terça-feira, 26 de janeiro de 2021

 


(( Wilson Cid, hoje, no ”Jornal do Brasil” ))



Culpas são de muitos



Antes de tudo, por primeiro, é preciso admitir, sem qualquer tentativa de escoimar a realidade dos fatos, que o país encontra-se mergulhado, quase asfixiado, em crise de origem multifacetada, onde os responsáveis são menos ou mais responsáveis, mas todos funestamente envolvidos. Reconhecer a adversidade do momento, em toda a sua extensão, e saber que ela pode evoluir para um quadro caótico. Portanto, confessar que chegamos ao ponto de viver num país enfermo, social, politica e economicamente, seria o primeiro gesto dos poderes constituídos, se a intenção é contê-la nessa perigosa progressão a que temos assistindo. Aceitar, sem maquiagens e enganação, mas humildade, que estamos diante de um grave quadro de incertezas, como raramente temos visto nos últimos tempos.


É fácil perceber que a crise entrou pelos polos da população, tão contagiosa e virulenta, como a Covid 19, associadas nessa caminhada longa que infesta o Brasil nas suas entranhas. Como e até quando o povo terá oxigênio para suportá-la? É a pergunta que cala.


Dado esse primeiro passo, caberia aos grandes responsáveis ensaiar, como segunda obrigação, uma ampla e conjunta confissão das fragilidades que foram permitidas nas instituições; e como tentar corrigi-las, o quanto antes. Ora, se os três poderes constituídos têm sua mea-culpa para trazer ao confessionário da nação; pecados, atos e omissões a penitenciar, fica mais fácil a expiação, porque, quando todos têm pecados, capitais ou veniais, os castigos serão distribuídos ou compungidos pelo poder da verdade revelada. Ou não é assim que sempre foi?


Depois de reconhecer e confessar, viria o terceiro procedimento, decorrente dos dois anteriores. É tentar colocar a casa em ordem, certamente não tão rápido como se desejaria, tal o volume das dificuldades; mas começando por transferir para hora menos inadequada a luta em torno da sucessão presidencial. O momento, tenso e acalorado, é de todo inoportuno, porque no cenário de disputas que se processam, as questões de real interesse, como a crise que infesta a vida dos brasileiros, ficam relegadas, sufocadas sob os efeitos da política litigante. Um exemplo está na pauta do dia: a influência da luta sucessória, que toma como refém a momentosa questão da vacina contra a Covid 19. Já se tornou bastante claro que o presidente da República e o governador de São Paulo, alimentando o mesmo sonho, elegeram a política sanitária como principal instrumento de divergência para quem deseja o poder, onde não há espaço para dois.


A eleição de 2022 precipitou-se. E, tendo o presidente como um dos atores, aspirando ao segundo mandato, todo o resto tende a descambar para plano inferior, sem ressalva para a imensa paisagem de óbitos, na qual vão se condoendo 400 mil famílias enlutadas.


Ideal que, diante da realidade que assola, as articulações para a sucessão de Bolsonaro se transfiram para os primeiros meses do próximo ano, cabendo a ele, antes que qualquer outro, dar o sinal de boa vontade, não permitindo que o governo se conduza de acordo de interesses eleitorais ou eleitoreiros.


Em seguida, sem que venha após o Executivo, mas a ele ombreado e de mãos dadas, surgem as lideranças do Legislativo, para descerem do pedestal onde acham que se instalaram. Vingativas, têm produzido retaliações, em resposta à decisão de tribunal maior, onde os presidentes de suas duas casas não lograram concretizar o projeto da recondução aos cargos. Disso resulta a transformação dos gabinetes de deputados em trincheiras belicosas, disparando petardos e hostilidades, e contribuindo para o desassossego da sociedade organizada, que vai se desorganizando, sem que possa se valer de bons exemplos superiores. De fato, com escassas exceções, os que detêm o poder decisório negam exemplos de boa conduta. Visto, então, que o Congresso faria bem se evoluísse da condição de colegiado orgânico, não se conduzisse de acordo com o soprar dos ventos políticos, ou sujeitando-se a deformações da organização partidária, esta sempre complacente nas concessões circunstanciais.


Papel não menos saliente haverá de caber ao Supremo Tribunal Federal, onde, sob o manto da austeridade e do respeito, a nação sempre foi buscar abrigo e luzes nos momentos mais difíceis; tribunal que, mesmo quando subjugado nas ditaduras, foi ali que se pôde colher a esperança de direitos a serem restituídos. Pois, diferentemente dos tempos de senhores togados e circunspectos, hoje assiste-se ao deprimente espetáculo de seus ministros vaiados nas ruas e nos aviões. É urgente uma autoanálise.


Se o momento é de desencontros, de muitas dúvidas, e nelas o país se vê tropeçando, a corte, como guardiã da Constituição, prestaria bom serviço se ajudasse a remover os perigosos conflitos que medeiam nas interpretações de estado de emergência, já decretado, e do estado de defesa; e se podem acabar subservientes a más intenções golpistas, que também não faltam. O Tribunal, nos seus deveres, precisa incursionar nesse terreno, onde prosperam justificadas preocupações.


Bom se os poderes constituídos armassem três barracas na sua praça, fazendo-se dela uma réplica do Monte Tabor. E nelas Executivo, Legislativo e Judiciário pudessem promover a transfiguração de um Brasil novo. Tudo sob a égide da boa vontade e de sincero patriotismo.





quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

 



Estados pobres e desarmados


(( Wilson Cid, hoje, no “Jornal do Brasil” ))


É como se fôssemos um país que não tivesse em suas bagagens um volume de problemas emergenciais, temas momentosos e problemas de primeira ordem; se não bastassem pandemia e as desencontradas discussões sobre vacinas; como se não passasse de mera ilusão a crise econômica, com empresas se despedindo, não sem antes despedir milhares de trabalhadores, para multiplicar a multidão de desempregados. Enfim, um paraíso feliz, longe do incômodo daquelas dificuldades e prioridades, mas com direito a se dar ao luxo de passar por cima dos problemas; e até assistir à exumação da velha e sempre infecunda discussão sobre o controle federal das polícias militares, tema que está de volta, com o adjutório dos que veem, na proposta desenterrada, alguma intenção golpista do presidente da República.


Relevada qualquer discussão sobre oportunidade ou inconveniência do tema, no momento brasileiro, verdade é que os advogados da causa jamais conseguem alinhavar suficientes justificativas, capazes de fazer persistir o projeto de confiscar aos estados o controle de suas polícias, mesmo com o acréscimo de novidades exóticas, como a que, agora, quer contemplar os futuros comandantes das PMs com as dragonas do generalato, num país já suficientemente servido de generais…


Seria desnecessário grande esforço para lembrar que, nos primeiros meses do golpe de 64, ainda sob os auspícios de Castelo Branco, aventou-se a possibilidade de o governo central assumir a formação e administração das polícias, já não bastando que sejam elas, por imposição constitucional, instituições auxiliares das Forças Armadas. Pois, nem mesmo sob o bafo quente da ditadura, o projeto conseguiu convencer e prosperar. Governadores da época reagiram; e causa estranheza que, até este momento, seus sucessores de agora não tenham reagido com vigor. Provavelmente por sentirem que a unificação é como certas células dispensáveis, que só nascem para poder morrer.


O primeiro argumento objetivo a se contrappor à incorporação é a própria Carta Magna, que define a Federação. Conseguindo o que se intenta, restaria injuriado o pacto federativo, arrancando de seus entes o direito elementar e autônomo da segurança interna; portanto, a responsabilidade de criar, organizar e administrar suas próprias polícias. Outra grave contraindicação, esta no campo político, é que, subjugadas as PMs a uma organização nacional, única, seriam os governadores seus reféns, sem autoridade efetiva de escolher e destituir comandos.


No Congresso Nacional, final do ano passado, o assunto voltou ao cenário (sob a aparente ausência de coisas mais importantes a serem pautadas), graças ao substitutivo a uma propositura antiga. De bem antes, 2017, guardou-se, esquecido, o texto da PEC proposta integracionista de Rose de Freitas (MDB-ES), que, por pouco, não ressuscitava o assunto morto. Porém, mais uma vez, a questão esbarrou no vasto elenco de suspeitas de que os estados, sem o comando de suas polícias, dariam o primeiro testemunho de que a Federação viu se sacrificar e ruir um de seus fundamentos.


A proposta incorpora outro elemento que, por si só, impõe a necessidade de acuradas avaliações. Trata-se do que tem sido apregoado, como de alto interesse, a elaboração das bases de uma ampla padronização das forças de segurança urbana, isto é, um modelo nacional a ser adotado por todas as polícias. Algo tão visionário, como rigorosamente desajustado para um país territorialmente imenso, costurado por regionalismos que se caracterizam por discrepâncias. Querem os idealizadores, para citar apenas um exemplo, que PMs de Alagoas e Santa Catarina obedeçam a um padrão comum, quando, a bem da verdade, vivem realidades e situações diversas. Ou, ainda, sonha-se com o alinhar, na mesma estrutura organizacional, o policiamento urbano e as forças que atuam em fronteiras.



Como se disse, estando à tona o assunto que incomoda, não faltaram vozes que o ligaram a interesse suspeito do presidente Bolsonaro, desejoso de instalar cordéis para comandar todas as armas. Se não andam a tanto seus delírios, faria bem em desautorizar, energicamente, a incorporação, que fere direito legítimo dos entes federados. Ou, pelo menos, que ele descole seu nome da trama.



terça-feira, 12 de janeiro de 2021

 


O que temos a ver?



(( Wilson Cid, hoje no “Jornal do Brasil”))



O fim melancólico da passagem de Donald Trump pela presidência do país mais influente do mundo sugere exame mais aprofundado dessa personalidade, na qual incidem, segundo especialistas, certos aspectos psicóticos, que, aprofundados, sempre levaram o portador a estimar o gosto por polêmicas improdutivas. No caso, cabe observar que polemizar, só com intuito da provocação, não é, nunca foi, sinônimo de dialogar. Agora, a maioria dos estadunidenses preferiu apeá-lo do segundo mandato, algo difícil de se obter, porque lá a reeleição do presidente, quase imperativo de conveniências, só não acontece se for antecedida de muita incompetência ou, não menos grave, como produto de rigoroso descuido no trato da política.


Trump preferiu governar sentado num misto de arrogância e provocação. Não faltaram exemplos de tal disposição. O famoso muro com que pretendeu afastar os incômodos da imigração mexicana foi bom exemplo dessa conduta, à qual ele haveria de somar, quase ao mesmo tempo, humilhantes restrições a imigrantes árabes, prévia e indistintamente sob suspeição de encher malas de terrorismo. Satisfez-se com a polêmica, naturalmente provocada em todo o mundo. As repercussões foram notadas, mas de somenos para quem gosta de provocar, algo que ele haveria de confirmar, mais uma vez, quando foi à Coreia arrancar do ostracismo e engajar na comunidade internacional Kim Jong Un, o exótico administrador da mais fechada ditadura do planeta.


Na última semana, o republicano encerrou sua gestão provocando correligionários descontentes com o resultado da eleição, instigando-os à invasão do Capitólio, insanidade que acabou resultando em mortes e destruição. Horas atrás, para não se retira sem espargir poderoso estoque de bílis, prometeu não transferir o poder a Joe Biden, no dia 20, numa hostilidade pessoal ao sucessor. Em supremo gesto de irascibilidade, se fará ausente, representado pelo vice.


Atitude dessa natureza acaba causando mal-estar e constrangimento a quem, por dever de ofício, estiver na solenidade. No Brasil, apesar de tantas radicalizações políticas, parece que, felizmente, isso só aconteceu duas vezes: em 1965, o governador Lacerda não transmitiu o cargo a Negrão de Lima, adversário que o sucedia; e, vinte anos depois, o presidente Figueiredo saiu pela porta do fundo, para não passar a faixa a José Sarney.


Mas, com razão, há que se perguntar o que temos, os brasileiros, a ver com as rabugices de Washington? Temos sim, particularmente nós, vizinhos do Sul, porque o presidente daqui nunca escondeu a admiração pelo colega americano e estima imitá-lo com desenvoltura. Consome todas as oportunidades para exaltar virtudes que vê no seu protótipo da cabeceira de cama. Admiração e afeto.

Bolsonaro – quem seria capaz de negar ? - aprecia, igualmente, a abordagem de temas polêmicos, e, se chamado a explicar-se de incursões mal sucedidas, tem sempre ao alcance, no bolso mais próximo, a mídia, culpada de todos os males. Como Trump. E, também como o herói importado, diverge, tanto no essencial como nas questiúnculas, com ministros e colaboradores próximos.


Com seu jeitão de ser, agressivo e autossuficiente, mesmo vendo milhares de concidadãos caindo mortos ao seu redor, o hóspede da Casa Branca viu o projeto do segundo mandato afundar nas águas do rio Potomac. As águas de Bolsonaro estão no Paranoá, e devia aproveitá-las, espelhando-se para avaliar se tem adotado o modelo ideal para alguém que vai postular mais quatro anos de permanência no Palácio do Planalto. Trump pretendeu e naufragou.


No embalo esperançoso dos bolsonaristas, preocupados com semelhanças no circuito Brasília -Washington, e com um possível idêntico desfecho, argumenta-se que o tempo, se é curto para adotar outros padrões, não deixa de ser suficiente para o presidente, ao menos, se descolar da escola do colega americano, que já vai saindo pela cozinha.


Penso que Bolsonaro daria prova de boa vontade, desde logo, relegando outro mau exemplo importado, e preservar a Justiça, de quem o americano se queixa de permitir gigantesca fraude eleitoral, e, por isso, o derrotou. Bem faria se também abandonasse a imitação, bastando desistir de propor ao Congresso a adoção de cédula impressa para a eleição de 2022. A sugestão inspira um retrocesso, depois da bem sucedida experiência que tivemos com o voto eletrônico.


O processo eleitoral na Confederação americana, mesmo que possa incorporar alguma suspeita, difere, sensivelmente, do modelo que se adota no Brasil, a começar pelo fato de que aqui o eleitor não se serve de correios pela levar o voto, nem desfruta do direito de manifestar preferência por um candidato, dias antes da data oficial de votação; além de outras complexidades. Os desvios e as suspeitas que Bolsonaro vê nos Estados Unidos, solidário a Trump, são possibilidade inexistente aqui.


Se desistir do que prometeu submeter ao Legislativo, terá dado um passo para se libertar de ideias e atitudes de alguém que adotou como ídolo; o atrapalhado professor que procurou seguir e ouvir. É a chance de se descolar de um modelo que quase todos os estadistas repudiam.


Ensinava o velho coronel Heliodoro, dono de votos do sertão do vale paraibano, que, também na política, leva-se o falecido até a cova, mas não se entra nela. Bolsonaro deve entender que Trump, num enterro de segunda classe, é página virada, para o povo dele e para o mundo.


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JOGO COM A COVID



1 – Esta é semana decisiva para a cidade enfrentar a pandemia; e a população precisa estar atenta. Nos setores não oficiais da política sanitária a expectativa é que o quadro dos infectados se agrave, a partir de quarta-feira, por conta de consequências das festas de fim de ano, que certamente favoreceram o contágio.


2 – O ápice da nova onda, começando agora, pode se estender por mais uma semana. O que levaria a uma outra preocupação: o esgotamento da capacidade da rede hospitalar. Fala-se no aproveitamento do Hospital João Penido, mas essa unidade, que presta atendimento regional, talvez não possa disponibilizar mais que dez leitos. E o SUS, como ficaria?


3 – Dois pesos, duas medidas. Alguns médicos, que semanas atrás criticavam o prefeito Almas, a quem reclamavam medidas mais rigorosas e menos flexibilização junto ao comércio, agora acham conveniente a prefeita que o sucedeu ser mais tolerante com o funcionamento das lojas.


4 - Uma advertência ainda não suficientemente considerada: proporcionalmente, Juiz de Fora detém um dos maiores índices de infecção.


5 – Duas advertências oportunas também vêm da prefeitura: a) se a Covid persistir e se intensificar, nada impedirá a revisão das flexibilizações recém-anunciadas; b) a fiscalização será rigorosa para punir os que infringirem o protocolo acertado em plenário.


6 – O que ainda não se informou é se o setor de fiscalização da prefeitura está estruturado para cumprir a tarefa. E o apoio operacional da PM pode levar o problema para o campo policial.



terça-feira, 5 de janeiro de 2021

 



Maia, o alquimista


(( Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))


Certamente mais importante que as questões administrativas da Câmara dos Deputados, a eleição de seu presidente parece chegar tingida das cores de um vestibular para a sucessão de Bolsonaro em 2022. Há quem considere cedo demais dar trato ao assunto, mas não para quem está no centro do poder, com ele convive e dele não pretende se afastar. Nesse caso, não há tempo a perder, e é chegada a hora apropriada para lançar as primeiras pedras de um tabuleiro complexo, onde o primeiro desafio está na capacidade dos jogadores de juntar e somar.


Há evidências, de fato, que a eleição do dia 1º de fevereiro tem a ver com o cenário que adeptos e adversários de Bolsonaro pretendem montar para o próximo ano eleitoral. Pois o primeiro desses sinais parte de algo que, pelo menos nestes dias que correm, é consensual: o atual presidente é candidato consagrado dos grupos e partidos de inspiração direitista; e não se sente que novos fatos possam removê-lo dessa preferência, mesmo que prosperem suas derrapagens, muitas vezes imprevisíveis. Para consolidar a conclusão a que se chegou, já admitida por vários analistas, ele vem conseguindo manter-se entre 35 e 37% dos apoiadores, fiéis desinteressados em tropeços palacianos. Não abalado esse percentual favorável, Bolsonaro terá assegurado vaga no segundo turno, e com ela disputar novo mandato.


A repetição, nas pesquisas, daquela cota de apoio não deixa de ser um dado sensível a compor o painel eleitoral no desenrolar deste mal iniciado 2021. Sem embargo do risco de as preocupações políticas cederem, de vez, espaço e prioridade à pandemia, que, ainda recentemente, já havia contrariado a eleição de novembro, com um enorme rastro de abstencionismo. Portanto, infelicidade que pode se repetir, e ganhar

novos piques de agravamento, graças à irresponsabilidade suicida dos que insistem em desafiar o vírus e a morte.


Como, então, apor resistência ao projeto de mais quatro anos para a direita que hoje se hospeda no Planalto? O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a quem o Supremo Tribunal confiscou a intenção de reeleger-se para o cargo, percebe, certamente, que o plano de Bolsonaro está consolidado no seio das forças que atualmente o garantem, a começar pelos militares, embora não sejam eles os únicos. Arrisco afirmar que o deputado sentiu, faz algum tempo, que a esquerda não cuidou, suficientemente, para tornar-se, sozinha, uma alternativa para o poder central, porque preferiu persistir em manter-se refém da desgastada figura de um Lula cercado de muitas suspeitas, sendo elas procedentes ou não.


O Partido dos Trabalhadores tem história que o autoriza a um projeto presidencial solo, mas não agora, em momemto de declínio e comprometido com dificuldades. Foi o que animou expectativas de um amplo espaço estar aberto, no próximo ano, a uma proposta de centro-esquerda, onde Maia, no estrelar de muitos ovos, poderia ser, ele próprio, solução para a cabeça de chapa. Um plano de envergadura, desde que consiga remover antigas diferenças entre esquerdistas e direitistas descontentes, agregá-los, conjunturalmente, por serem coincidentes suas rusgas e antipatias em relação ao governo.


Seria como pinçar o que há de aproveitável nos extremos, para colocá-los num mesmo saco, mesmo que enorme o peso de divergentes, ocasionalmente aliados. A fórmula não é nova, várias vezes lembrada. Algo semelhante já propusera, aqui mesmo neste Rio de Janeiro, nos anos 50, Amaral Peixoto, para inflar o seu velho PSD. Repeti-la hoje, como preconiza o conterrâneo do almirante, só acresce o fato de o PT e Centrão viverem como certos elementos da natureza, imiscíveis. Nunca se misturam, ainda que para temperar propósitos passageiros.


Assim, com alguma dose de boa vontade, a esperada disputa entre Baleia Rossi e Arthur Lira pela cadeira presidencial da Câmara, se for mantida, cambaleante nos colos de breves tolerâncias, não será mais que um teste; um ensaio, no qual as melhores expectativas ficariam com o Centro, agora posto na estrada com o apoio dos petistas. Por que um balanço mais favorável ao Centro? Porque ele aprendeu habilidades que o levam a não se afastar do poder. O governo é sempre formado de gente muito boa, ensina o código centrista de esperteza…


O deputado Maia, nadando contra gentes contrárias, começou a construir, e ainda não terminou, um delicado acordo, costurando rupturas, soldando desarmonias, cimentando rachaduras. É custoso, como cozinhar com ingredientes de sabores tão diversos, misturando azougue e azeite. Tem que ser paciente alquimista. Mas para ele vale tentar, porque já perdeu o ideal da reeleição. O que vier agora fica na conta do haver.