terça-feira, 8 de fevereiro de 2022


Federações natimortas



(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )) 

Nascida sem que pudesse dissimular a índole de maquiagem das velhas coligações, que tanto mal produziram na representação parlamentar, a federação dos partidos acabou exigindo pouco tempo, nada mais que algumas semanas, para desmascarar-se a si mesma. Logo estampou sua incapacidade de unir, com seriedade, siglas com um mínimo de identidade e visão patriótica, mas traída pelo poder operacional dos interesses estaduais, sempre acima e à frente das questões nacionais; um certo ranço do modelo que prosperava com desenvoltura na Velha República: os estados sempre antes da Federação, tempo em que as decisões começavam pelos membros menores, que ditavam a conduta do corpo maior.

As dificuldades dessas estranhas fusões não seriam novidade, muito menos causa de espanto, porque em qualquer época passada as eleições brasileiras puderam assistir a muitos cenários esdrúxulos, como a ligação de partidos de esquerda unindo-se a extremistas da direita; sim, porque assim, em determinado momento, ditavam conveniências regionais. Passada a temporada dos momentâneos interesses, retomavam-se antigos rancores, alguns célebres, sobrevividos em variadas histórias pitorescas. Dissipavam-se os ódios, que, havendo necessidade, voltam a sopravam velhas cinzas, e depois descansar nos antigos túmulos. 

No caso atual, tempo das federações, os problemas logo se evidenciaram com o pedido protocolizado junto ao TSE para que a pretendida associação dos partidos não mais obedeça à exigência dos seis meses constitutivos, contados antes das eleições de outubro. Pretendeu-se encurtar a antecedência para apenas dois meses, dadas as evidentes dificuldades para um diálogo produtivo e conclusivo entre possíveis aliados. Visto estavam a ponderar os imbróglios estaduais. O pedido de tempo para pensar e acertar é suficiente para evidenciar a fragilidade da invenção federativa, pá de coveiro chamada a exumar as velhas coligações. Invenção laboratorial que, a ser mantida, mesmo diante de tamanha artificialidade, não terá como garantir os quatro anos de sobrevivência que a lei impôs aos criativos “doutores silvanas” da política, inventores do monstrengo. Até porque não haveria como resistir ao teste da eleição dos prefeitos em 24. Pode-se apostar: assumida a nova legislatura, em fevereiro, os próprios parlamentares, reeleitos ou novatos, cuidarão de devolver ao túmulo as coligações pintadas de federação.

Esta é uma dedução que certamente não pecará pela impertinência, depois de as urnas deste ano ajudarem a inviabilizar esse laboratório de complicadas misturas de partidos e ingredientes que não estão conseguindo a assimilação pretendida. No máximo, num exercício de generosidade, salvará partidos nanicos que correm para escapar da guilhotina do desempenho e, talvez, assegurem acesso a algumas migalhas dos fundos eleitorais ou escassos segundos de propaganda na TV. Mais que isso seria esperar quase o impossível.

Não se fala do vice

As articulações que gravitam em torno das pré-candidaturas à Presidência da República passam ao largo, quando se trata de nomes cogitáveis para a vice. O que se tem visto são raras especulações ou comentários quase sempre sem maior consistência. A explicação geralmente conhecida é que na composição das forças políticas o vice está condenado a ser resultado das alianças possíveis, situação que explica um fato bastante conhecido: a escolha costuma não coincidir com o gosto e a preferência de quem encabeça a chapa.

Do pouco que se tem falado a respeito, depreende-se que o PT planeja convidar o egresso tucano Geraldo Alkmin, missão que está a exigir grande esforço, porque o projeto fica longe de ser do agrado da maioria petista, cujo paladar repugna esse cardápio. Em outra vertente, o governador paulista João Dória, também pré-candidato, mal disfarça o desejo de ter a companhia de um nome do MDB, partido que finge não aceitar, mas sabe muito bem como tirar proveito do cargo, sem sofrer os desgastes naturais da Presidência. E é o que temos.

O nome do vice, produto dos acertos, muitas vezes também resultado de longo processo de exclusões, devia ser uma peça mais importante no debate eleitoral, sem que se perca de vista que, longe do papel de mero figurante, é quem pode ser chamado, nas eventualidades, a assumir os destinos do país, muitas vezes em momentos gravíssimos. Neste particular, o Brasil tem relevância, pois, diferentemente do que se experimentou em qualquer outro país, aqui os vice-presidentes protagonizaram metade da história republicana. De Floriano a Temer. Quase invariavelmente, as crises políticas começaram com eles ou terminaram neles, realidade que tem tudo para estranhar a irrelevância com que a disputa presidencial os relega, sempre esperando que se formem os comboios das alianças para embarcar em um deles.

Não apenas por curiosidade, releva saber, para se confirmar a importância de quem sucede ou substitui os titulares, que em nossa acidentada peregrinação pela República na pele dos vices somos duplamente recordistas mundiais. O mandato mais curto, em 1955, com Carlos Luz, que presidiu por apenas três dias; o mais longo, quando Sarney ficou com os cinco anos de Tancredo Neves, assumindo o primeiro lugar, até então com Andrew Johnson, que havia abiscoitado três anos e 11 meses de Lincoln, nos Estados Unidos.

Vê-se, sem maior esforço, que o eventual sempre teve papel notável na História. Bastaria isso para justificar a necessidade de a campanha pelos votos colocá-lo em lugar privilegiado e decisivo, expondo suas ideias, e o eleitor possa conhecer quem poderá estar, em qualquer dia, assumindo o destino desses milhões que somos nós.

É preciso cobrar

Certamente que, não sendo raras as divagações no plenário do Supremo Tribunal Federal, onde, ainda recentemente, houve tempo e vagar para se ocupar do caso de alguém que roubou um quilo de picanha, é de se esperar que, encerrando agora seu recesso, a corte insista com o Congresso Nacional para que demonstre, claramente, os critérios obedecidos (se é que houve sérios critérios) para a destinação das verbas do chamado “orçamento secreto”, que, pelo próprio nome, já autoriza muitas dúvidas. No Senado, o relator da peça fantasma, Márcio Bittar, ficou devendo a relação dos parlamentares que endossaram, e tendo nomes preservados, os pedidos formulados por prefeitos, vereadores e entidades, todos contemplados. Quem são os patronos das generosas emendas? Nada, absolutamente nada, justifica cobrir de segredos o destino do dinheiro que sai dos impostos. Portanto, nesse lamentável episódio encoberto, estão aparelhados os poderes Legislativo e Judiciário. Não têm como se eximir.

Há um vácuo no cumprimento das exigências do STF, onde, vê-se, as exigências de transparência com outros poderes não são tão abrangentes como deviam ser.

Já nem se questiona, ainda que fosse de total pertinência, avaliar a aplicação das verbas de emendas, como as que passaram com a discreta simpatia do atual presidente do Senado por Minas, e do que o antecedeu, influente o bastante para destinar R$ 3,8 milhões para a construção de novo estádio no Amapá. Sabem todos que não só lá, como em qualquer outro lugar do Brasil, o que menos faz falta é campo de futebol.

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