A
JORNADA DO VICE, AOS TRANCOS E BARRANCOS
Se
existe algo que não se pode chamar de novidade na política brasileira é o papel
do vice na acidentada história republicana que viveram nossos antecedentes e
ainda hoje vivemos nós. Aqui, mais que em qualquer outro lugar do mundo, o vice
jamais foi condenado ao papel decorativo, mero eventual. Não. Em pelo menos
meio século da crônica política ele esteve presente e foi decisivo. Saiu
daquela cadeira do substituto à espera do imprevisto para galgar o poder.
O
vice, na hora em que o destino acena com a rampa do Planalto, convém ser
discreto, deixar a linha de fogo do pesadelo das crises. Como fez Itamar em 92,
como faz agora Michel Temer. Não permitir sinais de possível envolvimento com
tramas e acidentes, pois quando transparecem suspeitas ficam os ressentimentos,
como se deu entre Figueiredo e seu vice Aureliano.
Discrição
e comedimento. Diferentemente, por exemplo, do atabalhoado Manoel Vitorino,
vice imprudente de Prudente de Morais. O presidente se licenciara para
submeter-se a uma cirurgia, da qual para muitos não conseguiria sair vivo.
Também acreditando nisso, tão logo se viu no cargo o baiano Manoel mudou quase
todo o Ministério, reformulou condutas políticas do governo e mudou a
sede da presidência, que estava no Itamaraty e passou para o
Catete. Prudente, horrorizado, abandonou o leito da convalescença em
Petrópolis, voltou correndo para o Rio e reassumiu.
O
jornalista Hélio Fernandes, que conhece bem esses fatos, já escreveu que em
matéria de vices o Brasil tem dois recordes: Carlos Luz, que esteve apenas um
dia na presidência, e José Sarney, que ficou devendo à morte de Tancredo Neves
os cinco anos em que esteve na presidência. Não incluímos na lista recordista
as três horas em que José Maria Alkmin substituiu o presidente Castello Branco
quando este foi ao Paraguai para inaugurar uma ponte entre os dois países.
O
vice Sarney é um caso universal. Foi vice na presidência mais tempo que o vice
americano Andrew Johnson, que havia abiscoitado 3 anos e 11 meses do mandato de
Lincoln; mais que Theodoro Roosevelt, herdeiro de 3 anos e 8 meses de McKinley,
e Truman, que completou quase 4 anos de Franklin Roosevelt.
No
Brasil a sorte do vice republicano é muito rica, sem que dela nem o primeiro
escapou. Em 1891 um golpe do marechal Deodoro da Fonseca durou apenas 20 dias,
derrubado pelo vice Floriano Peixoto, que assumiu prometendo eleição, mas logo
se esqueceu disso. Nilo Peçanha era o substituto de Afonso Pena, que morreu em
1909, e assumiu. Nove anos depois morre o presidente Rodrigues Alves, que já vinha
enfermo da campanha. Seu vice, Delfim Moreira, não menos enfermo, com a
gravidade de doença mental, passou o tempo assinando papéis que em sua maioria
ignorava.
A
Velha República fecha suas páginas em 1930, vem a Aliança chamada Liberal, que
levaria Getúlio Vargas ao poder; mas aí a História mudou o enredo, pois o vice
João Pessoa foi assassinado, resultado de lutas pessoais, crime
politicamente aproveitado pelos interesses do momento. Getúlio, pai do grande
golpe que desaguou na ditador do Estado Novo, pagou o preço em 1954,
suicidando-se. O vice Café Filho assumiu e adoeceu no cargo, num dos momentos
mais delicados de nossa História. Substituiu-o Carlos Luz, por sua vez sucedido
por Nereu Ramos, a quem coube passar a presidência a Juscelino.
A
jornada dos substitutos continuou. E saltou para 1961, quando a renúncia do
presidente Jânio Quadros foi buscar na China o vice João Goulart, mas sob
resistência dos militares só pôde assumir pela via de um parlamentarismo
híbrido. Derrubado pelo golpe de 64, vieram vices civis, sem chance de
aparecer. Alkmin com Castello Branco. Pedro Aleixo com Costa e Silva, mas
quando o general-presidente adoeceu e morreu o vice foi rechaçado, e em seu
lugar entrou uma Junta Militar.
Redemocratizado
o País, nem por isso o destino dos vices saíram de cena. Em 85, morto Tancredo,
sobe Sarney. Em 92, decretado o impeachment de Fernando Collor, assume Itamar
Franco.
Vale
registrar na crônica desses homens pouco eventuais um detalhe singular. A
vice-presidência, que antes de 1964 formava-se em chapa própria, independente
do presidente, é para suceder o titular em caso de morte ou impedimento
definitivo. Mas aqui na verdade ele substitui. O que resulta um caso curioso:
no Brasil o vice assume, fica aqui decidindo e assinando pelo governo, enquanto
o titular, em outros países, faz a mesma coisa. Damo-nos ao luxo de dois
presidentes ... Nada mais exótico.