sexta-feira, 19 de janeiro de 2018





A que serve o voto nulo?


O desencanto de uma faixa considerável de eleitores com os políticos, que mistura no mesmo caldo a política, vítima inocente, vem permitindo a volta da campanha em favor do voto nulo. Movimento que prospera principalmente na internet e nos muros pichados nas madrugadas,  esses generosos instrumentos de divulgação que permitem tudo de todos. O nulo é velha receita de protesto, persistente, embora já tenha revelado total ineficácia em relação ao seu propósito original.

É o ato de raiva que leva o eleito a declinar de seu direito-dever, e tem como defeito fatal tirar de cena o cidadão consciente, este que, pelo menos em tese, é aquele que se aborrece com o rumo das coisas, e portanto, deixou de acreditar no poder do voto. Mas, omitindo-se, ele acaba prestando gentileza aos maus, porque estes, em nome de seus interesses, não se ausentam. Os maus e corruptos dão imenso valor a um instrumento legal para se defender. Votam. Não se omitem. Precisam aproveitar da ausência dos bons, dos probos, os que têm real interesse no bem comum, que os incomodam.

Cabe esclarecer aos raivosos e decepcionados que, com o advento da urna eletrônica, o voto nulo não serve mais para revelar descontentamentos. Anula-se o voto quando é teclado o número de um candidato inexistente. O eleitor que deseja protestar acaba sendo apenas condenado à condição de descuidado ou analfabeto que não sabe votar. Ninguém, nem a  Justiça, nem os bons e maus candidatos, nem a secção eleitoral ficam sabendo, até porque a anulação não entra no rol dos votos válidos; aliás, neste particular é o mesmo destino dos votos em branco, o que é flagrante injustiça, pois é o branco é a manifestação útil dos que não conferem confiança, naquele momento, a determinados candidatos.  

Mas não é possível  negar que a inutilização, se considerada a chamada “evolução político-social”, tem defensores ilustres e respeitáveis, como o doutor Messias Santiago, procurador da Justiça em Minas Gerais. Diz ele: “Cinco séculos são passados e não tivemos um só governo que tomasse a ombro os interesses soberanos da pátria. Voto popular: pura farsa, sendo de somenos os caracteres distintivos de cada partido“. E sentencia, em artigo de jornal: ” Contra as elites, não o voto ingênuo que a deleita, mas  o voto revolucionário, o voto nulo”.

José Saramago, o escritor português de “Ensaio sobre a Lucidez”, também advoga o voto nulo. “A lógica do voto válido é a própria lógica da esmola. Assim como a esmola alimenta a miséria, o voto dá vida e perpetua o inócuo sistema político”.




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