terça-feira, 31 de dezembro de 2024

 


Horror à transparência

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Quase inevitável, nesta hora de passagem de ano, a política, tal como as pessoas, deixar-se dominar por alguma esperança em dias mais suaves, menos conflituosos. Natural que seja assim, por mais que as aparências possam insinuar o contrário. Com a chegada do novo ano, algo melhor ou menos pior. Num passado que já vai distante, Otto Lara Resende escreveu neste jornal que esse sentimento é como um véu oculto; estranho sentimento que ”morde em silêncio o coração distraído”. Outros lembrarão o notável escritor para dizer, entre nós, que qualquer expectativa otimista será bem aceita, até porque, se afogado no pessimismo, aí é que o Brasil não vai mesmo pra frente. Tomara.

Nesta quadra da vida brasileira faz bem desejar e esperar o bem, sem, contudo, descuidar que, para tanto, são necessários ingentes esforços, começando por reconhecer que vão amanhecer dias de inevitáveis desafios. Devemos estar prontos para enfrentá-los, já que o destino tem empurrado o país para grandes definições, sobretudo corajosas. Não podemos continuar contornando obstáculos, passando à margem dos desafios, como se os trovões e relâmpagos não fossem para os nossos céus.

Sobre as febres que hoje atormentam, para citar apenas uma entre as que vão levando a temperatura insuportável, figuram as famosas emendas parlamentares, não apenas pelo escândalo de jogarem livremente com bilhões de reais dos cofres públicos, mas porque estão condenadas ao financiamento de muitos projetos suspeitos; suspeição, sim, pelos próprios deputados confessada, quando resistem a demonstrar, com clareza, a finalidade do dinheiro, sua aplicação, as obras e serviços para os quais foram votadas. Um poder constituído, se legitimamente representa o interesse geral, não pode sentir-se desprestigiado ou ofendido em sua autonomia pelo fato de estar sendo cobrado a dar explicações quanto ao pouso final de uma fábula de dinheiro que não lhe pertence. A primeira virtude de legisladores e governantes é a transparência.

A recente novela dos desencontros da Câmara dos Deputados com o ministro Flávio Dino, reagindo a uma cobrança do Supremo Tribunal, trouxe, no enredo, explicações tortuosas, com evidentes sinais de escamoteamento, e, ao mesmo tempo, escancara uma verdade absoluta: as emendas parlamentares, que no Brasil gozam de poder distributivo jamais visto em qualquer parte do mundo, precisam passar por uma reavaliação profunda; moralizadora, sobretudo.

Afora esse grave defeito, preocupa saber que os mais recentes embates sobre o caminho das emendas, sem transparência e sem preservar o dever da rastreabilidade, aprofundaram o risco de se tornarem pivô de grave cisão entre os poderes Legislativo e Judiciário. Nas relações os desentendimentos vão se acumulando. Já por razões outras, antes do recente episódio, ministros e deputados vinham alimentando divergências. Não faria bem às instituições se a convivência entre os poderes evoluísse para animosidades ainda mais sérias.

Na semana passada, neste mesmo espaço, falou-se dos temores em relação à carga dos problemas que aguardam o bornal de Lula, no ano que começa amanhã, aos quais junta-se, agora, por iniciativa do presidente da Câmara, a denúncia de sua corresponsabilidade no trato e na condução das emendas, ônus que também pretende dividir com a Procuradoria Geral da República, sem que faltem estilhaços e respingos sobre o Senado, até agora poupado. O deputado Artur Lira saiu atirando, decidido a não ser o único baleado nessa novela.

Isto posto, não seria demais propor ao presidente Lula que também se esforce para a construção de um clima de harmonia, começando por discutir com o Congresso Nacional um novo modelo de emendas parlamentares em 2025. O que faria bem, em primeiro lugar, ao próprio Executivo, porque é ali que estão os ralos por onde escorrem os 50 bilhões tão aguardados pelos deputados para as festas de fim de ano.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

 

Esses tempos difíceis

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

O apagar das luzes de um ano que se fecha sob o clima de justificadas apreensões, sinaliza, por isso mesmo, que o seguinte, o 2025, vai chegar com a promessa de desafios ainda mais pesados para o presidente Lula, independentemente de suas declarações otimistas, que, muitas vezes, perturbam a realidade dos fatos. Já o dezembro no fim do tempo mostrou que ele e, por extensão, o governo inteiro esbarram em questões importantes. Quase todas na dependência da capacidade de encarar tempestades.

Já durante breve internação hospitalar, ele não escapou de alguns testes, como a disparada do dólar e a sensível desidratação de um conjunto de medidas destinadas a conter custos. Certamente sabe que fica faltando ao governo a intenção de cortar na própria carne, e responder a velhas indagações de economia interna: o que fazer com tantos e caros ministérios?, como enxugar os cartões de crédito que transitam pelos gabinetes?, e o jeito de eliminar benefícios e viagens excessivamente dispendiosos? Falta, portanto, o imediato dever de casa, não sem grandes sacrifícios – sabe-se -, porque logo vão chegar as volumosas contas do ano pré-eleitoral. Na temporada de caça aos votos é inevitável a elasticidade das verbas.

A carga fiscal entra no novo exercício com expectativas acumuladas. E, já agora, o discurso oficial não tem como repetir a arenga de que o Banco Central, suspeito de ser manobrado pelo bolsonarismo, é culpado único pelos pecados e mazelas. Os novos dirigentes da instituição foram indicados pelo presidente Lula, e deixam claro que os juros sobem, e subirão sempre que recomendar a política anti-inflacionária. O BC não abre mão da autonomia, suas decisões serão técnicas, imunes a maiores interferências político-partidárias, goste ou não goste o Palácio do Planalto.

Esse é um problema. Outro, do qual se pode esperar agravamento, por causa da prática sistêmica nos momentos de apertos políticos, é a consolidação do modelo praticado nas relações com o Congresso Nacional, onde transita, com vigor, a moeda-emenda parlamentar, usada para garantir votos em plenário. Nos últimos dias, ela esteve em alta e cotações semelhantes ao dólar especulado… Na verdade, criou-se a rotina de dar e receber; e nisso viciam-se os que vendem e os que compram. Para 2025, nada sugere que seja diferente, mesmo que venha algum suave avanço moralizador, como a rastreabilidade do roteiro das verbas indicadas por deputados e senadores. Vamos assistir à repetição da prática, por mais que isso seja indesejável.

Avizinhando-se o ano eleitoral, quando Lula desejará lançar sua própria sorte nas urnas, para si ou para quem indicar, os apetites serão renovados. Porque os embates eleitorais, não é novidade, em muitos casos prosperam até com despudor, e nessa hora o presidente tem de gozar de boa saúde, porque interesses em conflito, se não sangram, asfixiam. No caso dele, como premissa, tem de começar ajustando o caminho das alianças de esquerda na Câmara, onde conta com insuficientes 130 votos fiéis, obrigando a articulação palaciana a pedir constantes socorros a adversários. A base do governo expõe fragilidades, e chega ao novo ano arranhada. O PT, principal partido governista, mostra-se publicamente hostil à política econômica, condenada por se desviar dos objetivos partidários. Surpreendido com a companheirada no mau humor, em 2024 Lula limitou-se a paternais apelos à unidade partidária, o que não foi bastante.

A direita também padece de inseguranças, mas goza da vantagem de não ser cobrada, porque não é dona do poder em Brasília.

Com desdobramento inevitável para os próximos meses, há que se contabilizar a relação pouco produtiva do governo central com os governadores, a começa pela derrota que impuseram ao projeto nacional da segurança pública, rico em detalhes, preparado pelo ministro Lewandowiski. Com isso, desceu mais um degrau na escada do desprestígio o nosso pobre federalismo. Não bastasse, recentemente os estados reagiram à volta do imposto para danos pessoais causados por veículos em vias terrestres. O projeto, com todos os sinais da influência dos palácios estaduais, sofreu humilhante derrota na Câmara. Nos principais estados, o prestígio do presidente deixa a desejar. Outro desafio a enfrentar.

Pois bem, não bastasse ter de andar por caminhos sinuosos, por ele mesmo criados, o governo brasileiro tem, pela frente, a difícil convivência com o Donald Trump, novo presidente dos Estados Unidos. Lula não gosta dele, mas não poderia reclamar falta de reciprocidade.


(Consta que, diante do acúmulo de problemas, desafios e atropelos a primeira-dama Janja promoveu sessão de candomblé no palácio presidencial, para que os orixás deem jeito no Brasil. Em junho, por alguma dificuldade com o dólar, recorreu a eles, e, piedosamente, teve sucesso. Agora o peso das dificuldades é muito maior. Mas nada que assuste. O ministério tem índios, para chamar os pajés, e evangélicos do missionário RR Soares e do apóstolo Valdomiro, capazes de milagres por atacado e a varejo).

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

 


Os diferentes Brasis

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Exatos noventa anos da morte, no Rio de Janeiro, do ministro Pandiá Calógeras ( 1870-1934) talvez devessem ser exumadas, para uma reflexão atualizada, as anotações que deixou sobre as experiências vividas em sua movimentada carreira política. Entre êxitos e derrotas, sobressaiu-se a convicção de que temos dois Brasis. Como lei fundamental, um certo paralelismo entre o que é legal e o factual. Coisas totalmente diferentes, o fato e a lei, já dizia ele, nos tempos do presidente Epitácio. E concluiu, com certo ceticismo, que temos aqui um país desejável; e outro, o Brasil real.

Os dias que correm não parecem muito diferentes daquele antigo país dos começos do século passado, quando, em caso único, ele foi ministro civil no Ministério da Guerra, Há, hoje, coisas que acontecem com assombro. O irreal, não raro, impondo-se; coisas inexplicáveis em si mesmas ou pela maluquice dos que tentam, em vão, explicá-las. Parem o Brasil, que eu quero descer, bradou o cancioneiro popular. Vivesse hoje, Pandiá talvez pedisse o mesmo.

( Esquisitices não faltam. Como o caso do tribunal de Justiça definindo arma de criminoso como instrumento de trabalho; deputados protestando, por terem de mostrar onde aplicam o dinheiro de suas emendas secretas; mulheres de governadores premiadas, compulsoriamente, com cadeiras nos tribunais de contas; STF passando por cima da lei e da decência, para perdoar dívidas monumentais reclamadas pela União; criminosos ferrenhos e reincidentes rapidamente liberados nas benevolentes audiências de custódia; cartões de crédito palacianos garantidos pelo esconderijo; traficantes e milicianos pagando contas familiares de policiais).

Avulta e assusta, igualmente gravíssima, a denúncia de tentativa de golpe abortada, com quatro dezenas de pessoas supostamente envolvidas, alguns militares a quem o governo havia confiado, há poucos dias, a segurança pessoal de estadistas visitantes. Mas o que se tem prometido é que uma apuração conclusiva dos fatos vai ficar para fevereiro… Ora, se as instituições andaram ou andam tão próximo do abalo, coisa seriíssima, por que tanta demora para se dar a explicação definitiva? E como aceitar a agressão à ordem jurídica em que um único ministro, suposta vítima de atentado fatal, ele mesmo diligencia, apura, acusa e antecipa condenação. No Tribunal maior, só o ministro Alexandre fala e age, como se o assunto fosse totalmente desimportante para os demais.

Ao caso, de tão grave, cabe celeridade, porque manter um quadro de grandes dúvidas e responsabilidade difusas, seria acender labaredas em ano pré-eleitoral, o que nada teria de inovador. Pandiá sabia disso.


2 – Numa excitação comum em fim de ano, agentes financeiros criaram a ciranda de especulações em torno dos desdobramentos e consequências políticas da internação hospitalar do presidente da República, e apregoaram, apenas com base em um sangramento na cabeça do paciente, que a economia balança perigosa, vítima do dólar especulativo. Houve recordes em bolsas. Se muitos perderam, outros ganharam, como se vê em qualquer clima de instabilidade. E o real, por lealdade ao presidente, também se enfiou na UTI do Sírio e Libanês, de onde, afinal, ambos saíram, a moeda e o presidente, sem maiores sequelas, e sem que a economia fosse pior do que já estava.

O que o mercado tem de considerar é que não pode ser espécie de maria vai com as outras, acessível a boatos e instabilidades artificiais. Faz bem à economia é preocupar-se com enfermidades mais sérias, não quedas acidentais, dessas que fazem galo na cabeça…

Algo a reclamar contribuição séria dos especialistas da área é nossa persistente dificuldade em melhorar as condições da população desempregada ou subempregada. Imensa multidão alijada do mercado; milhões expulsos do consumo de utilidades e serviços mínimos. Dessa crueldade, sim, deviam cuidar os administradores de dólares oportunistas, que, robustos ou raquíticos, sobem e descem, de carona nos boletins médicos sobre a saúde do presidente.

(De outro lado, na mesma linha de preocupações, é preciso olhar a quem as pesquisas do mercado financeiro querem servir. Muitas vezes, confundidas com boatos em momentos de tensão, vestem-se de biquini: mostram muito, mas não o essencial).

Para reclamar cuidados no tratamento com os números, figuram os recentes demonstrativos sobre a queda do índice de desemprego, que teria chegado a 7,3 milhões, um festejado recorde. Mas o generoso IBGE não conta, não nos diz que 37 milhões de brasileiros vivem debaixo do socorro do Bolsa Família, são desempregados acomodados, o que é uma humilhação para quem doa e quem recebe. Bolsa Família é o endereço desses que também estão sem ocupação. O governo não é empregador, nada mais que um prestador de socorro emergencial.

Estatísticas e especulação com moedas precisam se livrar de números falaciosos e servis, mas revelar as realidades da economia e do mercado.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

 



Se a dama influi

((Wilson Cid, hoje, no "JornaL do Brasil" ))

Correm soltas, em Brasília, especulações sobre próxima reforma ministerial, da qual o presidente não terá como desvencilhar-se, porque já bate à porta a temporada de ano pré-eleitoral, e certos ajustes no time titular são quase uma imposição. Nada de excepcional nisso, pois qualquer governo, se é chegada essa hora, tem mesmo de reorganizar suas bases; o que importa, igualmente, na remoção dos entraves que desgastam e prejudicam a imagem, quando deviam dar brilho. Mas, desta vez, ao lado de várias expectativas, há um movimento, entre setores partidários que podem ser convidados a compor, para que se limite o discutido poder de influir e decidir, que tem sido atribuído à primeira-dama. Esse temor seria herança de ministros de hoje e agentes do segundo e terceiro escalões. Vivem achando que as interferências de dona Janja vão além do razoável. Há queixas. Previamente escaldados, os que vão chegar ou permanecer no primeiro escalão querem evitar que essa influência se cristalize, quando vier a anunciada reforma, inevitavelmente de orientação política.

A começa, considere-se que tais influências não se fazem nem prosperam por si sós. Se ela manda ou desmanda, é porque goza, acolitada, das boas graças do marido. Tem dele bênção e respaldo. Talvez, por isso, a responsabilidade seja mais dele; menos dela, que, por temperamento notório, alegremente impulsivo, vai ocupando espaços sem esbarrar em reservas. Nem sempre é possível contestá-la, quando são coisas mínimas. Por exemplo, ao interpelar o ministro da Agricultura, querendo medidas concretas para conter a exportação criminosa de exemplares da fauna do cerrado e da amazônia. Não apenas ela, mas qualquer cidadão deseja isso. O erro está é no endereçamento da sugestão, porque há outros órgãos competentes para isso.

No aconchego do casal, em noites de privacidade, as conversas sempre prosperam, qualquer primeira-dama tem ideias e sugestões para o marido. É difícil admitir que tome iniciativas que sejam flagrantemente contrárias ao que ele pensa. Mesmo da improbidade dos cartões de crédito o presidente fica sabendo, antes de madame ir ao shopping. Portanto, se constrangimento há, que sejam logo cobrados do presidente, que, até agora, não deu sinais de se incomodar com os descontentes.
Mulheres de estilo diferente outras houve. Reservadas, empenhadas em evitar dissabores políticos, procuraram, com discrição, limitar suas ações ao campo social, mesmo quando o marido era ditador, sem ter de dar maiores satisfações, como dona Darcy Vargas. Dona Sara, dona Ruth, dona Michelle tiveram o mesmo cuidado. Contribuíram com o governo, mas sob limites. E não é pouco o que qualquer uma pode fazer nessa área, num país de miséria persistente, sempre desafiando as estatísticas oficiais.

Normalmente foi o que se viu. Há um caso excepcional de mando feminino, quando, em 1946, a primeira-dama avançou vigorosamente nas decisões do governo. Carmela Leite Dutra, dona Santinha, mulher do manso presidente Eurico Dutra, ela mesma invocou princípios e tradições religiosas do Brasil, para determinar o banimento dos jogos de azar e o fechamento de todos os cassinos de estâncias e pontos turísticos. Poderosa, porque ainda prevalece sua decisão, oito décadas depois.

( Tobías Monteiro, em “História do Império – Primeiro Reinado”, narrando influências femininas em palácio, reserva um capítulo sombrio nas incursões de dona Domitila de Castro e Melo, futura Marquesa de Santos, a irrequieta namorada da Pedro I. Interferia demais, confundia alcova e mesa, prazer com poder, mando com desmando, pudor com despudor. Levou o imperador ao desprestígio e insanáveis dificuldades. Felizmente, tanto assim, nesse nível, a História não se repetiu).

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

 


Nós e o trumpismo

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")) 

Cresce a expectativa, mundo afora, em torno do que pode mudar na vida de cada país com a ascensão de Donald Trump ao comando da presidência dos Estados Unidos; em suma, o que efetivamente ele conseguirá fazer, entre as muitas inovações prometidas, algumas delas de complexa execução, como a devolução dos imigrantes ilegais aos seus países de origem. Quanto às repercussões internacionais, certamente o Brasil não é diferente no campo das curiosidades, talvez com um detalhe a mais, se os projetos trampistas levarem a sério alguns assessores, desejosos de ver alinhado, para efeito de conduta do Departamento de Estado, o tripé formado pelo Brasil, Cuba e Venezuela, considerando-se que constituem governos claramente esquerdistas, em vigoroso contraste com o que pensa e deseja o novo presidente. O esforço para alinhar o tratamento adversário talvez não produza todos os efeitos por Washington desejados, porque, melhor avaliadas as diferenças, o Brasil tem maior capacidade para comprar e vender; e, no frigir dos ovos, a balança comercial tem peso especial. Sobretudo, se se considerar que aos venezuelanos e cubanos, os outros dois pés, vêm sendo ministrado o remédio amargo das sanções econômicas.

Claro, tudo ainda navega no vasto mar das hipóteses, porque ninguém sabe exatamente o plano de prioridades do presidente Trump nas relações externas, e sua capacidade de enfrentar resistências nessa área. Nem mesmo as multidões que acabam de consagrá-lo nas urnas podem avaliar, com segurança, como ele haverá de enfrentar o mundo, além de suas fronteiras.

Objetivamente, há um pormenor a sugerir que o papel brasileiro na América Latina seja tratado com alguma prioridade, não por causa de nossos belos olhos, mas, sim, porque temos grandeza e liderança natural para dialogar com os amigos russos, chineses e iranianos nos negócios comerciais e estratégicos neste lado do continente. Porque não é assunto para ser tratado apenas sob o viés de idiossincrasias ideológicas.

Não faltam sinalizações. No Brasil, ainda agora, o capital chinês, sócio privilegiado, acaba de assumir o controle de importantes reservas de nióbio, pouco depois de o presidente Xi Jinping receber, num encontro de estadistas que discutiu desafios climáticos, tratamento com distinções bem superiores ao que se destinou ao americano Joe Biden. Percebeu-se aquele cenário de gentilezas que contrariou as tradições. Mas foi um recado de quem pode ser a ponte de diálogo, superação de conflitos e comedimento nas ações.

Certamente que, para preocupar Washington, questão mais sensível, acima dos cuidados com o Brasil, é a presença do Irã nas forças armadas da Venezuela; porque o desembarque dos aiatolás no Hemisfério Sul é algo que tem tudo para incomodar. O governo brasileiro mantém boas graças com Teerã, e isso tanto pode nos fazer bem, como nos fazer mal. Vai depender os humores de Trump e das competências do governo Lula.

Estranho que tais expectativas, acompanhadas de alguma insegurança nas relações, ainda não
tenham mexido com os ânimos do Congresso Nacional para acender o assunto, mesmo se estamos em véspera de importantes mudanças na vida do continente. O Brasil é peça a considerar nos desdobramentos que se seguirão à posse de Trump, por maiores ou menores que sejam eles. Para citar apenas uma das muitas razões com tudo para coçar o interesse parlamentar, num cipoal de tantas dúvidas, figura a possibilidade de o Departamento de Estado deslocar para a Argentina o eixo regional dos grandes negócios e influências, e na condução do diálogo latino-americano, que ainda privilegia o Brasil. Seria perigoso menosprezar o trabalho que o presidente Millei já vem construindo com tal objetivo.


terça-feira, 26 de novembro de 2024

 



O espaço feminino

(Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ) 

Mexer na Constituição tornou-se esporte excitante, embora nem sempre aconselhável, se coincidente com os momentos de maiores dificuldades do país. Como se provocar debates mais acalorados em torno da Carta fundamental ajudasse a amenizar os problemas do dia a dia. Vem em socorro desse contraste o projeto de revisão do modelo 6x1 nas jornadas de trabalho. E, quase ao mesmo tempo, a tentativa da ministra Aparecida Gonçalves de forçar maiores espaços políticos para as mulheres. Se não há quem possa negar a importância da ampliação dos direitos da população feminina, é certo que, desta vez, as pretensões incursionaram em área mais complexa, a paridade no campo político, fixando-se cotas em que homem não possam pisar. Nas chapas eleitorais elas já têm reserva de 30%, mas é conquista tida como insuficiente.

( Parece que a intuição feminina, na sua capacidade de sentir o que nem sempre se vê, indica não ser o Legislativo o melhor caminho para a mulher se impor. Daí o seu desinteresse. Se assentar em muitas cadeiras de senadores e deputados removesse os desafios, os homens já os teriam resolvido amplamente, pois sempre foram maioria acachapante de todas as assembleias).

Mas a ideia da paridade pode complicar um pouco mais nossa sovada Carta Magna, porque significa dividir cadeiras legislativas em condições e números iguais entre homens e mulheres. A dificuldade está em que tal proposta altera, na essência, o sentido primeiro da representatividade, que se faz pela via do voto democrático, qualquer que seja o gênero de sua origem. Não se pode interpretar de outra maneira: as vagas naquelas casas são preenchidas em nome da cidadania, do manifesto coletivo do eleitorado, sem a preocupação de distribuição equitativa por sexo. Pelo menos, é ideal que seja assim.

Em geral, temos incorrido em equívoco ao se discutir o papel das mulheres na condução dos destinos do país, esquecendo-se de suas largas conquistas, com avanços que a distanciam, e muito, de tempos passados, quando foram meras expectadoras, contempladas com os restos de poder deixados pela população masculina. Hoje, elas estão muito presentes, não raro tomando espaços e posições tradicionalmente dominadas pelos homens. Vê-se, por exemplo, em cargos executivos ou no comando de grandes empresas e órgãos do serviço público. Observem nos grandes telejornais, onde as mulheres suplantam, visivelmente, a presença masculina, embora nem sempre profissionalmente mais qualificadas. Soube-se, recentemente, que em certas faculdades, como medicina, odontologia e comunicação, de tal forma dominam, fazendo prever que, dentro de uma década, estarão dominando seus respectivos mercados.

( Avançam até mesmo em áreas onde nunca seria admissível vê-las ombreadas com os homens. Lutam boxe na TV, dirigem tanques de guerra e sobem às favelas, armadas de escopeta, atrás de bandidos. Há casos em que, mesmo involuntariamente, destronam a habilidade masculina, como em recente olimpíada internacional, onde foram elas, não os homens, que representaram o futebol brasileiro…)

A sempre tempestiva discussão sobre a contribuição feminina no aperfeiçoamento da sociedade
não pode descuidar da realidade. As mulheres crescem e ampliam seus domínios em todos os campos, certamente ainda muito discretas nos parlamentos. A receita é a seguinte: que a política cuide de atraí-las com ideias sérias. Não bastam os acenos de cadeiras e vagas a serem ocupadas.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

 


Sangria na Esplanada

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Quem costuma acompanhar a história política percebe, com alguma facilidade, que nunca houve alguém capaz de invejar o presidente da República, quando, sobre sua mesa, a realidade nacional impõe a necessidade de cortes drásticos no orçamente da União. Quase todos viveram esse drama, porque raramente puderam escapar de enormes dificuldades de caixa, vendo as receitas sufocadas pelos gastos. Sem escapar da tradição, Lula procura exercitar o contorcionismo, pois sabe que nessa hora vai ser chamado a assumir, sozinho, a responsabilidade pela aventura de gerar conflitos entre os ministros; todos eles, alguns menos outros mais sacrificados. O fantasma do primeiro escalão desprestigiado, sem poder cumprir metas mínimas. A limitação de gastos e os contingenciamentos sempre foram um momento delicado. Não haveria de ser diferente hoje.

O primeiro incômodo para quem tem de dar a palavra final é que se instalam, em posições rigidamente opostas, as áreas econômica e política. Aquela querendo lanhar a pele dos gastadores, arrancando sangue em corpos anêmicos. Já os ministérios políticos, de outro lado, não querem saber de queixumes, porque têm obrigações sociais a cumprir; e encher os cofres é problema do doutor Haddad. Para ampliar os problemas, o partido obrigado a sustentar o governo, o PT, bate na política de contenção, e, nesse passo, despreocupado em contemporizar, atira combustível numa fogueira que vai próspera. Um constrangimento para o presidente, testando sob fogo cruzado de interesses, num ministério  constituído sob a égide de partidos que olham mais para si e menos para a estabilidade de quem os contemplou. 

Outra peculiaridade. Os cortes, cuja extensão vem sendo discutida e adiada há três semanas, são, antes de tudo, terrível dieta eleitoral, começando por afetar vários projetos de 2026. Já não se trata apenas da sucessão presidencial, mas, no mesmo ano, muitos ministros e altos funcionários, que aspiram a governos estaduais, sairão com asas podadas, enfraquecidos na capacidade de distribuir recursos do erário federal. Em alguns casos, uma sangria fatal.

As medidas que vêm sendo estudadas querem, no ponto mais alto dos objetivos alinhados, zerar o deficit, ideal longe de ser alcançado a médio prazo. O diagnóstico está exposto em planilhas tecnicamente corretas, pela via fiscal.

O que não pode ser desconsiderado, nos debates que se prolongam sobre tal matéria, é que os governantes precisam impor seriedade no consumo do suado dinheiro dos impostos; mais ainda, quando sabemos que somos um país guloso na aplicação das políticas tributárias. Em resumo, nada mais que a conscientização de todos os poderes, não apenas o Executivo, do dever comum de seriedade nos gastos; dever de todos que têm parte na administração dos bens públicos. A começa pelo presidente, a quem cabe dar exemplo, limitando o custo de suas viagens babilônias. Judiciário e Legislativo também têm vivido em regime de gorduras acumuladas,  e precisam se libertar, por exemplo, dos penduricalhos que duplicam ou triplicam vencimentos e subsídios já por si generosos. Nem podem escapar dessa cobrança os estados, em muitos casos ostensivamente perdulários. Num escândalo em grau maior, nos últimos meses os tribunais de contas tornaram-se leito de casamentos bem sucedidos, com esposas de políticos nomeadas conselheiras.

Vale desejar que a onda de cortes não se limite a reduzir despesas imediatas, mas que as moralize hoje e para sempre. Por que não?

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

 


A Pauta é Política

14 novembro 2024


SEM MEXER

As eleições deste ano confirmaram certa tendência do eleitorado da cidade em resistir a renovações, preferindo não mexer no que está posto; não mexer no time, independentemente de ele estar dando certo ou errado. Em relação aos prefeitos, desde Olavo Costa, quase todos foram reeleitos, embora nem sempre concluindo o mandato. Em 2024 não foi diferente, com a recondução da prefeita Margarida.
Quanto aos vereadores, mesmo sob a carga de muitas críticas em relação aos excessivos gastos do Legislativo, e diante de centenas de novos candidatos, alguns bons, outros nem tanto, nada menos de 15 deles foram reeleitos. Há uma explicação, entre várias. O vereador, em mandato, dispõe de um quadro de 19 assessores diretos, que são também seus cabos eleitorais. Entre outras vantagens de que dispõem na luta contra os novos.
Renovar é preciso, mas é difícil.

TEMAS INDIGESTOS

No momento em que as forças políticas abrem, claramente, o debate em torno da sucessão presidencial de 2026, há dois temas que, em relação ao governo, desagradam profundamente: os cortes nos orçamentos ministeriais, dolorosa dieta para quem pensa em reeleição, e redução da jornada de trabalho, de 44 para 36 horas semanais. Ambos abrem poderosos conflitos no debate político e acentuam divergências.

PRESIDÊNCIA

Mais algumas semanas, e os vereadores serão chamados a definir a composição da Mesa diretora da Câmara, que conduzirá os trabalhos legislativos nos dois anos seguintes. Tida como certa a reeleição de José Márcio Garotinho, estimulado pelos elogios que tem recebido sua atual gestão.
Consta que, para garantir a reeleição e evitar defasagens, foi firmado um acordo tático, com instrumento celebrado em cartório. Precisava disso?

FAZENDO ÁGUA

Na disputa eleitoral deste ano as federações partidárias deixaram algumas sequelas. Foram interesses regionais contrariados, que já impõem a necessidade de reformulações. A começar por Minas, onde o Partido de Verde acha que não conseguiu colecionar bons resultados, enquanto federado com o PT. Mas, em Juiz de Fora, o PT é que estaria disposto a reavaliar a federação, porque mais ajudou do que foi ajudado… Por exemplo, os comunistas reelegeram Cido Reis, e o PV elegeu Negro Bússola, que, por sinal, ficou com o MDB, relegando a candidata petista.

POSSE NO RIO

Ex-vereador em Juiz de Fora, hoje deputado federal, Lafayette Andrada toma posse, dia 28, no Rio, em uma cadeira do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. E pronuncia palestra sobre “causas ocultas” da dissolução da Assembleia Constituinte de 1823.

ESQUERDA x DIREITA

Pinçado do “Jornal do Brasil”, de terça-feira:
“Se não há sinais para a superação do mal que preocupava Norberto Bobbio - a dicotomia esquerda x direita - cuidemos de tratar do fenômeno, mais ainda quando pesa diretamente aos nossos costados. Temos razões e expectativas nacionais para tratar do assunto; e antes que as precipitações prejudiquem estudos sérios, é preciso começar por uma indagação essencial, sobretudo desapaixonada: nestes últimos tempos foi a direita que prosperou, aqui e no resto do mundo, ou foi a esquerda que retrocedeu e envelheceu no espaço?. Méritos são devidos àquela ou foram os esquerdistas que descuidaram da revisão de conceitos e fórmulas que impuseram o tempo e as experiências? No caso brasileiro, percebe-se que a direita joga com habilidade com os frutos que seus adversários não souberam ou não puderam colher. Deixando abertos os flancos, a esquerda, obediente a alguns de seus líderes, optou por avançar nos retrocessos. Exemplo cristalino veio, recentemente, com o posicionamento assumido pelo principal entre os partidos governistas, ao apoiar a reeleição do presidente da Venezuela, onde as urnas exalavam o violento cheiro de fraude”


HOSPITAL REGIONAL

O deputado Noraldino Jr (PSB) pede solução definitiva para o Hospital Regional, cujas obras estão paralisadas desde 2017. Começaram em 2009, inconclusas por motivos diversos: falta de recursos, erros construtivos, abandono do local, depredações da edificação incompleta. Pelo que se sabe, a responsabilidade pela obra sempre foi da prefeitura, a partir da segunda gestão do prefeito Custódio Mattos. Mas as verbas dependem do governo de Minas.

Há anos, a deputada Sheila Oliveira (PL) também se interessou, e fez alguns movimentos com uma frente parlamentar, buscando alternativas no âmbito da saúde. Não conseguiu. A Comissão de Saúde da Assembleia, com a presença do deputado estadual Betão (PT), veio à cidade para apurar as razões do atraso. .

Segundo a comissão, as obras foram paralisadas duas vezes e o hospital tem 70% da construção pronta. Representantes do governo alegam que problemas estruturais inviabilizam a retomada das obras; mas a prefeitura e o Ministério Público afirmam que perícias técnicas permitem a retomada da construção.

Agora, o principal aliado no futuro governo municipal é o PSB, do deputado Noraldino, que emplacou o vice-prefeito eleito, Marcelo Detoni, e uma bancada de três vereadores. O que acarreta maior envolvimento do parlamentar para resolução de problemas municipais junto ao governo estadual. A expectativa é de que haja sucesso nessa empreitada, pois a prefeitura promete, com a conclusão das obras, colocar o hospital em funcionamento.


EXPLOSÃO

A explosão de bomba e morte, na praça dos Poderes, em Brasília, são um ato isolado, praticado por alguém com reconhecidas deficiências mentais. Tentar construir ligação com possível complô, esquema terrorista organizado direitista, é exagero. Mas deixa exposto um fato, este perigoso e contagioso: o ódio que vem sendo construído contra o Supremo Tribunal Federal.