terça-feira, 28 de novembro de 2023

 



O fundo do poço




((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


Os temores quanto ao destino das instituições do país não constituem novidade, mas certamente agravados no momento em que sobem as temperaturas e azedumes entre os poderes. Em episódios passados, embora não tão sensíveis como o atual, já se dizia aqui que nosso principal desafio é descobrir o herói que possa afastar uma possível crise incontornável. O atual impasse centrado no Judiciário e Legislativo, mas sem excluir o Executivo, leva a essa incógnita. Não se sabe em que cais podemos fincar as amarras da esperança ou a quem podemos confiar as rédeas da solução.

Como nas andanças de Diógenes pelas ruas de Atenas, também os brasileiros estamos nesta semana com lanterna na mão, à procura do condutor, o homem ideal para vencer o obstáculo agravado, agora com tudo para intimidar. Onde estaria brilhando a luz dessa lanterna que tomamos do grego louco?

O desfecho da decisão do Senado de aprovar a PEC que limita o poder monocrático de ministros do Supremo Tribunal Federal aprofundou o abismo entre os dois palácios, com reações tais, que já não se pode esperar que um deles dê passo atrás em nome da paz. Seria confessar desprestígio, num momento em que estão a medir forças. Depois, a impossibilidade de uma revisão de atitude diluiu-se, quando alguns ministros togados, acossados, investiram contra o Congresso, onde veem “pigmeus”, além de tentarem vender à nação a ideia de que emenda constitucional é menor que o regimento interno do Supremo. Qualquer principiante de Direito é capaz de ruborizar diante da deformação. É um dado que, mais que quaisquer outros, levou alguns juristas a justificar a emenda restricionista.

Vozes descontentes da corte foram mais longe, e acusaram o Executivo, mesmo sem nominar o presidente da República, de praticar “ato de traição”, por não se esforçar o suficiente para impedir que senadores da base votassem favoravelmente à matéria do desagrado do Tribunal. Uma insinuação de compromissos políticos recíprocos não honrados. O que é, no mínimo, perturbador. Bem houve o presidente Lula, que afivelou as malas e partiu.

Há uma realidade substantiva que futuros esforços conciliadores não poderiam ignorar. Se muitos consideram que os avanços do STF sobre atribuições legislativas decorrem da morosidade do Congresso em ferir questões indispensáveis, uma outra parcela da sociedade, com amplo sinal de constituir maioria, admite que os juízes saltaram demais, exorbitaram ao conceder excepcional poder ao voto monocrático de um ministro, instrumento que, em determinados casos, chega a ser mais poderoso que uma lei votada por 590 legisladores, embora apenas estes contem com delegação do voto popular. Em pronunciamento pela televisão, o ex-presidente da corte e antigo membro do Tribunal de Haya Francisco Rezek também admite que metade da população não é mais simpática ao Supremo. “Nunca foi tão criticado”, afirma.

O velho Damião, Jonas Damião, modesto cronista que veio do sertão agreste, acompanhava as primeiras dificuldades da República para ocupar de vez os espaços cristalizados pelo Império. Talvez tenha sido, entre nós, o precursor da tese de que pode haver virtude em dificuldades acumuladas, quando elas acabam mergulhando no fundo do poço. Via ele que muitos problemas políticos da época se afunilavam de tal maneira, sem justa solução, e caíam iguais no buraco comum. Pois, no seu entender, niveladas as dificuldades, elas produzem a geração espontânea das soluções desejadas. Se as incompatibilidades e desavenças de hoje prosperarem no impasse; se chegarmos ao fundo do poço, talvez brote a esperança que hoje não sabemos a que mãos e competências confiar.

Um relatório importante

Não ocorrendo novos adiamentos ou os conhecidos expedientes procrastinatórios, o Senado conhecerá, na próxima semana, o relatório da CPI criada para analisar alguns aspectos, se não duvidosos, pelo menos escassamente esclarecidos sobre as ONGs que operam no Brasil. Chega-se a esse ponto sob um visível mal-estar entre senadores e a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, convocada oficialmente a depor, já que, convidada, esquivou-se. Essa Comissão, não há negar, despertou interesse maior exatamente por perceber o descuido do ministério em tratar das atividades daquelas organizações. Na presente investigação o que se pretende é chegar a uma explicação convincente sobre relações com o Fundo da Amazônia e o Instituto de Pesquisa Ambiental, que surgem como órgãos preferencialmente contemplados com verbas que, embora robustas e generosas, ainda não se justificaram amplamente quanto aos resultados.

O cuidado e as dúvidas manifestadas pelos senadores fazem sentido, sabido que o Brasil é onde mais prosperam as organizações internacionais; e, em muitos casos, sem que se conheçam suas verdadeiras intenções. Sobre algumas até pesa a suspeita de que vieram para cuidar mais dos interesses dos países que as financiam e menos das causas brasileiras. Uma coincidência a considerar é que os grandes poluidores da Europa, abundantes emanadores de óxido de carbono, são exatamente os que pretendem nos ensinar o que não souberam aprender…

À CPI do senador Plínio Valério também desperta curiosidade a insistência com que missões estrangeiras procuram interferir nas políticas ambientais e nas questões ligadas à cultura dos povos indígenas, que, para a infelicidade nacional, coincidentemente em benefício das ONGs, ficam distante do olhar e da presença dos nossos órgãos de fiscalização. Por isso, já não constitui perplexidade dizer que em certas tribos, como cita o ex-ministro Aldo Rebelo, fala-se mais o inglês que o português.

O atual governo tem repetido, até pela voz do seu presidente, o compromisso de dar transparência em tudo. Pois o tratamento com as ONGs, saber as verdadeiras intenções delas, é excelente oportunidade para Brasília mostrar que não se trata de um discurso vazio.

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