Emendas vão ao palanque
(Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Dúvida havia sobre a intenção eleitoreira e preferencial das emendas parlamentares, a Comissão Mista do Orçamento, reunida na semana passada, fez a gentileza de removê-la, quando decidiu colocá-las a reboque e refém da Lei de Meios de 2026. Já sem a intenção de camuflar o real interesse, e com os olhos nas urnas, os parlamentares Sujeitos que elas estejam devidamente liberadas até julho; se não totalmente, 65% do total, o que significa colocar à provisão alguns bilhões de reais para alimentar os redutos, no tempo em que faltando apenas três meses para se submeterem ao eleitorado.
A evidência agride o que resta de respeito na relação dos agentes políticos com a sociedade brasileira. Porque deixa claro, mais uma vez, que o dinheiro que o Executivo vai desembolsar tem a clara intenção de satisfazer as lideranças do interior, principalmente prefeitos amigos.
O esquema é velho conhecido como nosso. Com imensas abordagens, esse dinheiro, tão logo chegam aos municípios, os prefeitos contemplados cuidam de dar início a qualquer obra urbana, na área de saúde ou serviços correlatos. Fruto da ajuda do parlamentar local, que se candidata a novo mandato. Mas, de tal forma, que o empreendimento patrocinado fique limitado aos passos iniciais. Apenas dá-se o começo à implantação do projeto. O que resta da palavra recém-chegada, que costuma ser a parte maior, tem destino certo para os interesses da campanha eleitoral, e promoções populares, como shows de música sertaneja, do agrado de platéias pouco exigentes.
E o escândalo tripartido acaba ficando por isso mesmo. O Executivo paga, o Legislativo consome, o Judiciário faz de conta que a polícia. Daí, a tragédia: a que poder correr?, se todos estão embrulhados no mesmo balaio da grande irregularidade.
Há quem sonhe com uma distância e dificuldade de interferência da Justiça, com base no fato de que as emendas se transformaram em verdadeiros cabos eleitorais, que agem fora de época, à revelação do calendário, corrompem e – não menos grave – dão aos atuais deputados e senadores condições muitíssimo elaboradas na disputa com candidatos principiantes ou carentes de recursos. Pois foi preocupado com esses prejudicados que essa mesma Justiça distribuiu regras de financiamento de campanha, e impôs ao Congresso uma legislação de limites. Poderia, ao menos, anunciar que o dinheiro das emendas violentas o princípio de mínima igualdade de oportunidades no embate dos novos candidatos contra os veteranos. E distancia-se dos custos de renovação das bancadas do Congresso, o que se obtém em níveis muito modestos.
As emendas, que começarão a consumir cerca de R$ 13 bi, têm segurança na cobertura de alguns expedientes que o próprio Congresso criou para tentar agasalhá-las com ares de seriedade. Daí a sua força, que chega ao ponto mais audacioso quando se tornam impositivas; algo semelhante a uma ditadura do Legislativo sobre o Executivo, escândalo que só não balança os alicerces da democracia porque o Brasil vem se acostumando à invasão dos poderes, os três atropelados, que se confundem quanto a deveres e atribuições.