terça-feira, 18 de abril de 2023

 


Lógica do companheirismo




((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")) 




Há uma lógica no Partido dos Trabalhadores que o diferencia dos demais; diferente de quase todos. É a garantia que dá aos companheiros de terem à disposição guarita permanentemente aberta para acolher os não bem sucedidos nas eleições. Nisso pode estar a explicação para o fato, facilmente constatado, de que são numerosos os casos em que os seus, sendo derrotados, permanecem fiéis à legenda, pois sabem que o consolo não falta, mesmo se tarda. Ao contrário do que costuma acontecer entre as legendas adversárias, onde os falidos logo estão condenados ao desprezo, pois as urnas já os desprezaram antes. No cumprimento desse rito solidário, muitas vezes o universo petista se excede, porque há casos em que os fracassados não apenas são socorridos, mas promovidos. Se a locação é difícil em Brasília ou nas capitais dos estados, os descamisados são transferidos para prefeituras distantes, onde houver uma vaga disponível.

E nisso o petismo-lulismo também mostra que o eleitorado não dá a palavra final no destino dos candidatos. Ocorreu com Fernando Haddad. Valeu a pena perder o governo de São Paulo, porque acabou consolado com o Ministério da Fazenda, que, como se sabe, é a segunda ordem de poder no governo,  superado apenas pelo presidente da República. Pasta de alta complexidade, é assumida por quem confessa não ter maiores intimidades com os mistérios do cargo.

A companheira Dilma, a quem as urnas de Minas condenaram a um constrangedor quarto lugar na disputa de cadeira no Senado, acaba de ser abençoada com a presidência do banco Brics, o que, de certa forma, resultou em maldade, por ser totalmente desafeita às matérias daquela área e pobre no idioma clássico para cuidar das discussões e dos projetos.

Para muitos, o reparo na manifestação das urnas foi ainda mais visível quando se anunciou a escolha do ex-governador Fernando Pimentel para a presidência da Emgea, empresa discreta, criada para dar trato aos créditos podres da Caixa Econômica. Pimentel, como sabem tanto amigos como adversários, foi derrotado em Minas. Vingança, pois deixou-a num quadro de terra literalmente arrasada.

Interessante é que os demais partidos não cuidaram de adotar o modelo de solidariedade, mesmo tendo à vista os bons resultados do partido de Lula, atento ao prestigiar companheiros acidentados na política.

Violência urbana

O mundo entrou nesta década chamado a encarar dois dos seus maiores problemas, não se sabendo exatamente quando começam, sabendo-se apenas que se agravam; muito menos, quando poderemos contê-los em sua onda avassaladora. Falamos de violência e fome, mas ignoramos qual delas precedeu a outra. Na verdade, é detalhe de somenos, porque ambas se confundem, tanto na origem como na progressão. Pode-se dizer que são do mesmo útero, irmãs geminadas. O Brasil não está fora disso, embora tenhamos de conviver com agravante: aqui, sendo provocação que evolui, vêm afetando, em particular, as populações infantil e adolescente.

É o bastante para se saber que estamos diante de tribulação de alta complexidão; e preciso reconhecer que grupos de trabalho não são capazes de identificar soluções imediatas. Um deles, de amplitude interministerial, está sendo constituído pelo governo, com a missão de avaliar a violência que vem tomando conta de estabelecimentos de ensino e creches, como se viu, há duas semanas, não nos sertões desolados ou nas favelas dominadas pelo crime, mas em Blumenau, uma das mais civilizadas cidades brasileiras, alto nível social, onde não se pode dizer que a miséria seja capaz de detonar grandes tragédias.

As raízes da fome e da violência descem mais fundo, e nos subterrâneos da vida podem construir malha de incrível capilaridade. Não se espere, pois, que um grupo de funcionários de ministérios acenda luzes na escuridão. Mas já terá feito muito se reconhecer as causas maiores.

Se não tanto, que mostre ao seu governo, ainda com quatro anos pela frente, o que é indispensável fazer; pelo menos um pouco do essencial, pela infância e juventude, herdeiras deste Brasil que para elas devemos preparar hoje. Vítimas de vários males, desde pedofilia a execuções sumárias, constituem a faixa populacional mais indefesa.

Longe de serem pecado nacional, são crimes que se banalizam em outros países, estes menos infelizes, porque mantêm tribunais severos e leis não complacentes. Temos agora o recente e hediondo crime de Blumenau, que, mais dia menos dia, acabará amortecido pelos expedientes de tolerância da Justiça ou vingança. Esperar para ver.

Entre nós, não raro, buscam-se explicações simplistas, como o desarmamento, ideal que, lamentavelmente, não afeta os criminosos, porque eles nada têm a ver com as leis, que são nossas, não deles. Armam-se livremente. Quem delinque sempre arranja um jeito de se armar, e não há escola tão eficiente que consiga dar segurança absoluta aos alunos, nem mesmo num Estado da grandeza de Santa Catarina.

Nada disso constituiria novidade para um grupo de trabalho governamental. Mas faria muito bem, ao concluir seus trabalhos, advertindo sobre alguns fatores que têm estimulado a violência urbana, como a degradação da estrutura familiar, onde deve começar a educação; a tolerância com o crime; as drogas descontroladas; o desvio das funções da escola; o mau exemplo dos políticos a estimular o roubo e os caminhos da ilegalidade; a incitação raivosa de diferenças entre raças, gêneros e classes sociais. Se expuser, com coragem, essas forças malignas, que geram e alimentam a violência, o grupo ministerial terá valido, mesmo que nada possa resolver.

Conversa chinesa

Há quem veja improdutividade na decisão do governo brasileiro de interferir, mesmo que simbolicamente, na questão russo-ucraniana, ao propor que se criem aberturas que possam levar à paz, ou, de imediato, ao cessar-fogo, porque este susta a tragédia maior das guerras, que é a perda de vidas humanas e a consequência insana de milhares de orfandades. Faz sentido entrar em cena, ainda que os polos e os atores do conflito estejam nos gabinetes e nos arsenais dos mais poderosos. Fato é que, diferentemente do que se assistia nos antigos conflitos, hoje dissimulam-se, estendem-se, vencem fronteiras pela via das sanções econômicas, a instantânea comunicação entre os povos, afetando os mercados, como, ainda há pouco, o Brasil teve de pagar sua cota de sacrifício, com restrições no abastecimento de insumos, afetando a normalidade do agronegócio, que responde por quase 20% de nossas riquezas cultivadas.

Os conflitos não são mais como antigamente, globalizaram-se. Queiramos ou não, na cadeia de suas consequências todos tomam parte, como é fácil constatar. Nem é preciso ir muito distante, quando se observa que, no recente século passado, conflitos houve que se limitavam aos povos que neles tinham parte direta. O resto do mundo pouco se importava.

Diga-se, com razão, que o Brasil, por mais bem sucedidas que possam ser suas gestões diplomáticas, não tem como calar os canhões na fronteira ucraniana. Mas é uma voz no mundo pretensamente civilizado, membro fundador da Organização das Nações Unidas, interessado nos comércios bilaterais. Tem credenciais para se fazer ouvir, mesmo se destinado à pregação num deserto gelado. Moscou já nos deu as costas; Washington também. Em Pequim, tomara que não tenhamos sido ouvidos apenas por gentileza da balança de negócios. Mas mão podemos calar. Como diria o profeta Isaías: ai de mim, porque calei.

A viagem presidencial à China levou a guerra na pauta as conversações, sabendo tratar-se de uma questão em que os chineses portam-se com clara preferência pela Rússia, e têm pouco a nos ouvir, embora com reverências muito maiores em relação à frialdade oficial que marcou a recente visita do presidente Lula à Casa Branca. No linguajar rasteiro, se se trata de briga de cachorro grande, nem por isso deva se dispensar nossa palavra, porque impensável seria a omissão diante de um episódio sangrento, com ameaça de poder evoluir para a disputa nuclear.

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