terça-feira, 6 de dezembro de 2022

 Os apelos ao 142

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Os apelos ao artigo 142 da Constituição, que define o papel das Forças Armadas na garantia da ordem e da integridade nacionais, passaram a figurar como derradeiro esforço dos contestadores do processo eleitoral de outubro, e dos que pregam a contenção dos excessos dos tribunais sobre o Congresso e o Executivo, ao mesmo tempo em que pretendem vê-las retomar o prestígio que perderam. Cabe, contudo, advertir que o badalado artigo não pode ser invocado para esvaziar aventuras e corrigir tropeços de tribunais e ministros façanhudos. Parece que, até agora, os comandos militares têm escapado dos clamores políticos intervencionistas.

Primeira entre as verdades, é que as Forças Armadas não podem ser chamadas a fazer coisas, apenas porque o Congresso Nacional não tem coragem de fazê-las. Está suficientemente claro que as duas casas legislativas preferem dar obediência à omissão, sob a regência do doutor Pacheco, habilíssimo nessa matéria. O 142 não é, em bom entendimento, um recurso para ocupar o espaço dos acanhados.

Queixas contra excessos e violências, contra a ditadura do Judiciário e contra as agressões que se praticam sobre o direito de livre expressão - todas procedentes - merecem acolhimento, mas não guardadas à sombra de tropas embaladas. O Senado Federal e a Câmara dos Deputados é que têm o dever de enfrentar e corrigir os desmandos, depois de, contritos, reconhecerem que o crime que hoje avança e ofende a democracia prospera exatamente na indisposição das lideranças políticas para agir concretamente.

De fato, o êxito da ditadura togada, já despreocupada com maiores dissimulações, ganhou o respaldo de doloroso desinteresse, comandado pelo senador Rodrigo Pacheco, que constitui uma das perplexidades que os mineiros têm exportado nos últimos tempos.

Na quarta-feira passada, em longa reunião, no Senado, a Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle do Processo Eleitoral ouviu numerosas suspeitas quanto à lisura do último pleito, sem que isso tenha encontrado eco. Mais importante, contudo, ficou ali a certeza de que o Congresso tem o dever de exigir do Supremo Tribunal e do TSE que se contenham e se limitem ao campo de suas atribuições; e que seus ministros se desvistam de poderes que não lhes cabem, como, por exemplo, serem, a um só tempo, agentes policiais, promotores de Justiça, investigadores e juízes de instâncias inferiores. Tornaram-se atores de uma confusão de coisas. Nada mais razoável, portanto, que exigir dos congressistas que cumpram seu dever, e nisso impedindo que a vida nacional continue escorregando para grandes conflitos.

A sagacidade de velhos parlamentares, com os quais os mais novos aprendem rapidamente a arte do sofisma, leva a classe política a esperar que os militares tirem, com botas felinas, as castanhas que gostariam de saborear nas festas de dezembro. Mas nos quartéis, se já não se bate mais continência para remanescentes do golpe de 64, que partiram, ficou a lição proveitosa: por melhores que possam ser as intenções e maiores os erros a corrigir, qualquer avanço sobre a ordem constitucional acarreta tragédias e consequências que se estendem por longo tempo. O risco que se corre hoje, sem que percebam os manifestantes em portões dos quartéis, é substituir uma ditadura por outra. Tirar a toga e vestir a farda. Nenhuma delas faz bem à democracia, porque ambas amargam.

O futuro do capitão

É uma semana em que se intensificam, nos meios mais chegados ao presidente da República, discussões e já as mais elaboradas ideias sobre o que o futuro imediato reserva para ele, nesse tempo que começa a ser contado tão logo deixe o cargo. As indagações avançam na medida em que amigos e assessores imediatos vão perdendo as linhas que mantinham viva a esperança de mutilação da vantagem eleitoral de Lula. Então, o que fazer com Bolsonaro?. Talvez o que parece ser destinação natural, isto é, o comando de uma oposição ferrenha, indormida e ofensiva contra o governo do PT e dos aliados. Para o desempenho desse papel, vai figurar como principal fator estimulante a pequena diferença que em outubro deu vitória ao candidato petista. Se for o caso, a esse desempenho alguns amigos palacianos acrescentariam a bandeira do “fui roubado”; bandeira certamente não recolhida pelos que, hoje, em vigílias nas portas dos quartéis, negam os números das urnas e querem soluções pesadas.

Para se definir melhor o destino bolsonarista, um projeto dessa natureza exigiria, além da disposição pessoal do interessado, o apoio - ou, pelo menos, simpatia militante – de uma cota expressiva das lideranças políticas. Não apenas do PL, sigla com que Bolsonaro acaba de disputar; menos ainda com quaisquer outros partidos, que, com raras exceções, vão se sentir mais à vontade para emprestar sustentação ao governo que começa, onde sempre há generosidades para o acolhimento de postulações. O ministério principiante tem o que oferecer, mesmo que logo sofra alterações e acomodações políticas. E o poder de Bolsonaro entrou na fase crepuscular. Nada mais claro no reino das objetividades.

Assim, se a vocação das forças políticas corre para a adesão, o melhor que se recomendaria aos planos de Bolsonaro, mesmo que ainda não definidos, é não jogar todas as cartas numa sustentação parlamentar. Alto risco.

Num balanço geral, viria então a simpatia dos militares, que com ele alcançaram o status de partido, ocuparam vastos espaços tradicionalmente destinados a civis. E influenciaram muito. Se nem todos são bolsonaristas, também é verdade que raríssimos toleram Lula e o PT.

Resta, ainda, mais importante que tudo para definir o futuro do atual presidente, é a lealdade da direita, recentemente organizada no Brasil. Há quem julgue excessiva e insustentável a importância que se possa dar a esse fenômeno, mas incorre em perigosa precipitação. Os direitistas, sobretudo os mais radicais, têm dado provas de que gostaram da experiência de militância na recente campanha eleitoral. Convenhamos, a direita instituiu-se pra valer, e não tem outra liderança senão Bolsonaro. E não se enganem os que menosprezam: ela já vai sonhando com ele, messianicamente, para 2026.

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