PT e PSDB, juntam-se, depõem antigas armas, e passam a jogar as mesmas peças até ontem inconciliáveis, agora viáveis. Os casos são muitos, não apenas os dois grandes adversários. A própria legislação dá bençãos a esses arranjos, começando por conceder, bem antes, a deputados e senadores as chamadas ”janelas”,que são o tempo permitido aos que, antevendo interesses que já não se abrigam em seus partidos, ganham o direito de adotar outra legenda. Tornam-se frequentes as revoadas dos que procuram ninhos diferentes, onde vão chocar novos projetos eleitorais.
Essa migração chegou à extravagância de certo deputado, que vestiu e desvestiu dezesseis vezes a camisa partidária, sem que faltem exemplos superiores a estimular constantes trocas. O presidente Bolsonaro passou por cinco partidos, sendo que, tendo deixado o PSL, consta que pode a ele retornar. Pois ele próprio cerca-se de outros grupos invisíveis, não denominados, mas fortes a atuantes, como se partidos fossem, tal qual o que reúne os militares. A sede destes funciona poderosamente onde houver um ministério originalmente civil…
De tudo extrai-se que no caminho do aperfeiçoamento da democracia ainda não somos capazes de sustentá-la com organizações políticas sólidas, com ideias suficientemente autênticas para ganhar a adesão da sociedade, no que ela mais precisa: projetos e rumos que a orientem e a defendam.
Dado mais recente da Justiça amplia a suspeita lançada sobre essas organizações, pois das 33 formalmente registradas, apenas 11 têm contas e relatórios encaminhados, de forma a se habilitarem ao fundo de financiamento eleitoral. Em cima da hora, os retardatários correm o risco de não terem fôlego para chegar à fonte. Sem que nem falte um toque surrealista: o PRTB e o Novo dispensaram o socorro financeiro de pouco mais de R$ 1 milhão. E nessa profusão é preciso também lembrar que cerca de duas dúzias de partidos aspirantes estão em fila, aguardado registro oficial do TSE; um tribunal que nesse particular sempre se mostra generoso e de portas amplamente abertas. Mas esses enfileirados, mesmo que sejam logo introduzidos na galeria do multipartidarismo, não terão como atuar no processo eleitoral deste ano. Ficariam para 2022.
Tal fartura, que à primeira vista pode parecer leque democrático capaz de abrigar ideologias e tendências diversas, tem sido, ao contrário, fator de esvaziamento da representação, que acaba diluída nas bancadas minúsculas, em sua maioria atreladas a interesses ocasionais, ou são excessivamente concessivas. É o que tem favorecido a formação de centrões por aí a fora.
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