terça-feira, 7 de julho de 2020




Um palanque para o Brasil


(( Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))

Não seria admissível se os partidos que compõem o atual cenário da política brasileira se dispusessem a levar de roldão a campanha eleitoral, ao atropelo de improvisações e apenas ao sabor das disputas do poder paroquial. Essa é uma campanha que já vem tarde, forçada ao adiamento pelas incertezas de uma epidemia que teima em se retirar. Pois, se a crise da saúde pública teve de mexer no calendário eleitoral, mas sem eximi-los de promover um diálogo denso e proveitoso com a sociedade, cabe advertir que o discurso que vão elaborar não pode se limitar a questões paroquiais ou apenas inspirado nos interesses de prefeitos e vereadores. Se é muito importante que tenhamos municípios bem geridos, e bom que os tenhamos, é notório que acima deles paira a vasta gama dos problemas brasileiros. Os municípios são as células, mas o país é o corpo que os agrega para a Federação.

Impõe-se nesta hora a prevalência do discurso nacional, fato mais que ostensivo. O governo, por responsabilidade sua ou de adversários renitentes, mergulhou em muitas dúvidas e arrastou consigo toda uma nação ao mar das inseguranças, onde nem faltam ondas de esquisitices: no primeiro escalão o ministro da Saúde já não precisa ser da área; a amiga risonha do presidente assume a Cultura, anoitece no cargo e já amanhece demissionária; além do movimentado tobogã em que está transformado o ministério da Educação, onde acaba de ser defenestrado um amigo palaciano carregado de títulos suspeitos.

É preciso, por estas e outras razões, que o debate político deste segundo semestre conduza a algumas luzes, que possam, pelo menos, insinuar o caminho para a solução dos problemas que afligem cada dia mais. Mais importante ainda num momento em que milhões de pessoas se perturbam, vão perdendo esperanças e começam a desafiar a crise. A propósito, observam especialistas que estudam as tensões coletivas que já temos sinais do comportamento meio suicida dos que têm preferido descuidar da saúde e dela descreem. É o que se sente nos bares, clubes e praias, onde vão se desenrolando alegres festas em que o vírus é o convidado de honra. Esse cenário tenebroso reedita idos da Peste Negra, de 1348, quando as populações desoladas também se entregavam à orgia e às tavernas, achando que estavam se despedindo da vida e do mundo.

No debate que se propõe não faltarão exemplos da degradação dos costumes políticos e das perplexidades que povoam a vida pública. Chegamos o ponto em que se tornou preciso de lei para obrigar o primeiro mandatário a cobrir o rosto e inibir o contágio do vírus, depois de resistir a uma recomendação do próprio governo. Não se concebe que afrontas assim e outras escapem do palanque eletrônico da disputa seguinte. É preciso levantar a voz do Brasil inteiro numa hora em que se vive um velório interminável. Na essência, a crise na saúde e seus desdobramentos são tema político digno de figurar na campanha de novembro.

Ainda assim, não dispomos de suficientes garantias de que as urnas sejam capazes de refletir com perfeição as nossas maiores preocupações. Pode acabar sendo eleições pobres de povo; um povo forçado a se desviar para preocupações imediatas, a começar pelo desejo de vencer a ânsia que com se recolheu em quarentena obrigatória. Desinteressado e relação ao voto, acima de mensagens eleitoreiras, no espírito popular predominaria apenas o desejo de ver o ano aziago se fechar em dezembro, abrindo espaço para um janeiro de esperanças.

Como os partidos podem acudir aos eleitores nesta difícil quadra? Desnecessário insistir em que eles não estão desobrigados de oferecer palavras, ideias e projetos capazes de contribuir para remover ou reduzir os efeitos dos tempos de ansiedade em que estamos mergulhados. Certamente em breve seguirão delicados problemas sociais e econômicos. O que essas organizações políticas terão a dizer? Quais os mecanismos que haveriam de considerar apropriados para reduzir ao máximo a inevitável carência de oportunidades de emprego? É preciso que as lideranças tomem à frente esse papel, mesmo que se reconheça modesta a possibilidade de os programas partidários oferecerem algo de visível utilidade.

A palavra final é esta. Se vamos caminhando para as eleições de novembro, não é aceitável que elas se satisfaçam como torneio de disputas restritas a interesses municipais, porque ainda que eles sejam muito importantes – não há negar – temos uma nação inteira sob desafios momentosos. E a oportunidade para discuti-los é exatamente a caminho das urnas.





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