terça-feira, 18 de outubro de 2022

 assunto)

Wilson Cid
  • gilberto.cortes@jb.com.br
Seg, 17/10/2022 13:03


O PL mineiro



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))

Em uma semana, o presidente Bolsonaro, candidato do PL, foi três vezes a Minas, e volta hoje a Juiz de Fora, cidade que no primeiro turno lhe deu 38% dos votos contra 52% que ficaram com Lula.

Uma pergunta que tem frequentado outros centros políticos reflete a curiosidade: por que esse interesse pelo colégio eleitoral mineiro, afora ser um dos três maiores do país? Para explicar, é suficiente lembrar que em Minas, sob a capa da tradição de modéstia e discrição dos políticos, é onde o jogo pelo poder pode se tornar duro e pesado, com a intensidade que convier. Se necessário, como agora, contrariando o perfil que lhe traçou o professor Glagstone Chaves de Melo, o poíitico de lá não é macio; se for preciso, vai à jugular do adversário. Mas, ele conversa bem e desconversa melhor ainda, o que se retrata com exatidão na candura das inflexões e no jeitão de falar do governador Romeu Zema, eleito no primeiro turno, apoiador declarado da candidatura de Bolsonaro.

De forma que em Minas PL não é Partido Liberal. É Palácio da Liberdade. Nada de Novo.

Entre um turno e outro, sob a regência palaciana, as coisas mudam, os discursos já não dizem mais o que antes diziam, alteram-se as previsões, e com notável exercício de magia o governador rearruma as alianças. Poucos prefeitos ousam contestar o governo de que serão dependentes durante quatro anos. O presidente Bolsonaro parece jogar ali algumas de suas últimas cartadas.

Acaba de sair um livro do jornalista Itamar de Oliveira sobre a vida de Hélio Garcia, poderoso articulador de quem se valia Tancredo Neves na Transição. Na página 247 de “Arte Mineira de Fazer Política” está o depoimento mais precioso, em que o ex-ministro Hélio Costa narra como, por causa de 1% dos votos, não se tornou governador já primeiro turno. Mas na segunda votação, poucos dias depois, mesmo com todas as expectativas da vitória final, foi fartamente derrotado pelo xará Garcia, que comandou a mais intensa manobra de pressão e convencimento de que se tem notícia. Três décadas depois, são poucas as diferenças entre o antigo e o novo figurino.

Pecado da omissão

Ouve-se, por toda parte, a queixa de quem deplora o fato de estar condenado a ser contemporâneo de uma das campanhas eleitorais mais perversas, de baixo nível, além de um grotesco catálogo de ofensas pessoais. Mesmo as denúncias fundadas foram levadas aos eleitores com linguagem imprópria, desnecessariamente agressiva. A queixa é procedente, mas não pode servir de desculpa para o eleitor se recolher, ausentar-se, ainda que envergonhado. Não deve se comportar assim. Deixar de votar, por causa de uma campanha distante do ideal, com o desrespeito entre candidatos e seus seguidores, não justifica a omissão, que também é pecado. Na verdade, se se avaliar diferentemente, cabe insistir no exercício do voto, porque só ele depura, aperfeiçoa e pode ser, no futuro, o instrumento capaz de devolver às relações políticas a desejada grandeza.

Mas a campanha presidencial de 2022 não constitui exceção. Não são de hoje os casos de desqualificação no debate eleitoral. Em seu “Chão de Ferro”, o memorialista Pedro Nava conta que em 1919, morrendo o conselheiro Rodrigues Alves, assumindo Delfim Moreira a Presidência da República, sucedeu-se uma campanha sórdida. ”Como sempre, inventavam-se as maiores infâmias a respeito da honra, da virilidade, das famílias, da integridade mental”. Mesmo assim, venceu Epitácio. Anos antes, candidato com a bandeira civilista, Ruy Barbosa foi muito xingado. Viajando de trem em ferrovia do governo, queixava-se de que até água para beber lhe negavam…

Ainda não batem o suficiente os números da previsão do abstencionismo para a eleição do dia 30. Até porque a confiabilidade nas pesquisas está mergulhada em banho-maria. Mas, sejam modestos ou preocupantes os números, cabe lembrar e insistir: só o voto tem força para melhorar o nível da política e do debate entre candidatos. Fora disso não há salvação.

O peso da adesão

A duvidosa capacidade do apoiamento dos políticos que se deslocaram para influir no segundo turno fica sendo um dos temas para as discussões do pós-eleição do dia 30. Até que ponto a adesão das lideranças derrotadas pode influir no comportamento dos eleitores que “queimaram” o voto no primeiro domingo do mês? Há duas pesquisas (sem embargo das reservas) indicando que 60% daqueles eleitores não se deixam influenciar nem seguir a orientação que lhes dão os candidatos recém-derrotados. Preferem seguir suas intuições, criando novas preferências, não necessariamente coincidentes com as orientações.

Faz sentido uma das razões a preferir a atitude independente. Pois já não se sentem mais animados a ouvir e seguir aqueles em quem votaram, pelo tanto que achincalharam, xingaram e ofenderam; e derrotados, não se pejam de apoiar exatamente os adversários que haviam tratado com cusparadas. Os discursos, os de antes e os de agora, sem nenhum pudor tomam parte num sinistro campeonato de incoerências, que desagrada a muitos.

Não é bem coisa do passado. Antes não havia segundo turno, mas os portadores de títulos ficavam à espera das ordens dos chefes, muitos deles derrotados em urnas anteriores, embora prontos a mostrar aos adversários que ainda dispunham da força de persuasão. Como hoje. Presumia-se que isso estivesse confinado a rincões distantes.

O eleitor que saiu vencido no primeiro turno tem direito de sentir-se desobrigado do papel de cordeiro manso e doutrinável; mais ainda quando é convocado a decidir entre finalistas de uma campanha marcadamente radicalizada, aquecida por ódios e amores em excesso.

A transferência de votos, por simples antipatias ou interesses, pode não ser hoje tão poderosa como antigamente. Mas só depois do dia 30 talvez seja possível dispor de dados que autorizem melhor avaliação.

( À margem do processo. Certas adesões para o segundo turno oferecidas ao PT por lideranças políticas, mas principalmente de gente influente dos meios econômicos, mostram que estão confiando mais na saúde de Alkmin do que na saúde de Lula.)

O horário eleitoral

As eleições estão se finalizando com o segundo turno para governadores em estados onde foi necessária outra votação, e para a Presidência da República. De forma que no final do mês, fechadas as urnas, conheceremos os eleitos em definitivo. E, para alívio geral, como ouvintes e espectadores, termina o horário eleitoral gratuito, que, mais uma vez, foi uma lástima com tantas imagens desagradáveis.

É preciso uma reavaliação do horário gratuito, pois não tem contribuído para o aprimoramento do processo eleitoral. Quem teve a paciência e perseverança de acompanhar os programas e as inserções produzidas pelos partidos políticos tem direito de reivindicar o aprimoramento desse canal de divulgação das candidaturas, porque, o que aconteceu nesse horário é de tamanha bizarrice, que desestimula até quem tem interesse na política. Necessário o TSE e o Congresso Nacional focarem na revisão desse instrumento para torná-lo capaz de cativar a atenção dos eleitores. Algumas diretrizes precisam ser estabelecidas para que o candidato se comunique com o público sem abusar de estereótipos engraçados ou chocantes, na louca tentativa de ganhar o eleitorado. Por exemplo, proibir o uso de denominações profissionais, tais como patente militar, cargo no Judiciário, formação de trabalho, apelidos etc.

O candidato ao cargo eletivo precisa ter compostura e habilitação básica, pois, se na campanha já demonstrar limitações de conhecimento, de decoro para o futuro cargo que pleiteia, e pouca vocação para o diálogo, melhor seria não disputar o voto. Alguém pode achar que se está sugerindo o cerceamento da liberdade de expressão, mas não é a intenção. O que se deseja é a melhoria no uso do rádio e da TV, tão importantes para a democracia.

Outro aspecto do horário eleitoral usado pelos candidatos a  governador e presidente está em exagerar na desconstrução dos oponentes. Uma prática lamentável. Gasta-se tempo, energia e dinheiro para produção de vídeos depreciativos, que em nada contribuem para o debate; mas influi negativamente na degradação do processo de escolha. O imperativo que fica deste 2022, com dolorosa campanha, recomenda evolução dos processos de informação e formação do eleitor, tendo por base o respeito entre os candidatos, e o respeito deles em relação aos eleitores.

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