terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

 

Um projeto para a montanha

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Não falta quem observe que o presidente Lula teria dado o primeiro passo rumo à sucessão de 2026 ao confessar que, entre suas preferências imediatas, estaria em ver o senador Rodrigo Pacheco próximo governador de Minas. Faltaria combinar com os mineiros, porque a eleição dele, há cinco anos, foi singular resultado de uma conspiração da consciência coletiva para impedir que Dilma Rousseff se tornasse senadora. Portanto, o destino dele foi fruto de um fenômeno particular, que não tem como acontecer de novo. Não se importando com isso, Lula lançou ao vento seu preferido, sem que ninguém o pedisse; mas pode, de fato, ser um ensaio em busca de frutos partidários a médio prazo. Primeiro ato de uma novela que já vai definindo o enredo eleitoral. Em Minas as coisas sempre tiveram capacidade de se complicar, exatamente quando amanhecem as ambições que visam a Presidência da República.
No tempo da raposada, já lá se vão os anos 40 e 50, a sucessão presidencial sempre começava por espetar o âmago dos velhos políticos mineiros. Era preciso ouvi-los; nem sempre para acatá-los. Mílton Campos dizia que a gente de lá podia não ajudar, mas era mestre em atrapalhar, muitas vezes quase em silêncio, em tramas tão bem descritas por Amoroso Lima, ou na cilada meticulosamente construída. Por isso, sempre foi conveniente subir a montanha para ouvir e falar o mínimo possível.
Decide-se ou não se decide com frieza. Muitos candidatos são lançados para perder. Quando o antigo e manhoso PSD lançou Cristiano Machado para a Presidência, em 1950, de tal forma ostensivamente traído pelo próprio partido, a ele  restou o direito à comoção e a aceitar sua perpetuação no dicionário. Cristianização passou a ser sinônimo de traição. Dele condoeu-se Getúlio Vargas, que o nomeou embaixador no Vaticano, onde morreu.
Como também, lembrando de novo as velhas raposas, os donos da política eram insinuantes, artífices de grandes decisões tomadas no país, como as habilidades tancredianas, em 1985, ao convencer as lideranças militares, sem suor e sem canhões, que se esgotara o tempo da ditadura.
São coisas trazidas do passado, apenas para se saber em que terrenos os veteranos colocaram a sola dos pés. E agora Lula fez subir a esse palco uma declaração de amor ao senador, querendo presenteá-lo com o segundo entre os maiores colégios eleitorais.
( Ontem, foi cremado, em Belo Horizonte, o corpo de Newton Cardoso, quadragésimo sétimo governador, a quem se confiou o fim da curiosa sutileza dos líderes montanheses. Explicou, certa vez, que viera da Bahia para ser o trator que substituiu a enxada da velha política. Preferia jogar pesado com adversários),
Rodrigo é o mineiro que nasceu mais longe, em Rondônia, tido como conciliador e especialista em contornar obstáculos. Portanto, se exitoso, seria peça adequada para ajudar a vencer, pelo menos em Minas, naturais obstáculos para quem pensa no desafio de um quarto mandato presidencial. Lula não ignora, nem poderia ignorar, que vão se avizinhando pesados embates nas conciliações, e, para enfrentá-los melhor, estaria cuidando da exumação das lições e da paciência do velho PSD. Na presidência do Senado, Rodrigo Pacheco mostrou que tem capacidade para a missão: nas horas mais desafiadoras, não foi muito contra nem a favor; antes, muito pelo contrário…
Minas é o estado onde o governador Romeu Zema, longe da escola pessedista, resiste ostensivamente à política do governo federal. A ele está confiado, nas montanhas, o papel de principal opositor ao PT e ao lulismo, certamente comungado com o poderoso colega paulista, Tarcísio Freitas. Tentar fincar uma cunha em Minas é missão, que, parece, vai mesmo pesar sobre o senador, embora desde a semana passada já não tem mais as rédeas do Congresso Nacional. O que não é pouco. Além de um poder que escapou de suas mãos (e aqui vai outra lição dos velhos caciques mineiros) candidaturas propostas com grande antecedência costumam queimar demais sob o excesso do sol ou afundam nas enchentes… Que cuide, portanto, de avaliar o presente de Lula.

Abaixo do Pernambuco

É como se o Brasil fosse todo e apenas o que está acima de Pernambuco. Pra baixo, terra estranha, sem lideranças e sem representação. Não foi outra a ideia que ficou da composição da mesa do Senado, com todos os cargos confiados a nomes do Tocantins, Amapá, Pernambuco, Paraíba, Roraima, Amazonas e Sergipe. Tudo com cor e cheiro de um corporativismo regionalista, embora isso não constituísse surpresa maior, pois o poder de manobrar votos e decisões é, de há muito, competência política daquela parte.
Estranha-se o silêncio e o desmazelo dos senadores de outras regiões, mais uma vez relegadas. Não foi a primeira vez que o federalismo leva um tombo na Câmara Alta, onde os estados têm o mesmo número de cadeiras - três – exatamente para tornar iguais os entes federados. Mas isso tem sido mera questão aritmética para enfeitar a Constituição, sem denominador prático, muito menos justo.
Que vergonha essa humilhação, permitida pelos senadores do resto do Brasil.



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