terça-feira, 1 de fevereiro de 2022


Rica e pobre campanha



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))



Na campanha eleitoral deste ano há uma coisa da qual os partidos e os candidatos não poderão se queixar, porque, além de ser farta a coleção de temas que estão a exigir discussões sérias e profundas, quem for aos palanques vai contar com a generosidade do Fundo Eleitoral, que ampliou suas reservas de R$ 2 bi para R$ 6 bi, violência praticada pelos deputados contra a seriedade, depois de obterem sanção presidencial com a lógica da extorsão. Aporte-se a esse tesouro o Fundo Partidário, mesmo que bem mais modesto, com R$ 1 bi, mas longe de estar na indigência. Obra do Congresso ao avançar no dinheiro que sai suado do bolso do povo. Acho que já reproduzi aqui o que, certa vez, disse o senador americano John Randolph: o mais delicioso dos privilégios é mesmo gastar o dinheiro dos outros… Sem dúvida.

Não será, portanto, por falta de dinheiro que a campanha teria de se empobrecer quanto ao conteúdo, nem abrir mão de um alto nível, para se empenhar apenas no destino dos candidatos; mas, acima de tudo, que se transformasse numa eficiente jornada cívica, ajudando a instruir a natureza e a responsabilidade do voto.

Feitas algumas comparações com o resto do mundo, algumas já conhecidas, observa-se que o Brasil pode ser incluído entre os que mais produzem maldades nas campanhas eleitorais, porque, na leva das verbas vultosas dos fundos, elegem-se poucos bem intencionados e muitos com ideias e planos perversos, valendo-se do dinheiro da população para trabalhar exatamente contra os interesses dela.

Um ponto de observação, a partir dessa terrível realidade, recomenda que o eleitor deve se tornar mais exigente com o voto. Adotar extremo cuidado com os lobos que se vestem com pele de cordeiro, os que balem falsamente, dificultando a fácil identificação dos maus. Porque se os indesejados não trazem estrela na testa e não há como adivinhá-los, tudo concorre para que o voto se acautele cada vez mais, e não afunde no pântano da política armada pelos maus caracteres, que são muitos e nenhum pudor.

Se a realidade política dos nossos dias revela o mundo de armadilhas e tramas contra os interesses nacionais, maior é a insegurança de grande parcela da população; e exatamente por isso não se pode abrir mão da guarda. Portanto, desconfiar das promessas vãs, seguidas de falsos sorrisos e agrados fáceis. Que assim seja neste 2022, para que o brasileiro não continue sendo criticado como gente que não sabe votar. Há anos, disse Pelé, num intervalo de suas habilidades com a bola, que o brasileiro precisava aprender a votar, referindo-se à pobreza da representação nas casas dos poderes. Hoje, o professor Daniel Ibrahim Marun, que vai publicar ensaio sobre eleições em países que visitou, como México, Canadá e Espanha, chega a conclusão muito próxima do atleta, garantindo que todos os males brotam e prosperam do descuido dos eleitores, principalmente quando votam com excesso de paixão ou ódio exagerado. Estejam eles na terra de Pelé ou em qualquer lugar do mundo.

Maioridade penal

É natural certa dificuldade em assimilar, muito menos adotar, o argumento corrente entre senadores e deputados candidatos, de que o ano eleitoral não é adequado para o debate de temas de maior relevância. A lógica sugere entendimento oposto, porque, se é chegada a hora de enfrentar a sociedade, e dela ouvir grandes preocupações, é mais que natural abraçar a oportunidade para se falar sobre questões momentosas.

Sob o mesmo pretexto da inoportunidade, e com o temor de maiores cobranças resultantes das urnas, continuam sendo empurradas para o futuro discussões importantes; e, ainda agora, é o que se dá com a questão a maioridade penal aos 16 anos, como recomendou PEC já aprovada pela Câmara em 2015. Naquele ano, estimulava os deputados uma pesquisa que dava 70% da população apoiando a ideia de que, sendo outros os tempos, é inconcebível que, menor de 18 anos, o brasileiro seja considerado penalmente imputável.

Vale, pelo menos, discutir o assunto, porque, com ou sem coincidência com o ano das urnas, não se esgotaram as razões para que sejam retomadas as divergências, ainda que poucos reconheçam as amplas responsabilidades do garotão, que aos 16 anos pode votar, casar e se habilitar para dirigir carro, mas continua abençoado pela tolerância do Código Penal para cometer os mais diversos crimes, entre os quais, não raro, os hediondos. Quando passa dos 15 anos, vivendo num mundo sem antigas inocências, mas sob fantástica massa de informação, ele perde o direito de dizer que não sabia o que estava fazendo ou distinguiu o mal e o bem. Mas este argumento é insuficiente para os que não querem mexer na lei, além de terem como certo que, preso, um jovem de 16 anos também estará automaticamente condenado a ser criminoso para o resto da vida. Se é verdade, cabe lembrar que a escassa possibilidade de recuperação não vai cair apenas sobre o moço delinquente, mas ocorre em relação à totalidade da população apenada. É a realidade que a condena a isso.

Há anos, a desembargadora Áurea Pimentel Pereira, daqui do Rio, lembrava, e hoje ainda sua reflexão serve para se avaliar delitos praticados por menores, que o comportamento criminoso não está ligado, necessariamente, à exclusão social, à miséria e aos indigentes. O bandido, moço ou velho, não será apenas vítima dos defeitos do seu tempo, nem apenas excluídos das favelas, porque quem viola a lei está em todo lugar; e, muitas vezes, informado e instruído no recesso do lar. Demais, se todos os crimes forem atribuídos à vida miserável, o que dizer dos miseráveis que não se corrompem, vivem honestamente e vencem?

O que poderia justificar descaso com questões dessa natureza, que ferem fundo o interesse da população, e mantê-las equidistantes da campanha eleitoral e dos que em breve votarão e serão votados?

A quem chamar ?

Na última vez em que se tornaram arestosas e aquecidas as relações do presidente da República com o Supremo Tribunal Federal, situação do tipo das que sempre justificam temores da nação, pediu-se o socorro conciliador de Michel Temer, que, bem sucedido, mostrou competência para aplicar panos quentes sob o clima de festa da Independência. Agora, a disputa de prestígio e de poder retorna ao cenário, depois que Bolsonaro se recusou ir à Polícia Federal para depor sobre suposto vazamento de dados sigilosos do Tribunal Superior Eleitoral.

O novo quadro tem tudo para ampliar o clima de tensões, sem que se saiba se o ex-presidente Temer ainda dispõe de suficiente chá de ervas para esfriar a febre dos desafetos Bolsonaro e ministro Alexandre Morais. Resta algum pessimismo em relação a isso, porque não há remédio capaz de durar sempre. E ninguém consegue ser pacificador de plantão.

Há um detalhe a ser considerado ao lado desse impasse de cordas esticadas entre o Palácio do Planalto e o Supremo. É hora de avaliar até que ponto Bolsonaro se sente com costas largas para ganhar o apoio dos militares no grave conflito, já que pouco espera de ajuda política do Congresso; sim, porque, no presente caso, a solidariedade não poderia contar com favores compensatórios, como os parlamentares gostam de cobrar pelos bons serviços prestados. Por outro lado, pergunta-se, até que ponto seu desafeto, Moraes, poderá se valer da adesão ou tolerância de seus pares na corte. Nem todos o eximem da culpa de estar esticando excessivamente essa corda, que ninguém vê nem toca, mas existe e é muito perigosa.

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