Educação sem
rumos
(( Wilson Cid hoje no "Jornal do Brasil" ))
Bastaria
passar os olhos nas crônicas do Planalto para se chegar a simples
constatação: as frequentes alterações que se processam, com
espanto e agilidade, nos quadros do primeiro escalão do governo,
permitem deduzir, sem maior dificuldade, que nenhum ministro, como
agora o professor Mílton Ribeiro, foi chamado ao cargo sem estar à
frente de tantas incertezas, porque à importância de sua pasta
somam-se, por extensão, as muitas tensões do momento. Sendo seu
ministério vital para o futuro da sociedade, e nisto divide
relevância com a Saúde, certamente haverá de perceber que um
antigo e primeiro impasse é o fato de o Brasil não ter traçada
ainda uma política educacional, com planos e objetivos perfeitamente
definidos. Mas como haveria de se desejar que o modelo pudesse dar os
primeiros passos no governo Bolsonaro?; governo que frequenta diárias
perturbações, e nisso é inigualável. De fato, não se lê nos
registros republicanos caso em que uma gestão, como o atual, tenha
tateado durante ano e meio nas incertezas em setor importantíssimo,
como a educação. Para desobrigá-lo de algo mais consistente nesses
primeiros meses, nem se poderia, ante a factualidade, recorrer às
consequências do coronavírus. Inútil tentar a ardilosa explicação.
O que autoriza demonstrar esse quadro de imobilismo; essa inércia
frente a condutas que dessem partida à politica de educação são
exatamente as incertezas de comando na pasta. O gabinete do ministro
Ribeiro padece de alta rotatividade. Não haveria mesmo como
encontrar um mínimo de planejamento.
Em
rigor, estivesse a área do professor Ribeiro vivendo fase menos
conturbada, ela mesma poderia ser chamada a contribuir nas campanhas
de prevenção e combate ao grande mal que hoje nos aflige. Ou pode
alguém, em sã consciência, afirmar que a resistência ao vírus
não estaria mais bem sucedida se o povo houvesse alçado melhor
nível de instrução? Portanto, a prioridade sanitária da ocasião
não há de servir de pretexto para o imobilismo de outra área, tão
próxima e tão pertinente.
O
novo ministro, por mais que consiga sustentar-se a bordo dos
desafios, não terá tempo para recuperar os tempos já perdidos;
talvez, no máximo, possa ensaiar primeiros passos de um plano que
aspire a bons resultados no futuro; e, por sobre naturais
dificuldades, inspirar-se nas realidades nacionais. Não ceder à
tentação de importar experiências recomendadas por alguns
graduados que vivem de intermináveis bolsas em solos estrangeiros;
por mais bem sucedidas que hajam sido os países que os acolhem. O
que cabe aprender com outros povos é algo que os fatos jamais
desmentem: não há desenvolvimento sem que todas as prioridades
estejam focadas nos bancos escolares.
Que
a inspiração divina, a que o ministro a tanto recorre nas homilias
de pastor presbiteriano, possa levá-lo, portanto, a considerar que
inexiste país próspero que ascenda ao concerto dos grandes povos
sem que tenha levantado, antes de tudo e por primeiro, a prioridade
absoluta desse setor que desde agora lhe é confiado. E, neste ponto,
ter em vista que não basta a uma parcela da sociedade escapar do
analfabetismo, enquanto a outra sonha com diploma superior. Em meio a
esses extremos - os que apenas desenham letras no papel e os que
chegam às universidades – há um vácuo intermediário onde
vicejam multidões excluídas. Ora, se não pode haver criança sem
escola, muito menos descuidar dos instrumentos que levem a
adolescência e a juventude a adquirir conhecimentos básicos, os
intermediários; neles compreendidas as várias formas de capacitação
técnica. Uma nação não se faz apenas de doutores; algumas vezes a
despeito deles.
Cuidado
não menos sensível é preservar princípios da laicidade do Estado;
princípios esses, se exigíveis em todos os setores da administração
pública, mais ainda na educação. Vale dizer: ao presidente e ao
ministro não falece direito de ter opção entre as confissões, e
eles realmente as têm declaradamente; mas não o Estado laico. O
Brasil já amanheceu na República liberto da interdependência
cultural e política com que convivia com a religião oficial. Rui
ensinou em sua “Teoria Política” que “os governos têm
consciência plena que sua missão não é a de padroeiros de nenhuma
teologia”. Ante tal responsabilidade, sem procurar desviar-se dela,
sem se servir da sombra de artificialismos, esquecer aquela conquista
antiga seria gerar perigosas consequências, inaceitáveis ódios
entre crenças, fermentar delírios de teocratas. E o perigo de
“invencíveis e violentas antipatias”,ainda no dizer do Águia.
Todos
esses cuidados - queira Deus - haverão de frequentar a pauta do
recém-chegado ministro. Mas que consiga, para começo de conversa,
superar o danoso e tumultuário clima de intermináveis sucessões
que há meses paira sobre o gabinete que agora lhe é confiado.
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