quarta-feira, 17 de setembro de 2025

 

A Pauta é Política



Sobre Tarcísio


A importância de Tarcísio Delgado na história política de Juiz de Fora, morto na semana passada, não se restringe aos três mandatos como prefeito, que o colocaram à frente do município durante 14 anos, jornada de tanto tempo que, antes, só ocorrera no século 19, com o prefeito José Procópio Teixeira. Tarcísio também foi um marco na renovação de lideranças, como bem lembrou, durante o velório, o ex-prefeito Custódio Mattos, que, como Marcus Pestana e Margarida, começou na política pelas mãos dele.


Seus primeiros tempos na vida pública, meados da década 60, haviam sido resultado de muitas reuniões em que se discutia o futuro da cidade. Era no escritório de advocacia de seu mentor, José de Castro Ferreira, também frequentado por Roberto Medeiros, Ivo Jacques de Melo, Amílcar Padovani, entre outros. Uma sala do quarto andar do edifício Clube Juiz de Fora. Desse grupo, o primeiro a disputar a prefeitura foi Wandenkolk Moreira. Tarcísio era um dos nomes cogitados para a Câmara Municipal. Prevaleceu o dele, recém-saído da Faculdade de Direito, além de contar com testado prestígio em Torreões, de onde viera ainda adolescente. As previsões estavam corretas, pois foi o mais votado em 66. Desde então, sua carreira poder ser definida com um característico jeito de ser, segundo palavras de Ulysses Guimarães, com quem conviveu n Câmara: “franco, direto, objetivo, sem subterfúgios”.


Há muita coisa a recordar. Lembro-me do dia 30 de junho de 2015, quando ele e eu fomos convidados, pelo colégio Stela Matutina, a participar de um simpósio sobre Redemocratização. Tomei nota de sua intervenção: “um dos males da ditadura foi a fragilização dos partidos e o desprezo pelos políticos”. Depois, no mesmo encontro, deu testemunho das divergências pontuais de FHC com o ministro Murílio Hingel. O presidente pretendia um Plano Real sem compromissos imediatos com a Educação, e foi advertido que, se insistisse, o Congresso reagiria.


Neste breve registro cabe, ainda, uma sugestão. Trata-se da preservação do acervo da Casa de Memórias, onde ficou guardada farta documentação sobre essa vida quase nonagenária (faltaram poucos dias, porque aniversaria em 4 de outubro). A prefeitura podia ter um espaço adequado

para a guarda do material, destinado a futuras consultas. Há documentos importantes sobre a experiência que ele teve como vereador, presidente da Câmara, prefeito, deputado estadual e federal, diretor do antigo DNER no governo Fernando Henrique. Há, também, registros que falam de sua passagem por um dos momentos mais graves da política nacional, quando das tentativas de retomada da democracia, banida em 64. Como deputado, era integrante do grupo chamado Autêntico, que se jactava de não dar tréguas à ditadura.


Caso a prefeitura não assuma o acervo, hoje guardado num casarão amarelo do Granbery, a missão certamente caberia ao MDB, partido que ele ajudou a fundar em Juiz de Fora, e onde permaneceu por muito tempo.







terça-feira, 16 de setembro de 2025

 


Um olhar na geopolítica

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Faz sentido a curiosidade de setores diplomáticos vizinhos sobre a decisão dos Estados Unidos de fundear, no Caribe, algumas unidades de sua poderosa frota naval, sob o pretexto de inibir o avanço do narcotráfico e seu acesso à Flórida. Como percebem os entendidos no assunto, dois ou três barcos, bem mais modestos, seriam suficientes para desempenhar a contento a missão policial. Todos entendem que ao ostensivo deslocamento, envolvendo milhares de soldados, caberia pressionar a Venezuela a se ver livre do ditador Maduro, já antecipando prêmio de 50 milhões a quem entregá-lo.

Não há negar. Mas seria conveniente tomar em conta que as intenções de Washington são mais ambiciosas, destinadas a ocupar espaços estratégicos na região, quando as grandes potências, e entre elas a terra dos ianques, percebem que o mundo vai provocando redefinições sobre a geopolítica, já que para a atualidade não bastam as territorialidades e influências tratadas, em parte, no pós-Guerra Mundial, ou, desde os anos 80, como resultado quase natural do fim da União Soviética. No confronto de prestígio com o outro lado do mundo, onde florescem e se aproximam China, Rússia e Índia, parece claro que os americanos procuram sinaliza um poderio militar; como se advertissem que na América Latina as ambições do Oriente não terão vez. Querem ser os donos deste pedaço do mundo. Não pode ser outra a intenção daquela frota caríssima e ostensiva surfando águas latinas, que banham povos nem sempre em boas pazes com os vizinhos do Norte, a despeito de o saldo da convivência envolver certas tradições culturais semelhantes, que também influem.

A se confirmar o que, para alguns, não vai além de especulações em campo livre, seria prudente admitir que a Casa Branca vem lançando mão de outros propósitos, além dos mais aparentes. No frigir dos ovos, para o presidente Trump e seus assessores, teriam importância menor a cabeça do ditador venezuelano e mesmo o insucesso, na Justiça, do amigo brasileiro Jair Bolsonaro, que eles tanto admiram. Trump não tolera Maduro e aprecia o ex-presidente, contra quem o Supremo Tribunal pesou a mão; mas isso não quer dizer que, sacrificando objetivos maiores, pretenda ir além do castigo das sobretaxas, sanções comerciais e diplomáticas. No Brasil, alguns parlamentares fantasiam a realidade dos fatos, acham que os Estados Unidos iriam a uma luta mais profunda em nome de nossas questões domésticas. Improvável que dessem mais do que o necessário.

Estas breves divagações levam à constatação de que a política brasileira ainda não deu devida atenção às novas complexidades da dinâmica geopolítica, embora de suas implicações certamente não teremos como escapar. Queiramos ou não, já estamos no centro das grandes disputas.

É tema que ainda não sensibilizou o Congresso Nacional, mesmo que as evidências recomendem atenção, até porque o governo federal antecipa alguns desafios, não apenas ao colocar em xeque as velhas relações com Washington, mas por apostar num mundo diferente daquele com que nos identificamos, como parte do mundo ocidental. O envolvimento com o Brics, a guerra ao dólar, o afago aos que são antipáticos a Tio San já deixaram bem claro como Brasília quer se situar no futuro.

Não seria desperdício de tempo se passássemos a oferecer maiores atenções à geopolítica, que vem se assanhando com incríveis desafios nos mais diversos campos nas relações entre os países, afetando comércio, indústria, espaços físicos, responsabilidades ambientais e criando guerras. Nesse emaranhado, antigos conceitos e compromissos vão sendo questionados à luz da evolução de um mundo de tantas inseguranças.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

 


Tempo de ameaças e desafios

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Veio o Sete de Setembro, para mostrar que as lideranças políticas conseguiram construir um país realmente dividido. E, como nunca antes, a normalidade afetada por divergências agressivas, os discursos transformados em sinais de guerra, os grandes chefes arredios ao indispensável diálogo, que acabou reduzido a papel secundário na vida pública, quando, na verdade, devia ser o primeiro entre os valores da convivência em clima civilizado. Pois a comemoração, ironicamente cívica, aprofundou diferenças, dobrou o calendário sem sugerir luz para a retomada de uma convivência em que os grandes interesses nacionais se sobreponham aos problemas da hora. O que se sentiu nas manifestações foi o oposto ao ideal. Em sonho, desejou-se que o dia da pátria, depois de recolhidos canhões e bandeiras, de volta à casa os milhões de manifestantes, descobrisse nas ruas o caminho por onde podemos vencer o grande desafio e as tensões que vive o Brasil hoje.

Mais grave foi subir aos palanques o temor que progride na crise entre os três Poderes; tudo para preocupar a quem cuida, com sinceridade e devotamento, dos destinos do país.

Esbarramos, então, num ponto verdadeiramente crucial. Já não dispomos de líderes talentosos e sem rancores, na atual conjuntura, o que impede celebrar acordos, conversar seriamente e vencer animosidades. Por sobretudo, pairam desafios e ameaças. É o que temos entre os governantes e entre os poderes. Se não vejamos. O Congresso, por conta da maioria de votos, pressiona anistiar todos os envolvidos na suposta trama golpista de janeiro de 2023, porque o julgamento a que estão sendo submetido é de natureza política, então politicamente tem de ser tratado. O Supremo Tribunal, ofendido, reage a isso, promete responder feroz às emendas impositivas, algo destinado a sufocar os planos de reeleição de deputados e senadores. O Executivo, de sua parte, antecipa a campanha eleitoral, e reduz todos os desafios à bandeira da soberania. Tenta mostrar um Brasil à beira de ser invadido pelos ianques.

Quando as diferenças políticas tomam corpo, como está acontecendo agora, a ausência mais sentida é a do pacificador. Difícil encontrá-lo, porque quaisquer que sejam os horizontes, o que se vê é gente armada, punhos fechados, o azedume de dentes cerrados, os bombardeios pelas vias sociais transformadas em fábricas de agressões.

Tudo está ficando muito difícil.


Amanhã, para reflexão


Não foi apenas para ceder a mera curiosidade que quis saber como andam nossos cuidados legislativos ligados à saúde mental da população, já que a Organização das Nações Unidas recomenda especial atenção, amanhã, para o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. É um problema que ainda guarda mistérios e preconceitos, além de muitas sociedades tratarem disso como questão que deva ser limitada à tragédia dos distúrbios das pessoas, com elas conviver e com elas morrer. Vemos que, no Congresso Nacional, em uma década, deputados e senadores cuidaram vagamente da causa, resultando em 20 projetos, que acabaram não levando a grandes avanços. Como nem tudo está perdido, melhor foi saber que, no mês passado, lei federal passou a exigir que os Conselhos Profissionais de Saúde têm de cuidar diretamente desse problema. Já é um passo.

Em boa hora, porque ansiedades e frustrações acumulam-se sobre a mente de populações sensíveis nos grandes centros urbanos. Vale lembrar que não é exatamente correta a ideia de que os índices de suicídio afetam os países mais desenvolvidos, onde as populações sofrem o tédio de não terem problemas a solucionar. Engano. Os países menos contemplados também padecem, porque suas dificuldades são imensas; e estatísticas cuidam de aprofundar preocupações, por causa da alta incidência de jovens. É um detalhe para agravar e perturbar os cientistas. Albert Camus, falando a esses estudiosos, lembrava que o autoextermínio tem a ver com a natural atração pelo nada, mas o ex-ministro Saulo Ramos contribuía com a visão de jurista, para dizer que “o mal do suicida é não dar direito de defesa à sua vítima, ele próprio, quando está fora de si”. As indagações são enormes.

(Mesmo com visões as mais diversas, ninguém pode discordar: os governos e a sociedade precisam investir tudo nas campanhas de prevenção, evitar essa tragédia, tanto quanto possível. Já se disse que, na História, apenas dois suicídios são aceitáveis – Judas Escariotes e Adolph Hitler).


terça-feira, 2 de setembro de 2025

 

Dúvidas para 2026

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

A impossibilidade de elaboração de melhores previsões sobre a sucessão presidencial, quando ainda temos um ano com tanta coisa a acontecer e não acontecer, seria o suficiente para desestimular as lideranças políticas a inciativas apressadas. Algumas agem como se a eleição já batesse às portas; além do fato de que pesquisas que hoje são feitas, e nas quais se inspiram os apressados, só refletem um eleitor não totalmente definido sobre o voto tão distante; e também porque ele mesmo, o votante, é o que mais se deixa influenciar por fatores e circunstâncias de última hora. E a política aprecia mudar coisas nas vésperas. Portanto, convém não ignorar que, antes de as urnas entrarem em cena, acumulam-se fatores imponderáveis e surpresas possíveis, como bem sabem os veteranos que atuam nesse campo de tamanha complexidade. Os mais sábios nunca antecipam todas as cartas no pano verde. Estranhável, por isso, que alguns partidos já queiram apear da base política do governo, sem saber exatamente aonde ir.

Um detalhe que talvez mereça ser considerado, antes de qualquer outro, quando a curiosidade é saber com quem o poder estará a partir de janeiro de 2027. Para a próxima eleição, esse detalhe está nos indícios, vários deles já salientes, de que serão numerosos os fatores capazes de influir no destino da Presidência da República. Em pleitos anteriores era possível alguma previsibilidade, por causa da consistência dos grandes partidos, o que não temos hoje.

A primeira dúvida, justificada, surge do destino do próprio presidente Lula, apontado como favorito em algumas capitais e cidades de grande porte. A dúvida é que ele condiciona sua entrada na peleja eleitoral às condições de saúde que terá no momento em que se torna o ancião octogenário. Mesmo que apregoe vigor suficiente, tem consciência de que o peso do tempo impõe regras e limites, como também prevalece o desgastado ânimo para se debater com problemas insolúveis. É natural. Pior é que, na hora de confrontar o desejo de continuar e a realidade do ônus, achando conveniente afastar-se, terá pela frente o desafio de escolher, patrocinar e garantir um candidato leal e factível eleitoralmente. Lula, como o bambuzal do agreste, não deixou quem crescesse ao redor, capaz de produzir sombras próprias no final da jornada, que vai chegando. Acresce o risco de, tentando o quarto mandato, não ter pela frente o espectro Bolsonaro, depois de nele passar investindo quatro anos de críticas e contrastes, elegendo-o como razão de todos os seus demônios.

Prever como andarão as coisas, e como estarão daqui a um ano e mês, também esbarra em dificuldades para medir o potencial que no momento decisivo terão os governadores, os principais deles muito bem avaliados. Assim permanecendo, alguns virão em condições de disputar. Se não disputar, influir decisivamente. Seria perigoso não olhar o patrimônio eleitoral de Tarcísio, Caiado, Ratinho Jr, Eduardo Leite, Romeu Zema e Raquel Lyra, todos com mais de 50% de aprovação. Semelhante quadro esteve ausente em disputas presidenciais anteriores. Mesmo todos com ambições miradas no mesmo alvo, uma ocasional afinidade entre eles, alguns ou todos, seria capaz de mudar o cenário das urnas.

Esse 2026 não vai chegar sem que antes se dissipem muitas dúvidas.