terça-feira, 12 de maio de 2020



O risco da desmotivação



((Wilson Cid hoje no ”Jornal do Brasil”))


Não há como elaborar previsões sobre as próximas eleições, originalmente marcadas para outubro. A razão é simples: tomando-se por base a realidade de hoje e o possível num futuro próximo, é forçoso reconhecer que o país corre o risco de não poder cercá-las com um mínimo de segurança e motivação; para não se falar da possibilidade de coincidirem com clima social desfavorável, consequência da passagem devastadora do coronavírus. Na verdade, nem se poderia dizer com total segurança se nos quatro meses que restam para a campanha a pandemia já terá partido, temor que tem sido abonado por infectologistas à espera de dias piores.

O calendário eleitoral tem sacrificado etapas; desorganizou-se. O processo pode ser transferido para dezembro, na expectativa de que até lá a vida nacional tenha se normalizado. Há, contudo uma imposição real: admitida a necessidade do adiamento, a decisão há de ser tomada logo, o quanto antes, de forma que o Congresso seja chamado a se pronunciar, pois as datas do primeiro e segundo turnos são definidas na Constituição. Para tanto poderia se alegar a exigência emergencial, com um país em sobressalto na calamidade pública, o que, no parecer de juristas, não é o suficiente para relegar o que consagra a lei maior.

Definição nesse sentido ainda esbarra no capricho de uma coincidência. Só no último dia útil de maio (e o mês já vai arquivando a primeira quinzena) é que assumirá o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Barroso, impossibilitado de adotar a decisão antes da posse; o decidir também escapa da pauta da presidente que o antecede, pois durante seu mandato a alteração de datas não encontra justificativa. A corte se vê diante da situação em que o remédio indispensável tem de aguardar o momento certo para ser ministrado.

Trata-se de situação desconfortável para o Tribunal. Não podendo convocar o eleitorado em outubro, terá de fazê-lo, no máximo em dezembro, pois no primeiro dia de janeiro do ano seguinte os atuais prefeitos e vereadores terão extintos seus mandatos. O ministro Barroso haverá de redobrar esperanças e orações; e, tanto como nós outros, esperar que uma segunda onda do mal se dissipe antes mesmo que se concretize; porque epidemias ou desaparecem com a mesma ligeireza com que chegam ou se robustecem para retornar mais ferozes.

Mas a questão primeira nem está no campo da interpretação que se possa extrair da lei, nem mesmo de possível elasticidade aplicada ao calendário das urnas. Antes cabe indagar como estará se sentindo, social e civicamente, o eleitor depois de uma temporada de tensões, a morte rondando em estatísticas terroríficas, as instituições vacilantes, a população exausta. O que terão os candidatos a dizer e os eleitores a ouvir? Porque quando candidatos e partidos subirem ao palanque lá já encontrarão uma população que o vírus ajudou a abalar e torná-la ainda mais descrente dos poderes, dos governantes e dos discursos em decomposição na química de prodígios.

O que terão a dizer para um povo que os próprios políticos transformaram em legiões de desacorçoados?, se o que têm mesmo a mostrar são os eternos torneios de elites e de vaidades, como o coronavírus tem cuidado de escancarar. A montagem dos instrumentos de defesa da população contra o mal – como explicarão os candidatos? - expôs o divórcio entre as autoridades e seus deveres. Como explicar?, se o pecado cometem tanto os governantes da hora como os que os criticam.

Pairam dúvidas sobre o clima que haveremos de respirar na hora dos sufrágios nos municípios; muito mais pela desmotivação e cansaço de esperar dias melhores e horizontes mais claros, do que propriamente pelo dever de votar. Talvez não se deva confiar em demasia nos otimistas, que caçam o exemplo antecedente, pois para eles a eleição 1918 foi normal, embora também fosse o ano da tragédia da Gripe Espanhola. É inválida a comparação, porque a terrível epidemia chegou em setembro, e a eleição de Rodrigues Alves já se dera em março, embora isso não impedisse que o presidente se tornasse sua vítima ilustre, morrendo no janeiro seguinte.



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