DOIS FOGOS
Sob um clima político em que
disputam primazia as tensões provocadas pelos inquéritos e as expectativas
geradas pela ânsia da retomada do desenvolvimento, o presidente Michel Temer
situa-se em posição delicada. Ele tem de dar atenção aos setores produtivos,
que pedem ações rápidas de uma gestão definitiva, e, ao mesmo tempo, tem de
ouvir segmentos políticos que pedem paz nas relações institucionais, longe da
Polícia Federal e da Justiça. Os partidos da base, que dão apoio parlamentar
para a aprovação das medidas que seu governo julga mediatas e imediatas, acham
que a caça aos corruptos, ainda que justificável, vem pecando nos atropelos,
gerando intranquilidade e desânimo.
Entre dois, ou talvez mais fogos,
Temer deve temer produzir desagrados incontornáveis, o que o submete ao
exercício do contorcionismo a que temos assistido. No caso da Operação Lava
Jato, para citar um exemplo, ele não pode ferir o desejo do grande público em
ver condenações e prisões, mas sem desconhecer que vão se afastando dele os
investigados e eventuais suspeitos. Um vácuo nas relações com o Congresso.
Quanto aos setores produtivos o
detalhe importante é que as lideranças empresariais querem apressar medidas
severas na área econômica que geram problemas nas relações do governo com a
sociedade. É o caso da Previdência, que precisa ser reformulada, mas é
inevitável que produzirá dores e descontentamentos.
Onde quer que pise, o presidente
está enfrentando areia movediça. Herança que lhe deixou a antecessora, que com
ele venceu a eleição com uma chapa construída em cima de confianças mútuas.
TEMPOS DE JÂNIO
Em suas memórias o ex-deputado
mineiro e ex-ministro Paulo Pinheiro Chagas deixou o registro de dificuldades e
consequências das primeiras semanas de um presidente da República. Trata do
brevíssimo e conturbado governo Jânio Quadros em 1961. Só se falava em
comissões de inquérito, prisões, sindicâncias, exclusão de servidores, a
polícia atrás de muitos.
A preocupação de Chagas naquela
época, recentemente eleito para integrar a bancada de Minas, era o risco da
supremacia do poder policial sobre o poder político. E lamentou em discurso que
a vida nacional ficasse reduzida aos aparatos policiais. “Não se pode
despir a vida pública brasileira daquele sentido ético que era outrora o seu
pudor, reduzindo-a aos estreitos horizontes policiais dos inquéritos nem
mergulhar a Nação na delação erigida em sistema e a suspeita transformada
em crime”.
O VELHO MONSTRO
Nos dias atuais, essa caça aos
corruptos, absolutamente necessária e que já tardava, pode estar servindo
também de trampolim político para futuros candidatos, e é preciso estar atento
a isso. Sejam delegados, promotores, procuradores ou mesmo deputados e
senadores desejosos de eliminar possíveis concorrentes em futuro próximo.
Querem se aproveitar da onda moralizadora. Vejamos o caso recente do policial
“Japonês”, que a televisão celebrou como preênsil, e acaba de ser detido
por causa de irregularidades no serviço.
Os cortesãos da popularidade bem
cedo caem sob o cutelo. A popularidade é um monstro que não perdoa, ou aplaude
ou devora.
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