terça-feira, 30 de setembro de 2025

 


Química delicada

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Assunto predominante, nestes últimos dias, foi que “pintou uma química”, mesmo que com a brevíssima duração de poucos segundos, entre os presidentes Trump e Lula, quando as delegações se cruzaram na sede das Nações Unidas. Sendo ou não um instante de artificialidade, obra de lobby do empresariado americano, interessado em remover embaraços tarifários entre os dois países, fato é que está sinalizada a abertura de um canal para que conversem, num próximo encontro, acima e afora das antipatias pessoais. Surgiu a “química”, expressão popular que ambos empregaram, coincidentemente, mesmo sabendo que são muito diferentes, imiscíveis, como água e óleo. Ou como hipoclorito e amônia, de acordo com nossas lições dos tempos colegiais. Muito diferentes, a começar pelo viés socializante de um, em contraste com as sólidas convicções capitalistas do outro. O bastante para suspeitar de bom entendimento.

Sabemos que qualquer conversa responsável, em nível presidencial, é fruto de uma pauta tratada com antecedência e fixados os pontos a serem abordados, para que se evitem dificuldades e constrangimentos. Um cuidado que se amplia, como no caso presente, em que vêm se repetindo estilhaços nas ofensas em mão dupla. Detalhe delicado, que, para Lula, seria garantia de não se tornar alvo de humilhação da parte de alguém que tem histórico de carregar certa intolerância com interlocutores. Trump é um homem de temperamento imprevisível. Na Casa Branca, os colegas sul-africano e ucraniano padeceram no colóquio. Melhor, portanto, seria que os dois se falassem pelo telefone, com tradução simultânea, evitando-se o risco de um mal-estar presencial. O brasileiro, se interessado em cercar-se de garantias, tem direito de evitar convite para uma reunião em solo norte-americano.

Há um detalhe que parece mais delicado entre os temas a serem discutidos. A Casa Branca jamais negou que as investidas contra Brasília inspiram-se em retaliação política, resultante da ditadura do Judiciário, perseguições aos contrários, em particular a Jair Bolsonaro, e limitações a empresas americanas. A negativa de visto a autoridades brasileiras desinteressantes deixou isso bem claro. Há ministros e familiares proibidos de desembarcar naquele país, o que Lula considera intolerável. Tem, portanto, obrigação de pedir reconsideração. Mas pediria, sabendo do risco de desconcertante negativa? Ou exigiria apenas a revogação do castigo imposto a Alexandre de Morais? Outra coisa: se pacificação é receita de concessões, o que temos para oferecer a Trump que nos seja exequível?

Ao governo brasileiro, como premissa de uma conversa que ainda não sabemos onde se dará, também tem direito de saber se eventual acordo entre os presidentes incluiria o silêncio obsequioso do secretário Marco Rubio, que não tolera os moradores de dois dos nossos palácios – Judiciário e Executivo. Algo a ser combinado.

A “química” não impede que ocorram imprevistos. Mas, em se tratando de pessoas civilizadas, afora a responsabilidade do cargo que ocupam, é de se esperar que Trump confira tratamento adequado ao interlocutor, da mesma forma que caberia a Lula não debochar com as jaboticabas, que gosta de distribuir generosamente.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

 

A Pauta é Política
26 setembro 2025
SOBRE ANISTIA

O jeito encontrado pelas lideranças, para pacificar a política brasileira, foi tentar promover a anistia, sem usar essa palavra, que, por si só, cria divergências e animosidades. Na atual conjuntura, ela também tem o condão se ampliar distâncias entre direita e esquerda. A solução foi partir para o sonho da redução das penas aplicadas sobre os envolvidos nos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023. O lance mais recente, confiado à relatoria do deputado Paulinho da Força, é dar nova roupa, novo rótulo à ideia, para beneficiar responsáveis pela suposta tentativa de golpe; porque essa palavra – anistia – também fere os brios do Supremo Tribunal Federal, autor das pesadas penas aos condenados. Removida a proposta do perdão, o que se deseja é a adoção de penas mais suaves. Cabe aguardar como o relator vai explicar isso, considerando-se que a dosimetria sobre apenados ainda é atribuição de julgador, não de legislador.
Mas não resta dúvida. O que se objetiva para um futuro tão próximo quanto possível é realmente anistiar. E o primeiro passo é reduzir penas, para que as coisas se tornem mais fáceis. O Centrão sabe disso, passou por cima dos partidos, assumiu a paternidade desse plano, altamente favorável a seus candidatos em 2026.
Não se considere Jair Bolsonaro totalmente distante dessa trama. Lembremo-nos que, reagindo a uma onda de anistia, a Constituição de 1891, como Carta maior, considerou que nada impedia que preso político disputasse eleição. No governo Artur Bernardes, Maurício Lacerda foi eleito deputado, imediatamente posto em liberdade para assumir.

BLINDAGEM

A PEC que ampliava demasiadamente as prerrogativas dos parlamentares, jocosamente chamada de Blindagem, acabaria protegendo grandes chefes do crime organizado. É um fato. Aliás, o crime já tem financiado políticos para ingressar no aparelho estatal. Os grandes bandidos se sentiriam animados a comprar mandatos e se verem protegidos, escudados para prosseguir à margem da lei. Felizmente, enojado, o Senado mandou arquivar o projeto.

PROTAGONISMO

Com muita coisa a ser definida para a política mineira, nos próximos meses, acrescente-se o reaparecimento do deputado Aécio Neves, que vinha se mantendo reservado, com raras aparições. Agora, ele vai se preparando para assumir a liderança nacional do PSDB, depois de trabalhar para evitar a morte da legenda. Os tucanos passam a viver sob seu comando já em outubro, primeiro passo para o partido traçar os planos de 2026, quando se elegem governadores e presidente da República.
Sobre seu destino pessoal, assunto do qual ainda mantém reservar, Aécio pode ser candidato a governador ou senador. Seja como for, ele é uma nova peça na montagem dos esquemas eleitorais.
Em Minas, a política muda de rumos e de cores com grande facilidade. O novo protagonismo de Aécio vai comprovar.

A COMBINAR

Depois do encontro, dias atrás, de um trio político veterano - Michel Temer, Aécio Neves e Paulinho da Força – e a interferência dos congressistas do Centrão, para atenuar as penas dos condenados de 8 de janeiro de 2023, o projeto até que pode ser considerado alternativa plausível. Mas, como diria Garrincha, na linguagem esportiva, falta combinar com os russos, o que, agora, seria combinar com os ministros do Supremo Tribunal federal...


quarta-feira, 24 de setembro de 2025

 


Palavras e intenções

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))

Deputados houve que chegaram a pedir a jornalistas que não se referissem à suspeita PEC de Prerrogativas como desabonadora PEC da Blindagem, esse colossal monumento à impunidade, que a Câmara acaba de votar e empurrar para o Senado, com todos os maus odores de origem. Explica-se a preocupação, porque é na arte da semântica que as coisas tornam-se suaves ou menos amargas, como na semana passada desejaram os parlamentares, felizmente não levados em consideração pela imprensa. A proposta é blindagem mesmo, venha com que rótulo vier. Porque o real desejo da grande maioria do plenário, naquela noite fatídica, foi presentear-se com um peito de aço, capaz de amortecer investidas da moralidade e da transparência no trato da coisa pública.

Longe de ser novidade a substituição de expressões, para enganar verdadeiras intenções, como ocorreu, há anos, no caso de um deputado mineiro, vindo da zona rural, carregado de votos, que pretendeu entrar num debate sobre violência contra a mulher. Sugeria que estupro fosse substituído por “penetração imprópria”, mesmo que isso em nada pudesse minimizar a tragédia.

Mas é no jeito de dizer que está o peso da expressão, e a crônica política sabe disso. No velho Congresso, quando já vivia seus últimos dias no Rio, o deputado Bonaparte Pinheiro, sob suspeita de negócios ilícitos, sentiu-se ofendido, quando Carlos Lacerda denunciou sinais da quebra da moralidade parlamentar. Bonaparte quis saber se o colega se referia a deputado virando contrabandista, ao que Lacerda acudiu, dizendo, ao contrário, o que havia era contrabandista virando deputado…Dava no mesmo. Nem atenuava.

(Não é de nossas terras, mas do Oriente distante vem o caso contado por Mansour Chalita, do sultão que sonhara haver perdido todos os dentes, o que o adivinho da corte interpretou como sinal de que morreriam todos os parentes do soberano. Foi castigado por trazer notícia tão sinistra. Outro adivinho chegou para tranquilizar o consulente, com nova versão. Se os dentes caíram, sinal de que o sultão sobreviveria a todos os parentes. A mesma coisa dita de maneira diferente.)

Na arte política o rótulo pode suavizar, como agora se pretende com o poderoso escudo, que dá ao agente político todas as condições para driblar a lei nos crimes que lhe são imputados. Mas imaginemos o pior: se o Senado ceder, adotando a blindagem, abre-se ao crime organizado, já infiltrado na economia e no governo, uma larga e generosa porta para introduzir seus chefes e preservá-los. Denunciados na Justiça, garantidos três meses para a Câmara se pronunciar sobre a conveniência da denúncia, tudo acaba esquecido. Tornam-se intocáveis, inocentados de véspera. Preliminar de salvo-conduto.

Quando se crítica o Congresso, sobretudo ao escorregar em princípios de moral e ética, não falta quem advirta. Se tudo anda ruim, ainda pode piorar. A invenção dessa PEC da Blindagem veio mostrar que, se ontem a situação andava mal, hoje piorou.


2 – O lance mais recente, confiado à relatoria do deputado Paulinho da Força, é remover a ideia de anistia aos condenados pelos atos de janeiro de 2023 e pela suposta tentativa de golpe, porque essa palavra – anistia - fere os brios do Supremo Tribunal Federal, autor das pesadas penas aos condenados. Removida a proposta do perdão, o que se deseja é a adoção de penas mais suaves. Cabe aguardar como o relator vai explicar isso, considerando-se que dosimetria ainda é atribuição de julgador, não de legislador.

Mas não tenhamos dúvida. O que se objetiva para um futuro tão próximo quanto possível, é realmente anistiar. E o primeiro passo é reduzir as penas, para que as coisas se tornem mais fáceis. O Centrão sabe disso, passou por cima dos partidos, assumiu a paternidade desse plano, altamente favorável a seus candidatos em 2026.

(Não se considere Jair Bolsonaro totalmente distante dessa trama. Lembremo-nos que, reagindo a uma onda de anistia, a Constituição de 1891, como Carta maior, considerou que nada impedia que preso político disputasse eleição. No governo Artur Bernardes, Maurício Lacerda foi eleito deputado, imediatamente posto em liberdade para assumir).

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

 

A Pauta é Política



Sobre Tarcísio


A importância de Tarcísio Delgado na história política de Juiz de Fora, morto na semana passada, não se restringe aos três mandatos como prefeito, que o colocaram à frente do município durante 14 anos, jornada de tanto tempo que, antes, só ocorrera no século 19, com o prefeito José Procópio Teixeira. Tarcísio também foi um marco na renovação de lideranças, como bem lembrou, durante o velório, o ex-prefeito Custódio Mattos, que, como Marcus Pestana e Margarida, começou na política pelas mãos dele.


Seus primeiros tempos na vida pública, meados da década 60, haviam sido resultado de muitas reuniões em que se discutia o futuro da cidade. Era no escritório de advocacia de seu mentor, José de Castro Ferreira, também frequentado por Roberto Medeiros, Ivo Jacques de Melo, Amílcar Padovani, entre outros. Uma sala do quarto andar do edifício Clube Juiz de Fora. Desse grupo, o primeiro a disputar a prefeitura foi Wandenkolk Moreira. Tarcísio era um dos nomes cogitados para a Câmara Municipal. Prevaleceu o dele, recém-saído da Faculdade de Direito, além de contar com testado prestígio em Torreões, de onde viera ainda adolescente. As previsões estavam corretas, pois foi o mais votado em 66. Desde então, sua carreira poder ser definida com um característico jeito de ser, segundo palavras de Ulysses Guimarães, com quem conviveu n Câmara: “franco, direto, objetivo, sem subterfúgios”.


Há muita coisa a recordar. Lembro-me do dia 30 de junho de 2015, quando ele e eu fomos convidados, pelo colégio Stela Matutina, a participar de um simpósio sobre Redemocratização. Tomei nota de sua intervenção: “um dos males da ditadura foi a fragilização dos partidos e o desprezo pelos políticos”. Depois, no mesmo encontro, deu testemunho das divergências pontuais de FHC com o ministro Murílio Hingel. O presidente pretendia um Plano Real sem compromissos imediatos com a Educação, e foi advertido que, se insistisse, o Congresso reagiria.


Neste breve registro cabe, ainda, uma sugestão. Trata-se da preservação do acervo da Casa de Memórias, onde ficou guardada farta documentação sobre essa vida quase nonagenária (faltaram poucos dias, porque aniversaria em 4 de outubro). A prefeitura podia ter um espaço adequado

para a guarda do material, destinado a futuras consultas. Há documentos importantes sobre a experiência que ele teve como vereador, presidente da Câmara, prefeito, deputado estadual e federal, diretor do antigo DNER no governo Fernando Henrique. Há, também, registros que falam de sua passagem por um dos momentos mais graves da política nacional, quando das tentativas de retomada da democracia, banida em 64. Como deputado, era integrante do grupo chamado Autêntico, que se jactava de não dar tréguas à ditadura.


Caso a prefeitura não assuma o acervo, hoje guardado num casarão amarelo do Granbery, a missão certamente caberia ao MDB, partido que ele ajudou a fundar em Juiz de Fora, e onde permaneceu por muito tempo.


As fotos:

Ele aos 4 anos; com Tancredo Neves;  casamento  com Isa;  traço de Bello;  cartaz de propaganda como candidato a  prefeito;  jogando futebol; identidade de vereador; com Mello Reis e Custódio Mattos, o três prefeitos em 27 anos; bacharel em Direito; com Ulysses Guimarães; diplomado na Justiça Eleitoral; com emedebistas, e Sílvio Abreu;  saindo de casa para o primeiro dia como prefeito. 



















terça-feira, 16 de setembro de 2025

 


Um olhar na geopolítica

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Faz sentido a curiosidade de setores diplomáticos vizinhos sobre a decisão dos Estados Unidos de fundear, no Caribe, algumas unidades de sua poderosa frota naval, sob o pretexto de inibir o avanço do narcotráfico e seu acesso à Flórida. Como percebem os entendidos no assunto, dois ou três barcos, bem mais modestos, seriam suficientes para desempenhar a contento a missão policial. Todos entendem que ao ostensivo deslocamento, envolvendo milhares de soldados, caberia pressionar a Venezuela a se ver livre do ditador Maduro, já antecipando prêmio de 50 milhões a quem entregá-lo.

Não há negar. Mas seria conveniente tomar em conta que as intenções de Washington são mais ambiciosas, destinadas a ocupar espaços estratégicos na região, quando as grandes potências, e entre elas a terra dos ianques, percebem que o mundo vai provocando redefinições sobre a geopolítica, já que para a atualidade não bastam as territorialidades e influências tratadas, em parte, no pós-Guerra Mundial, ou, desde os anos 80, como resultado quase natural do fim da União Soviética. No confronto de prestígio com o outro lado do mundo, onde florescem e se aproximam China, Rússia e Índia, parece claro que os americanos procuram sinaliza um poderio militar; como se advertissem que na América Latina as ambições do Oriente não terão vez. Querem ser os donos deste pedaço do mundo. Não pode ser outra a intenção daquela frota caríssima e ostensiva surfando águas latinas, que banham povos nem sempre em boas pazes com os vizinhos do Norte, a despeito de o saldo da convivência envolver certas tradições culturais semelhantes, que também influem.

A se confirmar o que, para alguns, não vai além de especulações em campo livre, seria prudente admitir que a Casa Branca vem lançando mão de outros propósitos, além dos mais aparentes. No frigir dos ovos, para o presidente Trump e seus assessores, teriam importância menor a cabeça do ditador venezuelano e mesmo o insucesso, na Justiça, do amigo brasileiro Jair Bolsonaro, que eles tanto admiram. Trump não tolera Maduro e aprecia o ex-presidente, contra quem o Supremo Tribunal pesou a mão; mas isso não quer dizer que, sacrificando objetivos maiores, pretenda ir além do castigo das sobretaxas, sanções comerciais e diplomáticas. No Brasil, alguns parlamentares fantasiam a realidade dos fatos, acham que os Estados Unidos iriam a uma luta mais profunda em nome de nossas questões domésticas. Improvável que dessem mais do que o necessário.

Estas breves divagações levam à constatação de que a política brasileira ainda não deu devida atenção às novas complexidades da dinâmica geopolítica, embora de suas implicações certamente não teremos como escapar. Queiramos ou não, já estamos no centro das grandes disputas.

É tema que ainda não sensibilizou o Congresso Nacional, mesmo que as evidências recomendem atenção, até porque o governo federal antecipa alguns desafios, não apenas ao colocar em xeque as velhas relações com Washington, mas por apostar num mundo diferente daquele com que nos identificamos, como parte do mundo ocidental. O envolvimento com o Brics, a guerra ao dólar, o afago aos que são antipáticos a Tio San já deixaram bem claro como Brasília quer se situar no futuro.

Não seria desperdício de tempo se passássemos a oferecer maiores atenções à geopolítica, que vem se assanhando com incríveis desafios nos mais diversos campos nas relações entre os países, afetando comércio, indústria, espaços físicos, responsabilidades ambientais e criando guerras. Nesse emaranhado, antigos conceitos e compromissos vão sendo questionados à luz da evolução de um mundo de tantas inseguranças.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

 


Tempo de ameaças e desafios

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Veio o Sete de Setembro, para mostrar que as lideranças políticas conseguiram construir um país realmente dividido. E, como nunca antes, a normalidade afetada por divergências agressivas, os discursos transformados em sinais de guerra, os grandes chefes arredios ao indispensável diálogo, que acabou reduzido a papel secundário na vida pública, quando, na verdade, devia ser o primeiro entre os valores da convivência em clima civilizado. Pois a comemoração, ironicamente cívica, aprofundou diferenças, dobrou o calendário sem sugerir luz para a retomada de uma convivência em que os grandes interesses nacionais se sobreponham aos problemas da hora. O que se sentiu nas manifestações foi o oposto ao ideal. Em sonho, desejou-se que o dia da pátria, depois de recolhidos canhões e bandeiras, de volta à casa os milhões de manifestantes, descobrisse nas ruas o caminho por onde podemos vencer o grande desafio e as tensões que vive o Brasil hoje.

Mais grave foi subir aos palanques o temor que progride na crise entre os três Poderes; tudo para preocupar a quem cuida, com sinceridade e devotamento, dos destinos do país.

Esbarramos, então, num ponto verdadeiramente crucial. Já não dispomos de líderes talentosos e sem rancores, na atual conjuntura, o que impede celebrar acordos, conversar seriamente e vencer animosidades. Por sobretudo, pairam desafios e ameaças. É o que temos entre os governantes e entre os poderes. Se não vejamos. O Congresso, por conta da maioria de votos, pressiona anistiar todos os envolvidos na suposta trama golpista de janeiro de 2023, porque o julgamento a que estão sendo submetido é de natureza política, então politicamente tem de ser tratado. O Supremo Tribunal, ofendido, reage a isso, promete responder feroz às emendas impositivas, algo destinado a sufocar os planos de reeleição de deputados e senadores. O Executivo, de sua parte, antecipa a campanha eleitoral, e reduz todos os desafios à bandeira da soberania. Tenta mostrar um Brasil à beira de ser invadido pelos ianques.

Quando as diferenças políticas tomam corpo, como está acontecendo agora, a ausência mais sentida é a do pacificador. Difícil encontrá-lo, porque quaisquer que sejam os horizontes, o que se vê é gente armada, punhos fechados, o azedume de dentes cerrados, os bombardeios pelas vias sociais transformadas em fábricas de agressões.

Tudo está ficando muito difícil.


Amanhã, para reflexão


Não foi apenas para ceder a mera curiosidade que quis saber como andam nossos cuidados legislativos ligados à saúde mental da população, já que a Organização das Nações Unidas recomenda especial atenção, amanhã, para o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. É um problema que ainda guarda mistérios e preconceitos, além de muitas sociedades tratarem disso como questão que deva ser limitada à tragédia dos distúrbios das pessoas, com elas conviver e com elas morrer. Vemos que, no Congresso Nacional, em uma década, deputados e senadores cuidaram vagamente da causa, resultando em 20 projetos, que acabaram não levando a grandes avanços. Como nem tudo está perdido, melhor foi saber que, no mês passado, lei federal passou a exigir que os Conselhos Profissionais de Saúde têm de cuidar diretamente desse problema. Já é um passo.

Em boa hora, porque ansiedades e frustrações acumulam-se sobre a mente de populações sensíveis nos grandes centros urbanos. Vale lembrar que não é exatamente correta a ideia de que os índices de suicídio afetam os países mais desenvolvidos, onde as populações sofrem o tédio de não terem problemas a solucionar. Engano. Os países menos contemplados também padecem, porque suas dificuldades são imensas; e estatísticas cuidam de aprofundar preocupações, por causa da alta incidência de jovens. É um detalhe para agravar e perturbar os cientistas. Albert Camus, falando a esses estudiosos, lembrava que o autoextermínio tem a ver com a natural atração pelo nada, mas o ex-ministro Saulo Ramos contribuía com a visão de jurista, para dizer que “o mal do suicida é não dar direito de defesa à sua vítima, ele próprio, quando está fora de si”. As indagações são enormes.

(Mesmo com visões as mais diversas, ninguém pode discordar: os governos e a sociedade precisam investir tudo nas campanhas de prevenção, evitar essa tragédia, tanto quanto possível. Já se disse que, na História, apenas dois suicídios são aceitáveis – Judas Escariotes e Adolph Hitler).


terça-feira, 2 de setembro de 2025

 

Dúvidas para 2026

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

A impossibilidade de elaboração de melhores previsões sobre a sucessão presidencial, quando ainda temos um ano com tanta coisa a acontecer e não acontecer, seria o suficiente para desestimular as lideranças políticas a inciativas apressadas. Algumas agem como se a eleição já batesse às portas; além do fato de que pesquisas que hoje são feitas, e nas quais se inspiram os apressados, só refletem um eleitor não totalmente definido sobre o voto tão distante; e também porque ele mesmo, o votante, é o que mais se deixa influenciar por fatores e circunstâncias de última hora. E a política aprecia mudar coisas nas vésperas. Portanto, convém não ignorar que, antes de as urnas entrarem em cena, acumulam-se fatores imponderáveis e surpresas possíveis, como bem sabem os veteranos que atuam nesse campo de tamanha complexidade. Os mais sábios nunca antecipam todas as cartas no pano verde. Estranhável, por isso, que alguns partidos já queiram apear da base política do governo, sem saber exatamente aonde ir.

Um detalhe que talvez mereça ser considerado, antes de qualquer outro, quando a curiosidade é saber com quem o poder estará a partir de janeiro de 2027. Para a próxima eleição, esse detalhe está nos indícios, vários deles já salientes, de que serão numerosos os fatores capazes de influir no destino da Presidência da República. Em pleitos anteriores era possível alguma previsibilidade, por causa da consistência dos grandes partidos, o que não temos hoje.

A primeira dúvida, justificada, surge do destino do próprio presidente Lula, apontado como favorito em algumas capitais e cidades de grande porte. A dúvida é que ele condiciona sua entrada na peleja eleitoral às condições de saúde que terá no momento em que se torna o ancião octogenário. Mesmo que apregoe vigor suficiente, tem consciência de que o peso do tempo impõe regras e limites, como também prevalece o desgastado ânimo para se debater com problemas insolúveis. É natural. Pior é que, na hora de confrontar o desejo de continuar e a realidade do ônus, achando conveniente afastar-se, terá pela frente o desafio de escolher, patrocinar e garantir um candidato leal e factível eleitoralmente. Lula, como o bambuzal do agreste, não deixou quem crescesse ao redor, capaz de produzir sombras próprias no final da jornada, que vai chegando. Acresce o risco de, tentando o quarto mandato, não ter pela frente o espectro Bolsonaro, depois de nele passar investindo quatro anos de críticas e contrastes, elegendo-o como razão de todos os seus demônios.

Prever como andarão as coisas, e como estarão daqui a um ano e mês, também esbarra em dificuldades para medir o potencial que no momento decisivo terão os governadores, os principais deles muito bem avaliados. Assim permanecendo, alguns virão em condições de disputar. Se não disputar, influir decisivamente. Seria perigoso não olhar o patrimônio eleitoral de Tarcísio, Caiado, Ratinho Jr, Eduardo Leite, Romeu Zema e Raquel Lyra, todos com mais de 50% de aprovação. Semelhante quadro esteve ausente em disputas presidenciais anteriores. Mesmo todos com ambições miradas no mesmo alvo, uma ocasional afinidade entre eles, alguns ou todos, seria capaz de mudar o cenário das urnas.

Esse 2026 não vai chegar sem que antes se dissipem muitas dúvidas.