terça-feira, 25 de março de 2025

 


Para emendar as emendas

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Para eventuais caçadores de singularidades na política nacional certamente não faltarão duas recentes contribuições. A primeira é que a Lei de Meios da União, seu orçamento anual, seu balão de oxigênio, foi aprovada pelo Congresso com três meses de atraso. Ainda assim, o Brasil, bem ou mal, continuou resfolegando. Outro caso interessante, impensável em outros países, é que na previsão orçamentária as emendas confiadas às preferências dos parlamentares vão contar com disponibilidades financeiras equiparadas às dotações de um ministério. Mais de R$ 50 bi. De tão poderosos e influentes são eles, certo é que boa parte do trimestral atraso deveu-se exatamente a indefinições sobre o que vão ter para distribuir, como também preocupados com novas regras destinadas a tentar estabelecer parâmetros para que elas escapem de fins escandalosos.
Não é assunto para ser enterrado; pelo contrário, mesmo com a ameaça de algumas limitações, essas emendas ficam devendo normas mais bem definidas, sobretudo com base nas experiências que agora se farão conhecidas. Pois é fora de dúvida que, embalados por interesses políticos junto aos redutos e aos prefeitos que os apoiam, muitos deputados sabem como encontrar válvulas de escape para desvirtuar os objetivos que saíram do orçamento. Ardis e artifícios sempre há, e o dinheiro destinado a uma obra comunitária acaba a serviço da próxima eleição. As ameaças e cobranças do ministro Dino somem nos ralos do tempo.
Para justificar temores, deve-se lembrar que faltam instrumentos para que, em tempo hábil, as emendas se submetam à necessária rastreabilidade. Além de tibiezas que só podem ser úteis a irregularidade. É o caso, por exemplo, do dispositivo “evitar a destinação de recursos para entidades privadas, salvo casos específicos”. Ora, evitar é muito menos que proibir, e, no caso dessas entidades, os chamados “casos específicos” permitem uma infinidade de interpretações, pouco ortodoxas, muito mais a serviço das obras do tinhoso. Outra indagação, não menos pertinente, é sobre a complexa fiscalização das emendas e formalidades, e os prazos para que sejam denunciados e impedidos os desvios. Em dimensão nacional, qual a máquina de policiamento tão competente para tanto?
(Por falar em dúvidas, menos uma: a partir de agora, o ministério da Saúde vai responder pela liberação de 32% das emendas, impositivas ou não. Quer dizer, R$ 24,4 bi a mais para investimento imediato. Algo suficiente para credenciar o ministro Alexandre Padilha como eficiente interlocutor com os parlamentares).

O que é pena justa?

O nome que se deu ao Plano Nacional para Enfrentamento do Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras é suficientemente pomposo, para que dele se espere excelente resultado ou resultado nenhum. O ministro da Justiça, que o criou, depois de passar por tribunais e consultorias, animou-se, e acha que nesse campo delicado o país vai caminhar bem. Não há como desejar o contrário, mais ainda porque ele pensa estar aplicando golpe mortal contra o crime organizado, que preocupa não apenas pelas razões próprias, mas também porque conta, a seu favor, com um estado desorganizado para lhe dar combate. O plano, batizado com nomenclatura vistosa, acabou economizado em duas palavras: Pena Justa.
O que se tem como ponto de partida é elencar novos benefícios aos que praticam o delito, quando, em rigor, a essência da pena é, antes de tudo, o castigo. Cometeu o crime, ofendeu a dignidade da sociedade em que vive, causou prejuízos a outros, pague pelo mal praticado. Mas tudo isso é muito menos grave aqui, porque estamos na grande pátria da impunidade.
A pretendida recuperação, acompanhada da reinserção no meio social, deve ser resultado de decisão pessoal do apenado de arrepender-se e desejar, sinceramente, emendar-se. Isso é indispensável. A partir de então, aí sim, a estrutura da organização penitenciária o apoia com educação, assistência social e a sempre recomendada laboraterapia. Não sendo assim, as gentilezas não surtem efeito, como as fracassadas saidinhas de Natal: no último ano, cerca de 2.000 criminosos não retornaram às celas, muitos ainda nas ruas, assaltando e estuprando.
Já aprendemos que é o criminoso, mais ninguém, que decide pela regeneração.

terça-feira, 18 de março de 2025

 


Falta-nos o projeto nacional


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


A Primeira Guerra Mundial (1914-18) ainda não havia sepultado todos os mortos da imensa tragédia humana, e nem por isso algumas lideranças europeias deixaram de perceber e se convencer que os programas dos governos tinham de abraçar novas ideias, e com elas avançar no tempo. Pouco depois, chegada a década de 20, a Checoslováquia foi a primeira a inovar, mostrando que qualquer sociedade nacional precisa ter o seu projeto estrutural, e nesse sentido deu o primeiro passo, instituindo a fidelidade partidária, porque sem esta tudo é desordem e caos.


Fato tão distante na História não impede que venha à lembrança o momento em que o presidente Lula ensaia alguns ajustes no primeiro escalão, visivelmente preocupado em promover acomodações na base parlamentar; e, a partir de então, esticar as rédeas para a corrida de 2026. Bom teria sido que, somadas as experiências de agora às que vem trazendo de dois mandatos anteriores, desse ele ao Brasil esse norte que falta, para que não continuemos em cabeçadas, sempre à vontade de ventos, de ciladas e improvisações políticas e sociais. Mas, quando se trata de proposta mais profunda, isto é, um projeto definitivo para o Brasil, os presidentes não perdem a oportunidade de perder oportunidade.


Trata-se de assunto que incomoda qualquer partido, nem para uma leve abordagem. Seja ressalvada, sob a ótica socialista do petismo, a insistência com que vem batendo neste ponto o ex-deputado José Dirceu. Mas também é voz que clama no deserto, certamente porque seu governo se contenta em buscar resultados imediatos, “de hoje pra amanhã”, como se diz vulgarmente. Mas já detectou, e disso não faz segredo: as lideranças de esquerda não estão acreditando na finitude de Lula, e, por isso mesmo, acomodam-se frente ao desafio de um vigoroso projeto nacional, que custaria maturação de 12 anos. Não há paciência para tanto.


Avancemos além do PT, porque não seria justo imputar-lhe todas as culpas pela carência e pelo vácuo. Pergunta-se a todos os partidos e suas lideranças, passadas e presentes, qual o projeto do Brasil? Não o temos, nunca tivemos. Rui preocupou-se com isso, quando redigiu o discurso da posse de Deodoro, o primeiro presidente, que foi também o primeiro golpista. Mas acabou convencido de que o momento era inadequado para proposta de tamanha envergadura, e naquela quadra estava sob pressão dos ingleses, que exigiam um discurso com compromisso tácito de pagamento das formidáveis dívidas de libras esterlinas que tínhamos com os bancos de Londres.


Cabe confessar. Não é de agora, mas desde as fraldas da recém-nascida República. O que os brasileiros querem? Com o que sonham? O que têm a dizer ao seu futuro e ao futuro do mundo? Em resumo, uma diretriz que pudesse tomar em conta a vivência civilizatória brasileira de meio milênio, nossa formação multirracial, os anseios e as metas a serem pautadas diante da História e nela interferir. Mas cadê esse grande projeto?



O jeitão de Trump


Com a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos temos caminhado, nós e alguns outros países, sob o risco de privilegiar interesses imediatos da economia de produção, acima da capacidade da diplomacia e da política para elaborar as relações. Reações frequentes demonstram que temos cedido a um modelo de pressões imposto pela Casa Branca, onde o Salão Oval aprecia um tipo de debate que faz agrado à maioria do eleitorado americano. Outra coisa não foi o que se viu no recente encontro com Zelensky, da Ucrânia. Parecia que discutiam algo como impedimento duvidoso num Fla x Flu... Afora isso, não se pode abandonar a percepção de que Trump quer o que entende ser melhor para o seu país; estranho seria se governasse para proteger o aço brasileiro… Pois nosso presidente preferiu levar a cena para o sentimento do patriotismo.”Se ele grita, eu também grito. Não tenho medo de cara feia”. Interessante a teoria das fraternais divergências que se hospedam entre os dois presidentes. Em Washington e Brasília as palavras têm sido produto de um descuido permanente.


Trump ainda navega por mares que sopram a brisa agradável de uma eleição consagradora. Mas já vai dando sinais de que as núpcias com a glória em breve despertarão do sonho. Terá de desembarcar dos voos rasantes sobre a Groenlândia, Canadá e Marte. E pôr os pés no chão da realidade. Por que? Porque a nação que governa, poderosa, de fato, não escapa de muitas dependências com o universo do entorno. É aguardar, então, que ele desça da imponência, e aí os diálogos podem prosperar, antes mesmo que pensemos em retaliações definitivas.


É preciso esperar que passem os arroubos. A política imita a carroça, como disse, certa vez, o ministro Ayres Brito: com o tempo, é no sacolejo que as abóboras se ajeitam.


(Costuma-se lembrar que nas artes orientais, como o aikidô, o adversário é derrotado pela própria força dos seus ataques. Parece que a presidente do México, Claudia Sheinbaun, entendeu isso, e vem cozinhando Trump e suas sobretaxas em fogo brando. Pode ser que tenha lido Allan Watts no “Tao, o Curso do Rio”, que fala das diferentes forças do pinheiro e do salgueiro).



2 - A palavra continua em crise. Agora, o mundo feminino desce de paus e mosquetes, capa e espada, sobre o presidente Lula, por causa de um raciocínio mal interpretado, mal enunciado, na posse da deputada Gleisi como ministra responsável pela articulação política. Quis ele dizer - pelo menos supõe-se a intenção - que estava nomeando uma mulher para dialogar suavemente com os presidentes do Senado e da Câmara. Estes é que tinham direito de se sentir ofendidos, porque dava-se a entender que sempre que o governo precisar do apoio de ambos bastaria uma mulher com dotes para convencê-los. Não passaram recibo pela desfeita incômoda. Misógino? Não, machismo descuidado.

Pesaram nas tintas, porque, quanto à beleza, a queixa feminina mostrou-se nada condescendente com esse novo tropeço no improviso infeliz. Deviam, tolerantes, levar em conta, que o presidente nunca foi exatamente um expert em Afrodite, mais inclinado à escola cubista quanto às formas. Diríamos, prefere Picasso, não Monet.


( Em nome da contrição, deviam lembrar que, de muito longe, vem a conhecida lição de Voltaire: “le beau pour le crapaud est la crapaude”. O belo para o sapo é a sapa).

quinta-feira, 13 de março de 2025

 



14 março 2025

SEM CRÉDITO
Sempre se soube que, se levada a sério, a maioria dos municípios tem impedimento para contrair financiamento junto a fontes estatais. O que não se sabia é que o quadro em Minas fosse tão trágico. A Secretaria do Tesouro Nacional acaba de informar que das 853 prefeituras mineiras apenas sete têm condições de assumir a responsabilidade de empréstimos, sejam quais forem os objetivos e aplicações pretendidas. Esses sete municípios são Belo Horizonte, Contagem, Alvorada de Minas, Divisa Alegre, Silveirânia, Itutinga e São Bento do Abade. A se cumprir o veto, o Estado corre o risco de não ter obras públicas no interior, porque, entre os maiores, os financiamentos estarão disponíveis apenas para Belo Horizonte e Contagem, exatamente os que não precisão se valer do socorro.
Em Juiz de Fora, onde a prefeitura pede à Câmara autorização para contratar financiamento de R$ 660 milhões, os vereadores ainda não se posicionaram sobre o sinal vermelho que também nos atinge.
( O que mais afeta a saúde financeira das prefeituras mineiras é o excesso de gastos com o pessoal, em média 64.2%).

OS IMPOSTOS
O governo federal diz que tem feito esforço para zerar os impostos dos alimentos, mas pede ajuda dos governadores, que poderiam reduzir as tarifas como contribuição importante. Zema ouve e não acata. O governador mineiro é um dos principais opositores políticos da gestão de Lula.
Os governantes, ao fazerem política eleitoral, costumam desconfiar se os benefícios da isenção de impostos realmente contribuem para diminuir a inflação nos preços dos alimentos.

PARA MULHERES .
Uma série de eventos, programados pela Câmara Municipal, esticou a comemoração do Dia Internacional da Mulher, com o tema “Mulher e seus múltiplos desafios”. O ciclo de palestras termina no dia 20, com a entrega da Menção Honrosa Vera Faria, na qual 19 personalidades femininas contribuíram para o desenvolvimento de Juiz de Fora serão homenageadas. Vera Faria, que empresta o nome à menção, foi a primeira mulher eleita vereadora na cidade.

UM GRAVE EXCESSO
Tomamos matéria do “Jornal do Brasil”, de terça-feira, sobre os males do excesso de partidos políticos no país. Vale repetir um trecho:
“Os governos, principalmente a partir da dupla gestão de Fernando Henrique, padecem dos efeitos da confusão de partidos, nefasta à política nacional, porque, à cata de votos nas comissões e nos plenários, sempre escassos, os presidentes e seus ministros veem-se obrigados a celebrar concessões, muitas vezes distantes do zelo republicano. Hoje, as duas casas legislativas convivem com algumas dezenas deles, não raro hábeis em criar submissões. À primeira vista, estranhável que a Presidência da República nunca tenha se valido de seus poderes para forçar o enxugamento da organização partidária do país, descaso que talvez se explique pela via de uma experiência objetiva: como são numerosas as legendas no Congresso Nacional, sempre com reivindicações imediatas, fica mais fácil negociar os votos indispensáveis. Acaba custando caro esse balcão de negócios, mas, se o Executivo precisa, o remédio é ceder na hora em que as cólicas apertam. Lula é vítima desses conluios, mas nem por isso animou-se a um plano de enxugamento. Tornou-se exemplo para confirmar que poderosa carga das mazelas política nasce dessa danosa proliferação. Um excesso de siglas que faz mal”.

SEM BONITEZA
Serviços imundos, emporcalhados, sem cuidados têm dois exemplos em Juiz de Fora: os restos de fiação que as telefônicas deixam pendurados nos postes, e a reposição de pedras portuguesas nas calçadas. Em ambos os casos, sempre um perigo para os pedestres. Quanto à boniteza, nem se fala.

COM DEISI
Presente na posse de Deisi Hoffmann na coordenação da política do governo, a deputada federal Ana Pimentel, que foi eleita aqui com o apoio da prefeita. De secretária municipal de Saúde, os tempos da pandemia deram visibilidade a ela. Tornou-se deputada eleita em 2022 com boa votação. Seu mandato é praticamente uma continuidade do da ex-deputada Margarida. Em 2026 Ana pode tentar a reeleição, e novamente contando com o apoio da prefeita.


SEM MUDANÇAS
O MDB, que tem história em Juiz de Fora, vai reconduzir, no sábado, sua executiva municipal, liderada por João César Novais. O partido ressurgiu na eleição municipal do ano passado, ao filiar quatro vereadores, e conseguir a reeleição de Marlon Siqueira e João Wagner. Outro feito foi refiliar o ex-prefeito Tarcísio Delgado e seu filho Júlio, este candidato a prefeito, sem êxito eleitoral.
Até há pouco tempo, era o partido que conseguia eleger mais prefeitos em todo o território nacional, recentemente superado pelo PSD de Gilberto Kassab. Em Minas, com a morte do ex-governador Newton Cardoso, fechou-se o ciclo dos principais líderes. O legado fica aos cuidados do deputado Newton Cardoso Filho, que comanda o diretório estadual, já sonhou em concorrer ao governo de Minas, mas não teve condições eleitorais para a empreitada.
Em 2026 o MDB não terá em seus quadros atuais alguém com potencial para disputar o governo estadual ou federal, o que não impede que tenha candidato razoável, se filiar algum político emergente.

TOQUE FEMININO
As mulheres mineiras vão ampliando presença na cúpula do poder Judiciário: ministra Cármen Lúcia (STF) e agora a ministra Maria Elizabeth (STM). Note-se que são únicas mulheres nas respectivas cortes.
Cármen foi presidente do STF (2016) e do TSE (2012). Maria Elizabeth é a primeira presidente eleita no Tribunal Militar, além de ter sido a primeira a ocupar o cargo de forma interina, liderando o tribunal por nove meses, de junho de 2014 a março de 2015, após a aposentadoria compulsória do então presidente, Raymundo Cerqueira Filho.
Cármen é sempre lembrada para ocupar cargo em cortes internacionais, por indicação do estado brasileiro. Se abdicasse, neste momento, a corte ficaria sem a única mulher nesta instância. Motivo para ficar.

terça-feira, 11 de março de 2025

 O excesso que faz mal


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Os governos, principalmente a partir da dupla gestão de Fernando Henrique, padecem dos efeitos da confusão de partidos, nefasta à política nacional, porque, à cata de votos nas comissões e nos plenários, sempre escassos, os presidentes e seus ministros veem-se obrigados a celebrar concessões, muitas vezes distantes do zelo republicano. Hoje, as duas casas legislativas convivem com algumas dezenas deles, não raro hábeis em criar submissões. À primeira vista, estranhável que a Presidência da República nunca tenha se valido de seus poderes para forçar o enxugamento da organização partidária do país, descaso que talvez se explique pela via de uma experiência objetiva: como são numerosas as legendas no Congresso Nacional, sempre com reivindicações imediatas, fica mais fácil negociar os votos indispensáveis. Acaba custando caro esse balcão de negócios, mas, se o Executivo precisa, o remédio é ceder na hora em que as cólicas apertam. Lula é vítima desses conluios, mas nem por isso animou-se a um plano de enxugamento. Tornou-se exemplo para confirmar que poderosa carga das mazelas política nasce dessa danosa proliferação. Um excesso de siglas que faz mal.

O que se vê, com frequência, em paralelo, é a inconveniência de pressões intermináveis e da profusão de reivindicantes. Melhor seria conviver com poucos partidos, meia dúzia no máximo. Mesmo digladiando com os poderosos, porque estes são menos irresponsáveis, se chamados a explicar decisões, sejam elas contra ou a favor do governo. Ideal o enxugamento, pelo menos em tese, porque o governo escaparia dessa miuçalha de correntes que temos hoje, fracas e inexpressivas, mas exatamente por isso não se incomodam com o que a opinião pública pensa sobre elas. Estão sempre prontas a engolir desafetos para negociar. E o Executivo, na hora de pesar sacrifícios e benefícios, acaba partindo para decisões isolados, nos momentos delicados.

O presidente Lula não rompeu com o hábito dos antecessores de deixa ficar como está. Com a experiência de três mandatos, agora já trabalhando para conseguir o quarto na eleição de 2026, certamente reuniu prestígio para comandar uma reforma substancial. Talvez se sentisse desestimulado, entre outros fatores, pelo fato de, sempre que chega a eleição, seu partido, o PT, ganha robustez para se tornar escoadouro único para outros segmentos da esquerda sem alternativa. Para os esquerdistas, como se tem visto em toda eleição, fora do PT não há salvação; e a contingência leva a prestar repetida continência.

Os pequenos dessa organização, que prima pela artificialidade, se têm fôlegos insuficientes, continuam vivendo à sombra protetora do governo e de alianças conjunturais com os mais fortes. E, se percebem que, ainda assim, fracassam no cumprimento das exigências mínimas, escapam da cláusula de desempenho, recorrendo ao agasalho das federações partidárias, que são uma espécie de unidade de tratamento intensivo, onde há oxigênio e transfusões para os indigentes. Mas é preciso reconhecer que tudo vai produzindo calos e manhas de um jogo cada vez mais grave para a representação parlamentar: as legendas não cumprem o que prometem ou fazem o que prometeram não fazer. Nesse clima de inseguranças, cada uma delas precisando de espaço, é que o governo compra oportunidades postas à venda. Um bazar de insólitos.

2 - Ao lado das migalhas ocasionais, facilmente atraídas e subornadas, surgiu um poderoso instrumento de manobra por parte dos mais fortes, que se convencionou chamar de Centrão, sócio do governo Lula, ocupante de ministérios estratégicos, capaz de impor regras políticas, dono de posições influentes no segundo escalão, pantagruélico consumidor de cargos e verbas. Diante de tal realidade, sem maioria fiel para se impor na Câmara dos Deputados a Presidência da República concede demais a esse grupo parlamentar, costurado com retalhos diversos, até há pouco liderado por Artur Lira.

O presidente não deve alimentar esperança de ter boa parte desse grupo aliado nas eleições do ano que vem. Seria confiar no improvável, até porque desde a semana passada surgiram, pelas mãos do PP, os primeiros sinais de desembarque da nau capitânia. Sem surpresa, porque à medida em que avizinham-se as eleições, vão se extinguindo as solidariedades conjunturais, não suficientemente saciadas, que preferem o que está para chegar.

Com ou sem evasões, o governo tem desafios a enfrentar, em parte por causa do pluripartidarismo que não procurou desinflar. Os desafios não são poucos.

É preciso conversar muito com as bases parlamentares num ano em que vão soprando os ventos da eleição, e os interlocutores do Palácio obrigados a exercitar paciência semelhante à dos cuidadores de idosos... O que ainda não se sabe é se está preparando um diálogo suave e tolerante, ou inovar em termos duros, menos concessivos na hora de cuidar dos projetos que já tramitam no Congresso ou que estão para chegar. Parte dessa missão está sendo confiada, desde ontem, à comandante licenciada da presidência o PT, Greisi Hoffmann, cujo temperamento conciliador nunca foi exatamente seu cartão de visitas. Ela joga pesado, e nesse perfil bate no próprio governo, condena publicamente o projeto econômico do ministro Haddad, além de ser crítica da política vacilante do Brasil frente ao governo ditatorial da Venezuela, que ela apoia em nome do partido. E tem conflitos não superados entre as correntes petistas. Justificam-se os temores quanto à capacidade de ela, como ministra na área das relações institucionais, consolidar os apoiamentos, impedir abandonos, abrir portas e caminhos para um acolhimento sereno dos planos do governo. E, com toda certeza, tentar conter o apetite do Centrão. Não se pode dizer que tem missões fáceis pela frente. A conferir.



 

A Pauta é Política
7 de março de 2025

CONVIVÊNCIA
A expectativa dos petistas históricos é saber como seu partido e o governo vão se conduzir, depois que o presidente Lula decidiu confiar a Gleisi Hoffmann uma das responsabilidades pela coordenação política, sabendo-se que ela não é exatamente o perfil mais adequado para essa grave tarefa. A começar pelo fato de a escolha acentuar a divisão interna do PT, mais grave quando se considera que ela condena publicamente a política econômica do ministro Haddad. Há, portanto, duas personalidades junto ao presidente que o assessoram e conflitam numa questão essencial.
Gleisi também tem pontos de vista divergentes no campo da política externa, notadamente quanto à atitude dúbia do governo sobre a Venezuela. Ela apoia a ditadura de Nicolás Maduro.
José Dirceu, oráculo petista, já advertiu. Lula precisa intervir rápido para acabar com os conflitos internos do partido.

REVOADA
A expectativa dos observadores políticos é que, passado o carnaval, alguns membros do PSDB decidam desligar-se do partido, que, nas últimas semanas, entrou na berlinda, sob os temores de que deixará de existir ou vai se incorporar a outras legendas. Que vão se desligar, é coisa já praticamente decidida, restando definir para qual partido gostariam de se transferir. Talvez pensem no MDB, porque foi dali que muitos saíram para experimentar, três décadas atrás, as novidades do tucanato.

QUESTÃO ESSENCIAL
Saber qual a real capacidade do município para endividar-se em novos financiamentos é uma questão para absorver as principais atenções dos vereadores nas sessões deste mês. Justifica-se. O Executivo quer autorização para celebrar contrato de financiamento de R$ 660 milhões junto ao BNDES, pretendendo aplicá-los em obras diversas. A questão que desperta controvérsias é que o dinheiro seria consumido pela atual prefeita, mas o custo da operação e as amortizações cairiam no colo de seu sucessor.

TEMPO DE ÓDIO
O ex-presidente José Sarney está preocupado com os destinos do país, que vive clima de muito ódio. Uma carta que enviou ao público foi comentada pelo “Jornal do Brasil”, de terça-feira:
“O país tem se odiado. Nomeia a intolerância para a vaga do diálogo. A figura do atual presidente da República, polêmica por natureza, é bem um exemplo. Nas ondas odiosas, muitas vezes dele para com os adversários, e destes para com ele, elimina-se a crítica construtiva, que cede espaço ao achincalhe e aos deboches nas redes sociais, com uma virulência jamais vista. O ódio está em tempo de disseminação nas asas da tecnologia a serviço da comunicação. Muitas vezes, com palavras pouco pensadas e imagens impróprias, Lula cuida de provocar e ampliar as agressões de que têm sido vítimas ele, sua mulher, seu governo”.
“(Não se pode dizer que os outros poderes, sobretudo o Judiciário, tenham operado para a pacificação dos humores; pelo contrário. Sob muitas togas da última instância escondem-se raiva, perseguição política, humilhação e ofensa a direitos elementares, que nascem do ódio ou ajudam a produzi-lo em larga escala)”.

MAIS ESPINHOS
O governador Romeu Zema pode enfrentar novas dificuldades, ainda neste primeiro trimestre, para ver mensagens polêmicas tramitando na Assembleia Legislativa, resultado de sua decisão de manifestar preferência por seu vice, Mateus Simões, para sucedê-lo. Assim, a bancada de oposição, com a simpatia do PL, vai adotar condutas que se deixarão influenciar pela eleição de 2026.

FALSOS NÚMEROS
São mais preocupantes do que mostram, os números e estatísticas sobre violências, maus tratos e abusos praticados contra menores, como constata a deputada Delegada Sheila. Garante que são baixas as notificações, que costumam não ir além de 10% dos crimes realmente praticados.
Os abusos infelicitam, principalmente os mais pobres, embora ocorram em todas as classes sociais.

CLEITINHO
O senador Cletinho (Repúblicanos) aparece bem nas pesquisas para governador, que, com tamanha antecedência do pleito de outubro de 2026, servem para apontar a dimensão da popularidade do político. Outras pesquisas virão de diferentes institutos, desenhando os gráficos da tendência de opinião dos mineiros. No segmento bolsonarista Cleitinho poderá ter boa acolhida no próximo projeto eleitoral, considerando-se a manutenção dessa tendência de popularidade.

MULHERES
A prefeitura homenageia 15 mulheres com o “Troféu Mulher Cidadã”, por contribuições e serviços significativos, iniciativa relacionada com o 8 de março, Dia Internacional da Mulher.
A prefeita busca empoderar as mulheres, sendo que no seu segundo mandatp criou uma secretaria especial das mulheres. Espera-se que elas participem mais da política.
Entre as homenageadas está a ex-vereadora Talia Sobral (PSOL), que, embora tenha conquistado mais de 4 mil votos, em outubro, não se reelegeu por falta de legenda na federação partidária (PSOL/REDE) da qual participou.

ALINHAMENTO
A deputada federal Ana Pimentel, com domicílio eleitoral em JF, aliada fiel da prefeita Margarida, demonstra alinhamento com Gleisi, nova ministra das Relações Institucionais, sinalizando que pode obter recursos para a região.
Gleisi Hoffmann na pasta de articulação política mostra que Lula quer buscar o quarto mandato. A nova ministra tem como principal tarefa cuidar desse projeto eleitoral, como os analistas políticos enxergam a escolha presidencial.

terça-feira, 4 de março de 2025

 



A palavra de Sarney

Ex-presidentes raramente saem do ostracismo que eles mesmo elegem para se preservar e não macular a história de suas experiências. Mesmo quando o país vive momentos delicados ou conturbados, em geral preferem não se expor, afastam-se. E, se abrem raras exceções, é porque falaram mais alto os deveres do passado, que os convencem a trazer uma palavra, não para agravar o que já é grave, mas advertir, contemporizar ou sanear. Semana passada, José Sarney saiu do silêncio do caustro amazonense, para lamentar que o Brasil vive hoje um ódio real, sob o risco de sucumbir num clima de intolerâncias em vastas relações, algo que começa por ameaçar os poderes constituídos; esses mesmos poderes onde a construção da harmonia devia ser o primeiro entre os deveres. Note-se que o ódio já vai escapando dos limites da política e dos governantes, mas avança, em muitos casos, até sobre a organização familiar, como se sabe; tudo de que não precisamos para o Brasil soçobrar de vez.

O país tem se odiado. Nomeia a intolerância para a vaga do diálogo. A figura do atual presidente da República, polêmica por natureza, é bem um exemplo. Nas ondas odiosas, muitas vezes dele para com os adversários, e destes para com ele, elimina-se a crítica construtiva, que cede espaço ao achincalhe e aos deboches nas redes sociais, com uma virulência jamais vista. O ódio está em tempo de disseminação nas asas da tecnologia a serviço da comunicação. Muitas vezes, com palavras pouco pensadas e imagens impróprias, Lula cuida de provocar e ampliar as agressões de que têm sido vítimas ele, sua mulher, seu governo.

(Não se pode dizer que os outros poderes, sobretudo o Judiciário, tenham operado para a pacificação dos humores; pelo contrário. Sob muitas togas da última instância escondem-se raiva, perseguição política, humilhação e ofensa a direitos elementares, que nascem do ódio ou ajudam a produzi-lo em larga escala).

Seja como for, venha de onde vier, nada justifica essa odiosidade imperante, que fez Sarney interromper o silêncio, e, com a autoridade de seus 90 anos, depois de ter sido quase tudo neste país, chamar atenção para um perigo que avulta, como advertiu em sucinta carta enviada ao Correio Braziliense. Fernando Henrique e Michel Temer talvez devessem fazer o mesmo, porque não lhes falta autoridade – diria até que sobra dever - para tanto. Antes que o mal prospere para o desastre. A propósito dos ex, Jânio Quadros já havia lamentado que, diante de maus exemplos, o povo acaba preferindo odiar; esquece de aprender a amar.

Na carta em referência, ele lembra que a História traz lições para mostrar que o ódio não vale a pena. Peregrinou na conhecida erudição, para lembrar que a intolerância extremada é incompatível com os melhores sentimentos, espécie de enfermidade psicótica que só poderia agradar a um Carl Schmitt, um dos inspiradores da eliminação de judeus nos tempos do nazismo. Personalidade nefasta, defensor da violência nas relações com os adversários, em contraste com espíritos superiores, pois estes, como Dostoievski, Shakespeare e Calderón de La Barca, escandalizavam-se com o ódio. Sarney os cita; nem precisava ir tão longe, pois Guimarães Rosa, que tanto admira, já colocou na boca do jagunço Riobaldo Tatarana que é da vocação do ódio sempre sair em busca de outros ódios. Costuma ser endêmico.

Pior quando infelicita a política. Foi por causa de contrariedades ao extremo que a política, em outros anos, manchou sua crônica com sangue. Algo que o ex-presidente e todos nós pedimos a Deus que não se repita. Como se deu no ápice dos velhos litígios de Arnon de Mello e Silvestre Péricles, que trouxeram de sua Alagoas para a Câmara dos Deputados, em 1963, a aversão incontrolável, sob tiros, mas ambos saindo ilesos, morrendo um inocente. Trinta anos antes, na esquina de Rio Branco com Ouvidor, Gilberto Amado derrubou, com um tiro certeiro, seu rival Aníbal Teófilo. Neste JB, em 1977, o general Lopes Bragança, direitista que odiava demais, não negou que havia um plano para assassinar João Goulart em Belo Horizonte, alvejado com arma de precisão. Sarney tem razão, quando, neste momento, há suspeitas de plano sinistro de eliminação fria de presidente e ministros. Para que aqueles desastres se repitam basta qualquer imprevisto, um mero detalhe.

Por todas as razões, porque os políticos cada vez menos se toleram, e porque temos um passado para mostrar que o ódio leva a grandes infelicitações, o ex-presidente veio no momento certo para falar, na hora em que o ar é de tempestade vizinha e ameaçadora. Não perdeu a oportunidade, para não ter de repetir o profeta Isaías: “ai de mim, porque me calei!”.