terça-feira, 2 de maio de 2023

 

O que pensa Tio San




( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )

 

Os americanos do Norte não têm como prever até onde vão os afagos do governo brasileiro em torno dos chineses, mas não custa adotar certas precauções, em nome de interesses políticos e econômicos que aqui ganharam vulto nos últimos anos. Talvez, como primeiro passo, tentem consolidar o que já havia sido construído ou abrir novos espaços.

Procura-se uma personalidade de perfil moderado, a quem confiar a nova fase de diálogo; e nesse ponto é lembrado, de imediato, o vice-presidente Geraldo Alkmin, embora com alguma resistência, pelo fato de ser, além de companheiro de chapa de Lula, filiado ao Partido Socialista, argumento frágil, porque o que dizem as siglas dos partidos é exatamente o que eles não são. Um americanista desconhecido, David Scoot Jr, morto há pouco mais de cinco anos, dizia que nossos socialistas têm mansão em Búzios, compram gravata em Roma e bebem champanhe em Paris...Sempre é possível conversar com eles.

Alkmin pode ter útilidade, pelo fato de ser um eventual na Presidência; e isto também tem algum peso, porque a História política brasileira deve aos vices a metade de suas páginas.

O Departamento de Estado tem responsabilidade para evitar tropeços e açodamentos. Não se precipita. Certamente não está gostando do que Lula anda fazendo e dizendo, mas deve considerar que quatro meses de governo são pouco mais que nada para definições importantes, além de que, administrar o tempo faz parte do jogo, quando o cenário é de grandes interesses.

De certa forma, a política internacional tem alguma coisa de estratégia militar. A questão não é saber o que o inimigo quer fazer; mas o que ele pode fazer.

Outro detalhe a recomendar prudência é a impressão que se tem de que, nas relações externas, o novo governo prefere começar atirando para todos os lados, na tentativa de acertar o melhor alvo, que nem ele mesmo sabe onde está. O que também deixa Washington confuso.

Fraudes e advertência

Se persistirem na inobservância da legislação eleitoral, os partidos devem estar atentos para a crescente intolerância dos tribunais em relação ao descumprimento das cotas devidas às mulheres e aos negros, quando da elaboração das chapas de candidatos. O endurecimento, que faz sentido, está revelado em recentes decisões, como a do Tribunal Superior Eleitoral, ao acolher o que determinou o TRE de Santa Catarina, cassando toda uma chapa de vereadores de Blumenau, Santa Catarina. O partido deixou estampadas todas as evidências de fraude grave: duas mulheres haviam figurado como candidatas em 2020, apenas como recurso para simular cumprimento de cota.

Há vários casos em que a Justiça tem reagido ao embuste. Tal se deu também em Itaiçaba, no Ceará. Mulheres candidatas figurativas. São exemplos que devem ser observados como advertência aos partidos, se não quiserem enfrentar o risco de ter toda a chapa cassada, além de outros danos, quando a Justiça manda que se faça o recálculo dos quocientes.

As evidências quanto ao descumprimento da lei são claras: votação zerava ou ínfima da candidata, ausência dela na campanha eleitoral e apresentação de gastos fictícios. Outros casos, embora mais raros, referem-se a candidatos negros ou pardos, estes muitas vezes enganados, quando são substituídos por morenos queimados de sol...

O risco da mordaça

Desejável, prevenindo futuros males para a liberdade de expressão, é que a Câmara dos Deputados adote cuidados com o PL 2630/20, cuja tramitação está prevista para começar hoje. A Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência da Internet pode embutir, como obra de maldade, atos de censura velada, a despeito de garantias em contrário já expostas pelo autor, deputado Orlando Silva. Mais delicado, sobre tudo, era a proposta de criação de uma autarquia federal especial para acompanhar o que se possa considerar conteúdos criminosos, item em boa hora removido, embora persistindo a dúvida quanto ao órgão regulador que está por vir. Mas, qualquer que seja a intenção ou mera semântica, no caso do controle, é preciso levar em consideração que, para qualquer governo pouco afeito à liberdade de manifestação, conteúdo criminoso é tudo que não lhe convém. Reside aí um risco de elasticidade das interpretações, que sempre servem aos poderosos.

A matéria já chega comportando outra dúvida anterior. Foi sua aprovação no regime de urgência, o que não é boa norma, quando o projeto envolve divergências acentuadas; mais ainda quando persistem conflitos quanto à essência.

Há uma alegação: o esforço para contemporizar. Dos controles pretendidos escapariam os meios de comunicação tradicionais. Mas a realidade dos dias que vivemos sugere que as redes sociais têm importância que nada ficam a dever àqueles com promessa de isenção.

Pela via da internet e de suas plataformas não têm faltado abusos, que devem ser contidos e criminalizados. A Justiça dispõe de instrumentos para tanto, sem o risco de ações capazes de resultar em censura flagrante ou dissimulada, imediata ou futura.

Falar é um perigo

Se também na política dá-se o fenômeno dos extremos que se aproximam, muitas vezes até se confundem, cabe lembrar que, tão diferentes, tão distantes, Lula e Bolsonaro têm certas convergências que o atual presidente não faz questão de esconder. Acima de tudo, são convergentes no descuido com a palavra que lhes sai da boca. No tempo do ex-presidente a preocupação maior era com os palavrões, algumas vezes ditas de forma a corar os mais próximos. Ou, mesmo nos pronunciamentos sérios, causando situações constrangedores.

Pois, de tanto criticar o antecessor, Lula trilha caminhos parecidos, com descuidos que vão desde a confusão gerada no trato com a guerra da Ucrânia à inconveniência de ver desparafusada a cabeça de crianças especiais. Felizmente, ninguém pôs seriedade, quando disse que precisamos admitir que a Amazônia é nossa, mas não apenas nossa… Ou ao propor que os empresários brasileiros invistam em outros países…

Sobre o que fala um presidente sempre há olhares atentos, em busca de tropeços, não apenas pelos atos que pratica ou deixa de praticar. Mais pelo que fala, do que deixa de falar. São desgastantes os descuidos verbais, ideias ou pensamento mal expostos, definições vacilantes, incursões desatentas em temas delicados.

Os inimigos, que não mandam flores, sempre têm ouvidos de plantão, atentos.

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