sábado, 9 de abril de 2016





A JORNADA DO VICE, AOS TRANCOS E BARRANCOS


Se existe algo que não se pode chamar de novidade na política brasileira é o papel do vice na acidentada história republicana que viveram nossos antecedentes e ainda hoje vivemos nós. Aqui, mais que em qualquer outro lugar do mundo, o vice jamais foi condenado ao papel decorativo, mero eventual. Não. Em pelo menos meio século da crônica política ele esteve presente e foi decisivo. Saiu daquela cadeira do substituto à espera do imprevisto para galgar o poder.

O vice, na hora em que o destino acena com a rampa do Planalto, convém ser discreto, deixar a linha de fogo do pesadelo das crises. Como fez Itamar em 92, como faz agora Michel Temer. Não permitir sinais de possível envolvimento com tramas e acidentes, pois quando  transparecem suspeitas ficam os ressentimentos, como se deu entre Figueiredo e seu vice Aureliano.

Discrição e comedimento. Diferentemente, por exemplo, do atabalhoado Manoel Vitorino, vice imprudente de Prudente de Morais. O presidente se licenciara para submeter-se a uma cirurgia, da qual para muitos não conseguiria sair vivo. Também acreditando nisso, tão logo se viu no cargo o baiano Manoel mudou quase todo o Ministério, reformulou condutas políticas do governo e mudou a  sede  da presidência, que estava no Itamaraty  e passou para o Catete. Prudente, horrorizado, abandonou o leito da convalescença em Petrópolis, voltou correndo para o Rio e reassumiu.

 O jornalista Hélio Fernandes, que conhece bem esses fatos, já escreveu que em matéria de vices o Brasil tem dois recordes: Carlos Luz, que esteve apenas um dia na presidência, e José Sarney, que ficou devendo à morte de Tancredo Neves os cinco anos em que esteve na presidência. Não incluímos na lista recordista as três horas em que José Maria Alkmin substituiu o presidente Castello Branco quando este foi ao Paraguai para inaugurar uma ponte entre os dois países.

O vice Sarney é um caso universal. Foi vice na presidência mais tempo que o vice americano Andrew Johnson, que havia abiscoitado 3 anos e 11 meses do mandato de Lincoln; mais que Theodoro Roosevelt, herdeiro de 3 anos e 8 meses de McKinley, e Truman, que completou quase 4 anos de Franklin Roosevelt.

No Brasil a sorte do vice republicano é muito rica, sem que dela nem o primeiro escapou. Em 1891 um golpe do marechal Deodoro da Fonseca durou apenas 20 dias, derrubado pelo vice Floriano Peixoto, que assumiu prometendo eleição, mas logo se esqueceu disso. Nilo Peçanha era o substituto de Afonso Pena, que morreu em 1909, e assumiu. Nove anos depois morre o presidente Rodrigues Alves, que já vinha enfermo da campanha. Seu vice, Delfim Moreira, não menos enfermo, com a gravidade de doença mental, passou o tempo assinando papéis que em sua maioria ignorava.

A Velha República fecha suas páginas em 1930, vem a Aliança chamada Liberal, que levaria Getúlio Vargas ao poder; mas aí a História mudou o enredo, pois o vice João Pessoa foi assassinado,  resultado de lutas pessoais, crime politicamente aproveitado pelos interesses do momento. Getúlio, pai do grande golpe que desaguou na ditador do Estado Novo, pagou o preço em 1954, suicidando-se. O vice Café Filho assumiu e adoeceu no cargo, num dos momentos mais delicados de nossa História. Substituiu-o Carlos Luz, por sua vez sucedido por Nereu Ramos, a quem coube passar a presidência a Juscelino.

A jornada dos substitutos continuou. E saltou para 1961, quando a renúncia do presidente Jânio Quadros foi buscar na China o vice João Goulart, mas sob resistência dos militares só pôde assumir pela via de um parlamentarismo híbrido. Derrubado pelo golpe de 64, vieram vices civis, sem chance de aparecer. Alkmin com Castello Branco. Pedro Aleixo com Costa e Silva, mas quando o general-presidente adoeceu e morreu o vice foi rechaçado, e em seu lugar entrou uma Junta Militar.

Redemocratizado o País, nem por isso o destino dos vices saíram de cena. Em 85, morto Tancredo, sobe Sarney. Em 92, decretado o impeachment de Fernando Collor, assume Itamar Franco.

Vale registrar na crônica desses homens pouco eventuais um detalhe singular. A vice-presidência, que antes de 1964 formava-se em chapa própria, independente do presidente, é para suceder o titular em caso de morte ou impedimento definitivo. Mas aqui na verdade ele substitui. O que resulta um caso curioso: no Brasil o vice assume, fica aqui decidindo e assinando pelo governo, enquanto o titular, em outros países, faz a mesma coisa. Damo-nos ao luxo de dois presidentes ... Nada mais exótico.




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