Um
palanque para o Brasil
((
Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))
Não
seria admissível se os partidos que compõem o atual cenário da
política brasileira se dispusessem a levar de roldão a campanha
eleitoral, ao atropelo de improvisações e apenas ao sabor das
disputas do poder paroquial. Essa é uma campanha que já vem tarde,
forçada ao adiamento pelas incertezas de uma epidemia que teima em
se retirar. Pois, se a crise da saúde pública teve de mexer no
calendário eleitoral, mas sem eximi-los de promover um diálogo
denso e proveitoso com a sociedade, cabe advertir que o discurso que
vão elaborar não pode se limitar a questões paroquiais ou apenas
inspirado nos interesses de prefeitos e vereadores. Se é muito
importante que tenhamos municípios bem geridos, e bom que os
tenhamos, é notório que acima deles paira a vasta gama dos
problemas brasileiros. Os municípios são as células, mas o país é
o corpo que os agrega para a Federação.
Impõe-se
nesta hora a prevalência do discurso nacional, fato mais que
ostensivo. O governo, por responsabilidade sua ou de adversários
renitentes, mergulhou em muitas dúvidas e arrastou consigo toda uma
nação ao mar das inseguranças, onde nem faltam ondas de
esquisitices: no primeiro escalão o ministro da Saúde já não
precisa ser da área; a amiga risonha do presidente assume a Cultura,
anoitece no cargo e já amanhece demissionária; além do movimentado
tobogã em que está transformado o ministério da Educação, onde
acaba de ser defenestrado um amigo palaciano carregado de títulos
suspeitos.
É
preciso, por estas e outras razões, que o debate político deste
segundo semestre conduza a algumas luzes, que possam, pelo menos,
insinuar o caminho para a solução dos problemas que afligem cada
dia mais. Mais importante ainda num momento em que milhões de
pessoas se perturbam, vão perdendo esperanças e começam a desafiar
a crise. A propósito, observam especialistas que estudam as tensões
coletivas que já temos sinais do comportamento meio suicida dos que
têm preferido descuidar da saúde e dela descreem. É o que se sente
nos bares, clubes e praias, onde vão se desenrolando alegres festas
em que o vírus é o convidado de honra. Esse cenário tenebroso
reedita idos da Peste Negra, de 1348, quando as populações
desoladas também se entregavam à orgia e às tavernas, achando que
estavam se despedindo da vida e do mundo.
No
debate que se propõe não faltarão exemplos da degradação dos
costumes políticos e das perplexidades que povoam a vida pública.
Chegamos o ponto em que se tornou preciso de lei para obrigar o
primeiro mandatário a cobrir o rosto e inibir o contágio do vírus,
depois de resistir a uma recomendação do próprio governo. Não se
concebe que afrontas assim e outras escapem do palanque eletrônico
da disputa seguinte. É preciso levantar a voz do Brasil inteiro numa
hora em que se vive um velório interminável. Na essência, a crise
na saúde e seus desdobramentos são tema político digno de figurar
na campanha de novembro.
Ainda
assim, não dispomos de suficientes garantias de que as urnas sejam
capazes de refletir com perfeição as nossas maiores preocupações.
Pode acabar sendo eleições pobres de povo; um povo forçado a se
desviar para preocupações imediatas, a começar pelo desejo de
vencer a ânsia que com se recolheu em quarentena obrigatória.
Desinteressado e relação ao voto, acima de mensagens eleitoreiras,
no espírito popular predominaria apenas o desejo de ver o ano aziago
se fechar em dezembro, abrindo espaço para um janeiro de esperanças.
Como
os partidos podem acudir aos eleitores nesta difícil quadra?
Desnecessário insistir em que eles não estão desobrigados de
oferecer palavras, ideias e projetos capazes de contribuir para
remover ou reduzir os efeitos dos tempos de ansiedade em que estamos
mergulhados. Certamente em breve seguirão delicados problemas
sociais e econômicos. O que essas organizações políticas terão a
dizer? Quais os mecanismos que haveriam de considerar apropriados
para reduzir ao máximo a inevitável carência de oportunidades de
emprego? É preciso que as lideranças tomem à frente esse papel,
mesmo que se reconheça modesta a possibilidade de os programas
partidários oferecerem algo de visível utilidade.
A
palavra final é esta. Se vamos caminhando para as eleições de
novembro, não é aceitável que elas se satisfaçam como torneio de
disputas restritas a interesses municipais, porque ainda que eles
sejam muito importantes – não há negar – temos uma nação
inteira sob desafios momentosos. E a oportunidade para discuti-los é
exatamente a caminho das urnas.
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