Brasil para principiantes
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
O Brasil não é para principiantes, como se tem dito toda vez que esbarramos com complicadas questões internas e externas. Nas últimas semanas a advertência, meio jocosa, mas com alguma verdade, voltou a provocar os analistas, às voltas com o desafio de como haveremos de sair das dificuldades em que foram precipitadas as relações com os Estados Unidos, o que tem ensejado as mais variadas opiniões, nem todas com seriedade na avaliação dos reais interesses do país. Há dias que procuro ler e ouvir tudo a respeito. O que se escreve, o que se fala sobre questão tão momentosa.
Uma opinião a mais não vai fazer diferença.
O que parece melhor identificado com aqueles interesses, os de hoje e os que virão amanhã, é o governo e seus representantes autorizados não perderem a linha do diálogo, libertar-se da provocação das paixões. Conversar. Só desistir em casos extremos, como a ofensa aos princípios da autonomia nacional, problema que ainda vagueia numa infinidade de discursos.
O primeiro campo para o diálogo prosperar é a revisão do tarifaço com que nos ameaçou o governo americano. Como estava previsto, e aqui mesmo se comentou a respeito, em véspera de vigerem os pesados 50% sobre nossos produtos, Trump fez conosco o que costuma fazer nas incursões comerciais sobre outros países. Abriu exceção para alguns produtos, ao mesmo em que concedeu uma semana a mais para negociações. Pode ser que tenha escondidas reais intenções nesses gestos, mas não se pode negar alguma abertura para conversar sobre objetivos que não são apenas nossos, mas também dos importadores compatriotas de Trump, aqueles que precisam comprar o que temos para vender. Atingido esse estágio, nada mais improdutivo e irracional que pensar em retaliações e reciprocidades negativas, que devem ser guardadas para o momento em que, ante geral decepção, o entendimento não tenha como prevalecer.
2 – Se for possível chegar-se a bom termo no item das exportações, agora ante a justificável expectativa de que a lista dos produtos não sacrificados pode se ampliar consideravelmente, e que os onerados com os 50% iniciais caiam para uns 30% ou algo semelhante, resta o aspecto político para que, em futuro próximo, se dissipe o grande imbróglio de julho. Este há de ser o tema seguinte para que os porta-vozes dos dois governos se sentem à mesa. Será a fase mais delicada, porque, entrando na questão política, a Casa Branca continuará advogando o abrandamento das pressões sobre Jair Bolsonaro. No mínimo, deseja que, sendo alvo de suspeitas quanto à ordem e às instituições, ele seja julgado em primeira instância, como cabe a um ex-presidente da República, e como reclamam os juristas. Também desejam os americanos que o destino de Bolsonaro escape de sentença a ser prolatada pelo ministro Alexandre de Moraes, já eleito como persona non grata nos Estados Unidos.
Bem, este é o ponto mais sensível a ser tratado, pois é, em si mesmo, um poderoso impasse, principalmente depois que o governo Lula encampou, publicamente, a autonomia e intangibilidade do Supremo Tribunal. Já não tem como retroceder. Mas, se não houver disposição para o Executivo negociar o abrandamento, conseguindo os bons préstimos e a condescendência do Judiciário, em nome das relações com Washington, o presidente Trump vai se sentir mais à vontade para propagar, pelos quatro cantos do mundo, onde tiver aliados, que o Brasil sucumbiu, sufocado pela ditadura da toga. O que, aliás, ele e seus colaboradores já têm feito, embora com certo comedimento.
O caminho a seguir, menos pedregoso, é devolver a autonomia da diplomacia, hoje relegada pela política de gabinete. Eis o ponto capital. Começando por eliminar discursos façanhudos, impróprios para as negociações que tenham como meio e fim os interesses maiores do Brasil. Impõe-se convocar os diplomatas, que a atual crise condenou ao silêncio. Precisamos remover o modelo de pronunciamentos superados. Em se tratando de Washington, o governo tem se revelado analógico em tempo digital...
Outra prioridade
As prioridades da segunda quinzena de julho – primeiro, a batalha entre os poderes em nome do IOF, depois a guerra do tarifaço de Trump – forçaram o adiamento de temas que vinham pautado há meses. Caíram para o depois, dependendo de como as coisas vão andar em agosto, mês que costuma não se dar bem com a política. Entre as questões a serem necessariamente cuidadas neste segundo semestre figuram os retoques reclamados pelo código eleitoral; não sem tempo, porque o que se pretender modificar ou aperfeiçoar não pode ir além da primeira semana de outubro, de forma que se dê obediência a dispositivo legal. Se desejado para as eleições de 2026, o código tem de viger com um ano de antecedência.
Em particular, há que se garantir que o voto, por ser secreto, dê ao eleitor a certeza de estar protegido contra influências em sua decisão. O que faz oportuno desestimular setores de alguns partidos, entusiasmados com o voto on-line, novidade para ser adotada proximamente. A pretensão de se dar um avanço no processo, com apoio de recurso da tecnologia, pode, na verdade, converter-se em retrocesso, grande perigo para a lisura dos pleitos seguintes. Nesse sentido, acabo de ler um estudo do desembargador Dorgal Borges de Andrada, também preocupado com a possibilidade de a votação ser feita pelo celular ou computador, longe da fiscalização dos partidos, distante da Justiça Eleitoral.
Retrocesso, adverte Andrada, porque os cuidados com a legitimação do processo eleitoral começam por ser praticado em local público, em urnas sob custódia, longe de pressões.
( No passado da República, um expediente a facilitar a corrupção era exatamente o eleitor sair de casa com os votos prontos, envelopados sob as vistas dos chefes políticos. Era o chamado “voto marmita”. Já saía pronto. O voto on-line poderia servir para reeditar o crime).