terça-feira, 28 de julho de 2020



Poder “centralizado”


(( Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil”))


Convencido da capacidade de manter sob seu controle parte substancial das forças de direita que o ajudaram a eleger-se em 2018, o que, aliás, não tem sido desmentido pelas pesquisas, o presidente Bolsonaro parte agora para ajustes finais com o chamado Centrão. Nisso segue pegadas não diferentes das que adotaram os que o antecederam. Ora, já se dizia antes, se a virtude está no meio, e é com essa a panaceia que se pode elaborar o complexo de forças políticas e interesses difusos para o governo transitar no Parlamento; e com mentes e olhos voltados para a futura prova das urnas. O Centrão é a química descolorida por diferentes matizes, que chegar para ajudar na segunda metade do atual governo; e, ao mesmo tempo, contribuir na campanha da reeleição em 2022, posto não mais haver entre os observadores políticos e nos convescotes parlamentares quem duvide do sonho do segundo mandato. As evidências se fazem presentes, e uma delas é o esforço do presidente para conter a impetuosidade de palavras inúteis, aquelas que provocam arestas e ressentimentos nada adequados a um projeto eleitoral. Obediente a essa realidade, parece disposto a não continuar sendo alguém que não dispensa a oportunidade de provocar. A conferir.

Mais ainda, o que faz acreditar no projeto do novo mandato é exatamente o acerto com o Centão, que vai chegando sem desmentir seu caráter original, isto é, uma simbiose, uma fusão de grupos e interesses, no meio dos quais as ideias e as propostas primam por dividendos imediatos. Esse conjunto de homens com mandatos funde-se como águas de todos os rios; não é direita nem é esquerda; “muito pelo contrário”, dizia-se do velho PSD. Tão diverso na composição, sua cartilha recomenda pragmatismo no trato dos assuntos políticos, o que faz dele um insaciável consumidor de cargos e influências. Não lhe é bastante influir hoje no controle de 2% dos recursos orçamentários da União.

Acertados os ponteiros, mesmo o governo correndo o risco de ver essa adesão dissolver-se no futuro por força de circunstâncias, o presidente sente que esse é o caminho; e é para isso que ele arreia seu cavalo. Mas no cavalgar é bom já ir pensando na extensão das ofertas compensadoras, pois não terá como escapar de mudanças significativas na estrutura do poder. Os apoiadores da força parlamentar vão chegando sequiosos e ansiosos por galgar posições, algo nem muito difícil de explicar, enquanto perdurar essa indecência de deputados e senadores interrompendo o exercício do mandado para ocupar funções executivas, nas quais em geral se organizam para serem reeleitos com o manejo de verbas orçamentárias.

(Estamos assistindo no episódio à invenção de uma nova física, alterando-se o princípio de Arquimedes: dai-me um cargo público e um ponto de apoio no Tesouro e eu levanto uma eleição).
O Palácio há que abrir logo o espaço para abrigar agentes da nova adesão. Já estaria a confirmar tal empenho a insinuação do presidente da Câmara, do PFL, portanto centrista, de se criarem novas regras para o aproveitamento de militares em funções civis que estejam sob as ordens do presidente da República. Faz sentido, sob a ótica do Centrão, pois ao redor de Bolsonaro avolumam-se os camaradas, ocupando cargos que os apoiadores veem com olhos de volúpia. A presidência nem está dispensada da mexer no escalão ministerial, porque ali as fardas estão nos cabides de 30% dos cargos “generalizados”…

Outra tarefa a se confiar às forças políticas em estágio de adesão, como certamente esperam assessores palacianos, é que a elas pode caber a tarefa de atrair a classe média, indispensável na elaboração de qualquer plano que vise à reeleição. Essa faixa eleitoral, longe das contestações da esquerda ou do apoio automático da direita, pode ajudar o presidente a carregar alguns fardos, mas não aliviar suas costas da responsabilidade pessoal no comportamento displicente que adotou em relação à tragédia sanitária que o país está vivendo, porque neste caso o que tem de fazer é torcer para que o tempo se encarregue de empurrar as culpas ao esquecimento coletivo. Esperançoso, porque o eleitorado padece do mal de passar por cima do tempo e esquecer os males maiores. Só se for assim, porque o presidente tentou ver a epidemia como gripe que se cura com xaropes caseiros, enquanto milhares de brasileiros baixavam ao túmulo. Não há Centrão que possa absolvê-lo da falta de solidariedade objetiva.



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