terça-feira, 12 de abril de 2022

 Tempos de imprudência

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )



Entre os fatos políticos que mais chamaram atenções na semana passada, e migraram para a atual, dois tiveram a capacidade de perturbar o raciocínio dos observadores, com a devida ressalva de que nada ainda pode ser tido como duradouro ou definitivo na corrida presidencial, que apenas ensaia os primeiros passos. Tudo passível de ser refém do imponderável.

O primeiro fato a considerar é o ensaio de evolução nos entendimentos entre quatro partidos em torno de um projeto de candidatura que seja capaz de balançar, se não derrubar, a polarização entre Lula e Bolsonaro. As conversas prosperaram, mas sem levar em conta o terceiro colocado na corrida, Ciro Gomes, que, entre os não favoritos, é o que tem apresentado melhor desempenho. Por que não aceitá-lo nas consultas? É estranha a afronta aos números, que o colocam bem à frente dos demais postulantes a um papel alternativo.

De outro lado, aprofundou-se gravemente o intrigante ofício do candidato do PT, empenhado em uma estranha jornada, na qual sai garimpando dificuldades para seus próprios tropeços; exatamente aqueles caminhos que a sensatez recomenda evitar. Mesmo entre seus fieis companheiros suspeita-se de um projeto de suicídio político. O que está passando pela cabeça dele? Qual a tática desse estranho comportamento?

A prudência sugere evitar abordagem de temas delicados, que tiram mais do que dão votos; pois é exatamente aí que ele tem preferido entrar. O caso do aborto está entre os que Lula tirou da gaveta, sem que tivesse necessidade de ferir essa questão polêmica e sensível; e nisso não seria exagero prever que carreou para o adversário simpatia e votos de segmentos religiosos mais conservadores. Outros candidatos teriam o cuidado de contornar o tema, transferindo para o eleitor o direito de adotar a posição que achar melhor. Nessa perigosa incursão passou por cima de pesquisas que indicam quase 60% dos brasileiros resistentes às abortistas.

Esta e outras intervenções têm levado setores políticos, próximos ou distantes das alçadas do PT, a entrar na semana admitindo que o comportamento assumido por Lula, instigando adversários de direita e de centro-direita, pretenderia, na verdade, torná-lo patrono da eleição de poderosa bancada esquerdista para a próxima legislatura. Uma prioridade. Retomar a Presidência da República, que ele já experimentou em duas oportunidades, seria muito bom, mas como fenômeno suplementar.

Seu discurso cai com vigor em setores de onde desperta severas contestações e alimenta os adversários. Nem é preciso contar na linha dos descontentes os generais do Exército, que ele e o PT pretendem apear de cargos executivos, pois das altas gemadas Lula já não poderia mesmo esperar votos. Mais ainda porque para os militares havia mandado o recado: se for presidente de novo, serão apeados do papel de bajuladores bolsonaristas.

Mais recentemente, Lula analisou, com invulgar infelicidade, a situação da classe média, onde vê desperdícios e ostentação. Não é bem assim. A faixa média da população brasileira é a que paga os impostos que os ricos sonegam, e os pobres não podem pagar. Sendo também a que mais consome, certamente é a que mantém o mercado. Na classe média, da qual há muito o candidato petista se libertou, tornando-se milionário, padece a maioria dos eleitores.

Não sendo pouco tudo isso, ele promete a regulação das normas de alguns setores de comunicação, sem levar em conta que é de intenções dessa natureza que emergem sinais de ditadura enrustida; e por onde sempre transitaram governos déspotas. A melhor regulação da imprensa é regulação nenhuma.

Para encerrar, mas ainda sem romper com os fatos da semana, restou a desagradável cena de políticos mostrando o coldre de suas armas, ameaçando Lula, depois de o candidato ter recomendado que trabalhadores cercassem a casa dos deputados e suas famílias, para exigir deles o que falta à maioria da população.

Nada mais desagradável que tanta imprudência na hora em que o país vai entrando na campanha eleitoral.

Os “temáticos”

A renovação das bancadas legislativas nunca se processa muito acima ou abaixo dos 50%, e hoje não se dispõe de elementos suficientes que recomendem esperar para outubro um quadro diferente. Para essa expectativa pessimista concorrem alguns fatores já suficientemente analisados, a começar pela carência de discursos motivadores, capazes de levar a mudanças substanciais na tradição. E o perfil do eleitorado, por sua vez, não ajuda a traçar no horizonte político novidades na composição da Câmara. Demais, também pesam os fundos de financiamento das campanhas, que trazem a evidência de favorecimento dos deputados que se oferecem para a reeleição. Tudo concorrendo de forma que as coisas continuem na toada de sempre.

Na essência, portanto, são pálidas as expectativas de alteração na composição do plenário da Câmara. O que, de imediato, leva a concluir que não são mais otimistas as possibilidades de se pôr termo ao defeito do corporativismo ali predominante, evidenciado no que se convencionou chamar de “bancadas temáticas”, uma sutilidade para preservar o que, na realidade, elas são: grupos constituídos acima e além dos partidos, não raro tramando contra a Constituição, em defesa de questões diversas do interesse comum.

Necessário notar que, não raro, essas bancadas influem, com espírito corporativista, no destino obscuro de grandes temas. Mais famosas são as três que se identificam como bancadas do BBB – bala, boi e Bíblia, nas quais pontificam parlamentares que, pelas armas, preferem a contraviolência em lugar da antiviolência; os ruralistas, que defendem com entusiasmo os interesses do agronegócio; e os que legislam com a Bíblia na cavidade das axilas. São vários os agrupamentos. Outros costumeiramente simpáticos aos empreiteiros e servidores públicos. Quando se defrontam com interesses comuns chegam a representar mais de 1/3 do plenário. Quase imbatíveis. Lamenta-se, porque não é para isso que se elegem deputados, em cujos ombros pesam responsabilidades da sociedade inteira, não de seus pedaços isolados.

Verdades em mão dupla

Geraldo Alckmin e Lula passaram o fim de semana sob bombardeio feroz dos que não aceitam que os dois, velhos adversários agressivos, agora se unem e se irmanem numa chapa de candidatos que engolem seco o xarope da conveniência; e sem direito a vomitar o indigesto. Mas, bem pensando, não parece procedente o espanto por estarem juntos, depois de tanto se xingarem. Em rigor, nem há como criticá-los, porque têm sido coerentes. Ambos cobertos de razão. O que um já falou do outro é verdade incontestável.

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