terça-feira, 7 de janeiro de 2020


Técnicos e doutores


Relevadas as ideias e raras propostas isoladas que elaboram estudiosos da matéria, o que se percebe é o perigoso contraste entre o crescimento da população em busca de oportunidade de trabalho e as crescentes restrições de um mercado cada vez mais automatizado; este francamente acessível aos recursos oferecidos pela dinâmica da tecnologia de ponta. Na contramão das expectativas por salários ampliam-se as limitações, sem que os recentes governos soubessem exatamente o que fazer, de forma que o progresso não cobre caro pela distância que vai impondo. O remédio, sem maiores alternativas, se prescreve pela modernização e ampliação de cursos técnico-profissionalizantes, tarefa que tem sido confiada a federações administradas pelo empresariado. Se elas têm feito muito, o que é verdade, nem por isso o poder público tem direito de persistir em grandes omissões nesse campo desafiador.

Há, pois, uma discrepância entre a faixa da progressiva população candidata à produção e a crescente retração das ofertas, estas contemplando cada vez mais a mão de obra qualificada. Trata-se de um cenário que tende a se agravar, principalmente em países com vultosa expansão populacional, fenômeno em que, nas últimas décadas, pensadores religiosos preferiram confundir planejamento familiar com controle demográfico, embora sejam coisas diferentes na sua essência. Mas isso é outra história.

Países mais ricos, desconfiando na necessidade de aprimoramento da formação profissional para garantir empregos, investiram pesado. Deixaram de lado o bacharelismo e as cada vez mais numerosas fábricas de doutores, e passaram a produzir técnicos, equipando-os com as novidades tecnológicas, para não serem vítimas delas. No mundo civilizado o diploma da formação técnica, sejam quais forem as especializações, tornou-se plena garantia de êxito pessoal.

Com experiência que vai somando mais de cem anos, criados pela boa vontade o presidente Nilo Peçanha, os cursos profissionalizantes no Brasil carecem de maior empenho governamental, notadamente no que se refere a bolsas e equipamentos que sejam capazes de ajustá-los, continuamente, ao progresso da tecnologia; porque esta, mesmo que desejável, tem sido implacável na eliminação da mão de obra tradicional. Que o digam milhares de bancários brasileiros, degolados nas últimas décadas pela informatização. É preciso não olvidar que, no curso da História, o avanço do engenho humano primou pela exclusão dos inadaptados. Tem sido assim; foi sempre assim, desde 1807, quando a invenção do motor a combustão começou a matar as diligências e carroças, desempregando milhares de trabalhadores ao redor do mundo.

Faz sentido, em relação ao Brasil, um detalhe da realidade social que também clama por maiores atenções do poder público. A decadência moral e o envolvimento com o crime têm encontrado fácil abrigo entre os adolescentes que batem à porta da empregabilidade para encontrá-la fechada; são os que estão despreparados para os desafios que lhes impõem funções cada vez mais exigentes quanto à qualificação. É preciso pensar um pouco mais na formação da capacidade técnica, difundi-la para incuti-la na mentalidade dos governantes, abrindo horizontes a jovens que aspiram ao trabalho. Estes certamente nem sabem, suficientemente, que podem ter o futuro garantido, sem serem doutores; os doutores, que são importantes, o Brasil deles muito precisa, mas há milhares de atividades que lhes são estranhas, mas não a bons técnicos, quando preparados para enfrentar um mundo onde os doutores não são o suficiente.

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