Entre vetos e votos
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))
A necessidade de o governo rearticular-se nas relações com o Congresso tornou-se mais evidente - se é que precisasse de mais um exemplo - com a recente decisão da maioria parlamentar de derrubar vetos do Executivo em matérias importantes; mais ainda, não apenas os derrubou, como manteve veto do ex-presidente Bolsonaro em lei que tratava de disseminação de falsas notícias. Um flagrante desafio, que não deixa de ser questão essencial para preocupar o governo, que já padece da carência de votos num cenário parlamentar, onde predominam conservadores, que têm se revelado mais hábeis que os adversários. E, mesmo entre os que assim não se definem, os “independentes”, seu apoio circunstancial custa pesado sacrifício, porque precisa ser oxigenado com regalos. Tudo para compor um painel, cujas complicações levaram o experiente senador baiano Jaques Wagner a defini-lo com algo “fanatizado ou bipolarizado”. Em resumo, é isso mesmo.
Há, pela frente, um segundo semestre agitado pelas eleições municipais de outubro. Não haverão de ser semanas tranquilas para o presidente Lula. Sabendo disso, consciente da certeza de noites e dias nublados, decidiu participar, pessoalmente, de conversações que, a partir de ontem, serão travadas com lideranças das duas casas do Congresso. Sente que precisa de suas digitais nas articulações, até agora infrutíferas ou incompletas.
Não é pra menos, porque, além de dificuldades com o Congresso, sem que tenham compensado, suficientemente, os investimentos políticos ali aplicados, vem à tona relatório preocupante sobre a fragilidade das alianças frente ao processo eleitoral que está para chegar, mostrando que, em algumas capitais e outros grandes centros urbanos, não deverá funcionar, em resultados desejados, o alinhamento do União Brasil, PP e Republicanos com os candidatos do Partido dos Trabalhadores. Há casos em que as tendências indicam até aproximação com bolsonaristas. Eis uma complicada constatação: partido da base do governo, contra os candidatos do governo.
Sobre a importância da eleição dos novos prefeitos, há um detalhe que tem tudo para diferenciá-la de outras já vividas. Ela vem carregando e agravando sentimentos, revezes e raivas da sucessão presidencial de 2022, e, cumulativamente, sinaliza refletir nas urnas de 2026. Nada mais adequado para uma receita de tensões sobre o colo e os ombros de Lula, a quem, por isso, não será permitido descansar. Pelo menos neste resto de ano.
Palavra em crise
1 ) O senador Hamilton Mourão desculpou-se por estar ausente dos programas de socorro aos seus conterrâneos gaúchos, assolados por tragédias, pelo fato de contar hoje com 70 anos. Com tal longevidade, considera-se dispensado, embora do mesmo argumento não tenha lançado mão quando disputou uma cadeira no Senado, já então beirando septuagenário.
Não é desculpa para se considerar como um escapismo pessoal. Temos, nestas terras latinas, a ideia de que, chegando-se a essa idade, ganha-se diploma de invalidez, mesmo que o mundo ande cheio de gênios na política, que não descansaram e se consagraram setentões.
2) Na velha UDN, procurando definir a arte da indefinição, tão comum entre pessedistas mineiros, como Benedito Valadares, o deputado Carlos Lacerda, disse, certa vez, que aquele não era contra nem a favor: muito antes, pelo contrário… A frase voltou à lembrança, na semana passada, quando outro mineiro, senador Rodrigo Pacheco, pontificou, tentando explicar que a derrubada de veto não significa, necessariamente, fraqueza do governo no Congresso. Interessante que ninguém pediu que, então, desse o significado exato do que entende ser o veto.
3) Se a palavra vive crise de afirmação (ainda há pouco, o presidente Lula, depois de dar importância à varanda das casas para as pessoas eliminarem gases incômodos, atribuiu aos baianos, do ano passado, a independência do Brasil…) por que não esperar que seu amigo Francisco, do Vaticano, também contribua com alguns escorregões?. Acaba de sugerir o pontífice que os homens se preservem das fofocas, porque ”são coisa de mulher”. Antes, definia como “bichice”, algo muito sério para a Igreja da atualidade: a crise de identidade masculina nos seminários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário