terça-feira, 7 de novembro de 2023

 


Nós e a guerra



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))

A meteórica passagem do Brasil pela presidência do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas não permitiu que nossa delegação persistisse, um pouco mais, no esforço para tornar menos acidentados os acontecimentos no Oriente. Pelo menos, marcou a posição de um país que acredita no diálogo, por maiores que sejam as divergências pelo mundo afora. Em um mês, aproveitando a passageira circunstância, pedimos e insistimos num corredor humanitário em Gaza, abençoada via que pudesse socorrer desesperados e evitar a morte de centenas de inocentes; ideia que só mais tarde seria aceita, resultado de pressões internacionais. Vingou o custoso corredor que ajudamos a idealizar, embora sem que as grandes delegações reconheçam a contribuição nacional.

A proposta de suspensão temporária das hostilidades nas linhas que separam Israel e a Faixa de Gaza, sonhado cessar-fogo que também desejávamos, veio sendo atropelada por sucessivos fracassos. Ficou, contudo, a marca do esforço pacifista, quase uma voz no deserto, que no futuro haverá de nos credenciar para o respeito de outros povos, considerando-se que também para eles a paz é anseio civilizatório permanente. Com base na herança daquele ligeiro desempenho no órgão de segurança talvez seja oportuno nossa política externa consolidar como meta permanente o ideal que propusemos em quatro ou cinco iniciativas para a sustação da violência. Quer dizer, devemos manter vivo o esforço brasileiro para que divergências e o apelo às armas só perdurem entre os governantes depois de esgotadas todas as tentativas de diálogo. Na sequência desse raciocínio parece que as comissões pertinentes do Congresso Nacional também devessem tomar em conta o papel que se desempenhou na ONU, porque, mesmo que não tenhamos produzido resultados práticos, observe-se que se acendeu uma luz capaz de pautar futuras incursões na política internacional. Deputados e senadores têm preferido optar por simpatias a um dos lados beligerantes, sendo – pelo menos até agora - escassas suas avaliações quanto à posição brasileira no cenário de guerra. Soma-se, para acentuar a estranheza do descuido parlamentar, o fato de o Brasil ter singular protagonismo na Partilha territorial, da qual resultou a criação dos estados palestino e judeu.

Nas Nações Unidas deixamos, portanto, aberta uma porta, talvez larga e generosa, para que nossa índole pacifista seja firmemente colocada a serviço das relações internacionais, mesmo quando se sabe, e se lamenta, que guerra e paz são produtos de interesse dos governos mais poderosos. Começam e terminam quando isso lhes convier. E nós ainda não temos cadeira no restrito clube que rege os destinos do mundo. Mas temos voz.

Naquele recente auditório que presidiu em Nova Iorque, o Brasil fez o que foi possível fazer, embora sinalizando condescendência com os métodos do Hamas, o que não foi bom. Mas deixou claro que pode fazer mais, lançando-se com vigor nos futuros debates, sem medo de novas frustrações. A começar por um fato que, mais uma vez, parece oportuno. É urgente diferenciar os objetivos da causa palestina e os segmentos que, mesmo coincidentes no propósito último, optam pela via do terrorismo. O terror, em particular no Oriente Médio, já demonstrou, sobejamente, sua vigorosa incompetência para construir soluções. Pelo contrário, suas sete décadas ininterruptas mostram que ele não foi, não é e nunca será remédio apropriado para definir direitos territoriais. Apenas destrói, ensopa de sangue o chão de vários países, mutila gerações inteiras. O Brasil pode ajudar a mostrar que não é por aí que Israel e Palestina ganharão um tempo de paz. E, quando se analisa a situação presente de Gaza, avulta um dado a mais: os judeus argumentam em fator de suas incursões vigorosas, que não travam guerra com um estado organizado e instituído, mas com o terrorismo; não insurgem contra uma nação soberana. É o que tem impedido cobrar de Tel Aviv parcimônia nas reações de vingança pelo que sofreram na invasão no dia 7 de outubro.

Outra coisa que bem podia encontrar repúdio nos discursos da diplomacia, quando estão em tela os excessos de violência, é a indesejável expressão crimes de guerra, que soa hipocritamente redundante. Porque toda guerra é criminosa em si mesma. Basta que seja deflagrada. Não há na História dos conflitos humanos uma guerra, única que seja, que não tenha cometido crimes, mormente contra populações civis e inocentes. Mesmo quando deflagrada em defesa de direitos legítimos.

Vê-se, temos muito trabalho pela frente para ajudar o mundo a ser melhor. Basta ter disposição.

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