terça-feira, 18 de junho de 2024

 



Culpas e desculpas

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Há uma crença, no ralo das experiências políticas, que, se as opiniões são unânimes, melhor é deixar o problema para depois, adiar a providência que parece ser necessidade imediata; porque é na maturação que a solução brota. Pode ser, mas não desta vez, quando é inegável que o governo precisa rearticular, o mais rápido possível, suas relações com o Congresso e áreas produtivas, sob pena de ver crescerem as dificuldades, que, já hoje, tanto preocupam. É urgente debruçar sobre a forma de melhorar o diálogo e garantir resultados, sabido que há meses mostra-se fracassada a receita adotada, à custa de robustos favores a partidos, que só informalmente e ocasionalmente compõem a base parlamentar. Tudo isso, agravado desde a semana passada, quando o presidente e seus colaboradores empurraram para o colo de senadores e empresários a responsabilidade de criar alternativa compensatória, frente à desoneração das folhas de 17 setores com altos índices de emprego. Como Pilatos, lavam as mãos antes a incapacidade. Um inusitado jogo entre culpas e desculpas. Não se tinha visto algo semelhantes: já que uma proposta é recusada, em parte, no parlamento, que se jogue sobre ele missão que, preferencialmente, não lhe cabe.
Restou, em meio a fogos cruzados, o escalpelo do ministro da Fazenda, bombardeado por lideranças empresariais e políticas, sem que lhe faltem hostilidades vindas das entranhas do próprio governo. Com esses amigos de casa, o conturbado Haddad pode se dar ao luxo de dispensar inimigos. A nenhum outro, no atual governo, confiou-se tanta batata quente.
De fato, espalhando farpas, os episódios mais recentes sepultaram o modelo de convivência entre os poderes Executivo e Legislativo, com a particularidade perturbadora de votarem contra o governo exatamente os partidos da base. É interessante o caso do União Brasil, que ocupa três ministérios, mas não consegue corresponder às gentilezas. Portanto, fica visto que essa história de dar cargos e generosas emendas para garantir votos não funcionou; até porque, quando as relações estão pautadas nesse modelo, os que recebem acabam querendo mais.
Mandar embora os culpados infiéis, como querem alguns setores petistas menos tolerantes, é abrir portas para agravar um problema ampliado. Há conselheiros que levam aos ouvidos do presidente a ideia de se adotar a forma simplista do olho por olho; esvaziar os ministérios de partidos hereges, que já tiveram tempo para corresponder à confiança. E não o fizeram. Mas a gente sabe que a solução não é simples assim. E o presidente também deve saber que, mesmo se decretar a morte da base de apoio inoperante, é exatamente por aí que tornará mais volumosas as dificuldades. Fácil prever. Os deputados e senadores, se hoje não apoiam, estarão liberados para retaliar e hostilizar. Tudo para agravar o que já anda grave. Não apoiavam, o que era ruim; se ficam contra, pior.
Não há variadas saídas para a remoção do impasse, mas é certo que conversas com dirigentes partidários e lideranças vão continuar incapazes de superar os principais obstáculos, entre eles os vetos derrubados, mensagens alteradas na essência e as procrastinações. Desafios testando o humor do Executivo, principalmente quando estão em pauta pontos sensíveis da política econômica.
Observe-se, a propósito da raridade de alternativas para a interlocução, que uma contínua progressão dos contratempos acabou se isolando em um dos contendores. Talvez valesse a pena conversar sobre isso – a real extensão da crise e embaraços generalizados - com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, que têm influência decisiva sobre o andamento dos trabalhos congressuais, além do dever de conduzir as casas a preservar, convenientemente, questões que dizem respeito à moderação nos momentos críticos das instituições. Faça-se ao governo a oposição que convier, mas sem vinditas, muito menos esse desastroso e inovador jogo de empurra que estamos vendo. O senador Rodrigo Pacheco e o deputado Artur Lira deram demonstrações de que conseguem acalmar o Congresso, em horas delicadas. Deviam orientar sua influência para se estabelece outra regra de diálogo, algo que têm direito de cobrar, também, do irritadiço presidente Lula, de quem, muitas vezes, saem declarações confusas e desafiadoras; outras provocantes, mas sempre longe de contribuir para serenar os ânimos. Quando se trata da palavra, ele tem sido adversário pertinente da prudência, coisa que na política é receita para perturbações, como a que se tem visto agora. Ao presidente conviria desintoxicar-se.

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