terça-feira, 18 de agosto de 2020

 


Obrigação de votar



(( Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))


As pesquisas que procuram antecipar ao conhecimento geral o que os eleitores pretendem fazer no dia 15 de novembro ainda comportam suficientes reservas, ante o mundo de coisas que estão por vir na política brasileira, pródiga em grandes e surpreendentes mudanças. Afora a indicação dos destinos dos candidatos, o que tem despertado atenções paralelas, para convocar a acuidade do observador, é o contingente de eleitores que revelam intenção de anular ou dar o voto em branco. Em alguns dos principais centros eles passam de 30%, o que, a se confirmar, somando-se a cota do abstencionismo, pode levar a um grave esvaziamento da representatividade; os eleitos seriam condenados a carecer da legitimidade que só a robustez das urnas pode conferir. De 1994 já vinha uma advertência: os nulos, brancos e abstenções chegaram a 36.5%, que quatro anos depois subiriam para 40,1%. Essa tendência, a se manter, teria tudo para preocupar, porque na política ( a prática demonstra com clareza) a legitimidade não se contenta apenas com maioria de votos.


Surge, entretanto, uma dúvida. As planilhas que revelam o problema que preocupa não teriam se limitado a levantar tendências em apenas alguns centros preferenciais? Não adotaram os mesmos métodos da semana passada, quando as consultas coincidiram com as regiões em que o governo Bolsonaro goza das bênçãos do auxílio de 600,00 a populações desempregadas e desassistidas? Ao contrário dos planos presidenciais, a realidade dos nulos e brancos não pode se prestar a objetivos promocionais.


Ouço os mais otimistas darem garantias de que, à medida em que se aproximar o dia do pleito; quando as campanhas estiverem francamente lançadas, os cidadãos agora omissos acabarão por manifestar interesse. O argumento é mais frequente entre os candidatos, mesmo que até agora não tenham à mão boas fórmulas para demover desinteresse de milhares de eleitores que se deixam atrair por um certo desencanto com a prática política; decepcionados com a prática dos agentes, não propriamente com a política, porque sendo bons os propósitos para os quais ela foi imaginada e criada, não há quem possa condená-la.


Arrisco acrescentar uma cunha despretensiosa entre as razões já aventadas pelos descrentes e desinteressados. Trata-se do número expressivo dos que se rebelam, principalmente entre jovens, ante o voto obrigatório, exigência já eliminada em várias sociedades democráticas, onde se passou a considerar que o direito de não se manifestar antepõe-se ao dever de votar. Uma interpretação até certo ponto duvidosa, quando se tem que o cidadão não pode esquivar-se de decisões que não dizem respeito só a si, mas a uma coletividade inteira, da qual é parte e cujo destino também lhe pertence. Contudo, esta é apenas uma apreciação de ordem filosófica, mero detalhe no extenso catálogo das essências da democracia. E não caberia aqui a pretensão de contribuir com novidades sobre tal matéria.


Mas é garantido, no mínimo, que há dúvidas entre os brasileiros se convém ou não a experiência com o voto facultativo. Entre muitos há incerteza; de forma que seria prudente consultar cuidadosamente as representações da sociedade para se apurar a real intenção do eleitorado sobre essa questão. Trata-se de assunto que raramente ocupou as atenções do Congresso Nacional, muito menos do Superior Tribunal Eleitoral. Na verdade, a última incursão dos parlamentares ocorreu 22 anos atrás, dezembro de 1998, quando a comissão de reforma política do Senado aprovou projeto de Sérgio Machado (PSDB-CE), conferindo-se o direito ao voto facultativo. Inevitavelmente aprovado na comissão, porque, muito bem instruída, não havia como recusar a propositura. Nesse mesmo ano, outro senador, o gaúcho José Fogaça, lembrava o inócuo: o voto pode ser obrigatório, mas nada obriga o eleitor a se deter diante da urna e votar...Quando ocorria a tramitação do projeto o Ibope garantia que 64% dos brasileiros condenavam a obrigatoriedade. Os próprios senadores, antevendo a ameaça de grande debandada de eleitores, cuidaram de dar à gaveta do esquecimento a intenção do colega cearense. Passado tanto tempo, valeria, pelo menos, nova e ampla pesquisa junto ao eleitorado, constituído de cidadãos maiores de idade, e com obrigação de saber o que deve ser melhor para o Brasil e para a democracia. Consulta à nação, mas apenas aos políticos, porque eles estimam ver as urnas sempre cheias.



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