Mão e contramão
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Interessante a coincidência. No mesmo dia em que o calendário eleitoral determinou a desincompatibilização de servidores que vão concorrer, em outubro, o Supremo Tribunal Federal derrubou, por 7x4, uma ação que pretendia impedir a consanguíneos ocupar, simultaneamente, cargos executivos e legislativos, tanto no âmbito federal como nos estados e nos municípios. Bem pensado, o que a ação desejou impedir - o uso familiar de cargos para proveito entre parentes – era um instrumento a mais destinado a garantia pleitos hoje com escassa seriedade. Queria a contenção ou banimento de pleitos antidemocráticos, menos oligárquicos, notadamente nos pequenos municípios, onde interesses de copa e cozinha dominam o poder. Em muitos casos, esse erro vem se alastrando por décadas sobre décadas.
Entre a lei existente e a lei pretendida estava alinhado esse objetivo salutar; quer dizer, impedir que o cargo ocupado por parentes próximos, gente de casa, sirva para outras finalidades, que não se restrinjam ao bem público.
O ministro Flávio Dino, um dos quatro votos derrotados em plenário, é do Maranhão, onde, entre outras regiões do Norte e Nordeste, são clássicos os exemplos de famílias que passam a vida governando as cidades, como se fossem seus feudos. Exatamente onde sobrevive a versão moderna do curral eleitoral, dominado por grupos tradicionais. Prosperam ali exemplos claros e vivos da ausência de uma sã democracia. Esta, aliás, equivocadamente, levantada no STF como argumento para derrubar a ação que desejou impedir o desaforo. Nesse caso, a maioria dos ministros achou melhor colocar o ideal do mal. Alguns advertiram sobre os riscos da concentração de poderes familiares, mas igualmente ignorados.
À sombra das bênçãos do Supremo, o que vamos assistir, em outubro, com toda certeza, é a ampliação de abusos, sobretudo nos rincões distantes, que estão a salvo dos olhares mais críticos. Cônjuges, filhos, irmãos e cunhados consolidarão oligarquias, por onde passam e prosperam o nepotismo e o tráfico de influência. Basta observar os casos, que não são poucos, em que as câmaras municipais estão presididas pelos maridos de prefeitas, por esposas ou filhos dos prefeitos. Como esperar que o Legislativo cumpra a obrigação de fiscalizar o Executivo?, por esse Brasil afora, se as coisas podem ser facilmente acertadas durante um jantar em família…
Falência prevista
Essas eleições, as que vão trazer novos ou reeditados prefeitos e vereadores, não haverão de sepultar apenas milhares de sonhos de candidatos mal sucedidos, destinados a morrer nas urnas. Elas têm tudo para abrir valas e abismos mais profundos. Por exemplo, parecem destinadas a um tropeço fatal as federações partidárias, criadas em 2021, para despistar velhas alianças viciadas. Prometiam, também, evitar o sufoco de legendas nanicas incapazes de produzir bons resultados políticos e eleitorais. Mas a principal proposta era de atuarem de forma unificada e prolongadas. Viu-se: nem uma coisa nem outra.
Os observadores, mesmo olhando para uma paisagem quatro meses distante, vão chegando à conclusão de que as federações não passarão no teste; vão se afogar na primeira provação municipal, desde que se instituiu a novidade.
Quando o legislador se aventurou na elaboração dessa alquimia, agrupando partidos e grupos sem identidades suficientemente convincentes, já admitia sobrevivência de quatro anos para a experiência. Adivinhou, porque o consórcio revelou incapacidade para ir mais longe. Portanto, as federações morrem em outubro, como resultado dos conflitos a que vamos assistir nas campanhas municipais.
Havia a promessa de que poderiam fortalecer as ações de base do governo no Congresso, mas ali os votos continuaram vivendo destinos diferentes, cada qual cuidando de si. O presidente Lula nunca deu sinais de acreditar na proeza das três federações criadas: a Brasil Esperança, formada pelo PT, PCdoB e PV; a Cidadania, que adotou o nome do partido que a integra, ao lado do PSDB; e a que juntou PSOL e REDE.
Mas, como em política não existe inutilidade absoluta, é de se esperar que, passado o pleito, as lideranças possam se sentir mais animadas a tratar da reorganização corajosa e profunda dos partidos. O exemplo está aí. Se nem agrupados e federados conseguem prosperar, quanto mais isolados e sós, como estavam e como voltarão a estar.
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