terça-feira, 9 de dezembro de 2025

 


Emendas vão ao palanque

(Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Dúvida havia sobre a intenção eleitoreira e preferencial das emendas parlamentares, a Comissão Mista do Orçamento, reunida na semana passada, fez a gentileza de removê-la, quando decidiu colocá-las a reboque e refém da Lei de Meios de 2026. Já sem a intenção de camuflar o real interesse, e com os olhos nas urnas, os parlamentares Sujeitos que elas estejam devidamente liberadas até julho; se não totalmente, 65% do total, o que significa colocar à provisão alguns bilhões de reais para alimentar os redutos, no tempo em que faltando apenas três meses para se submeterem ao eleitorado.

A evidência agride o que resta de respeito na relação dos agentes políticos com a sociedade brasileira. Porque deixa claro, mais uma vez, que o dinheiro que o Executivo vai desembolsar tem a clara intenção de satisfazer as lideranças do interior, principalmente prefeitos amigos.

O esquema é velho conhecido como nosso. Com imensas abordagens, esse dinheiro, tão logo chegam aos municípios, os prefeitos contemplados cuidam de dar início a qualquer obra urbana, na área de saúde ou serviços correlatos. Fruto da ajuda do parlamentar local, que se candidata a novo mandato. Mas, de tal forma, que o empreendimento patrocinado fique limitado aos passos iniciais. Apenas dá-se o começo à implantação do projeto. O que resta da palavra recém-chegada, que costuma ser a parte maior, tem destino certo para os interesses da campanha eleitoral, e promoções populares, como shows de música sertaneja, do agrado de platéias pouco exigentes.

E o escândalo tripartido acaba ficando por isso mesmo. O Executivo paga, o Legislativo consome, o Judiciário faz de conta que a polícia. Daí, a tragédia: a que poder correr?, se todos estão embrulhados no mesmo balaio da grande irregularidade.

Há quem sonhe com uma distância e dificuldade de interferência da Justiça, com base no fato de que as emendas se transformaram em verdadeiros cabos eleitorais, que agem fora de época, à revelação do calendário, corrompem e – não menos grave – dão aos atuais deputados e senadores condições muitíssimo elaboradas na disputa com candidatos principiantes ou carentes de recursos. Pois foi preocupado com esses prejudicados que essa mesma Justiça distribuiu regras de financiamento de campanha, e impôs ao Congresso uma legislação de limites. Poderia, ao menos, anunciar que o dinheiro das emendas violentas o princípio de mínima igualdade de oportunidades no embate dos novos candidatos contra os veteranos. E distancia-se dos custos de renovação das bancadas do Congresso, o que se obtém em níveis muito modestos.
As emendas, que começarão a consumir cerca de R$ 13 bi, têm segurança na cobertura de alguns expedientes que o próprio Congresso criou para tentar agasalhá-las com ares de seriedade. Daí a sua força, que chega ao ponto mais audacioso quando se tornam impositivas; algo semelhante a uma ditadura do Legislativo sobre o Executivo, escândalo que só não balança os alicerces da democracia porque o Brasil vem se acostumando à invasão dos poderes, os três atropelados, que se confundem quanto a deveres e atribuições.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

 

Articulação em crise

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

A história se repete. Sempre quando chega dezembro, passa a figurar entre os encargos mais desafiadores para o governante cuidar da pauta de suas prioridades para o ano seguinte. Mesmo sendo algo difícil, é preciso tentar; pensar no que consertar ou dar prosseguimento ao que se herdou do exercício que vai terminar. Uma preocupação maior para presidente e ministros que detêm áreas estratégicas na chegada da hora inevitável de definir caminhos, muito mais agora, quando se aproxima o julgamento dos resultados de um período administrativo de três anos; o governo é chamado a prestar contas, o que fez e justificar as muitas coisas adiadas. Por acréscimo, o ano chega com a exigência de novos compromissos e, por mais, o fato de avizinhar-se a temporada eleitoral, marcadamente um período de cobranças.

Se parece não haver maior divergência quanto a isso, avaliam os analistas políticos as questões essenciais, sobre as quais deve refletir o governo Lula nesta fase de transição; como encarar os desafios que o aguardam no 2026 que vai chegando, e qual a disposição para enfrentá-los. Se são muitos e diversos esses desafios, a fixação de prioridades a que referimos torna-se indispensável, valendo afirmar que isso já independe da disposição do presidente de ter ou não plano de concorrer a novo mandato.

Diria, antes de tudo, que a primeira tarefa que aguarda o governo é a reorganização dos planos de articulação com as bases políticas que o sustentam, dentro e fora do Congresso. Ressente-se de melhores resultados nesse campo, mostra-se desguarnecido, o que atestam tropeços recentes, como a desastrosa derrubada de vetos no licenciamento ambiental, a mutilada PEC da segurança pública e a evidente má vontade do Senado na sabatina do candidato presidencial para a vaga aberta no Supremo Tribunal. Fatos que se somam a outros, para aprofundar a fase crítica entre os poderes Legislativo e Executivo.

As dificuldades têm origem no modelo geralmente adotado para as relações institucionais e partidárias entre presidente, senadores e deputados. Quando chegam os momentos de conflito tem faltado aos encarregados do diálogo maior competência para superar dificuldades, sobram impaciências e pressa nas retaliações. O que se tem visto são interlocutores temperamentais, o que, para o exercício da política, é remédio totalmente inadequado.

( Às queixas e críticas quanto à pobreza das articulações cabe uma ressalva, que, por justiça, vem em favor do PT. O governo lhe deve gratidão, pois o partido sabe como calar os sindicatos de trabalhadores e servidores, abafa greves, desestimula paralisações, o que tem sido um bálsamo para Lula. Com os problemas que temos hoje, fossem presidentes Collor, Fernando Henrique e Temer, as barricadas e piquetes estariam nas ruas. Entende-se: no tempo de outros governos o PT estimulou o espírito grevista, e aprendeu como anestesiá-lo. Nisso articula com destreza).

Aqui fala-se de uma desafiadora carência nas paragens do Executivo, mas não apenas nele. O balanço do velho ano igualmente deixa muito a desejar, quando se impõe avaliar as relações entre os três poderes. Não apenas um. Fica muito a desejar e deplorar, se se tem em conta que falta harmonia entre eles. Muitas vezes escapa até mesmo o diálogo respeitoso. O diálogo, como se viu neste 2025, dificultado em numerosos episódios, cedeu espaço para um poder avançar sobre atribuições do outro, confiscar prerrogativas e arranhar os princípios elementares da autonomia. Se ficou muito a desejar, conservemos a esperança de que se respeitem mais no novo ano.