quarta-feira, 22 de abril de 2015

A velha reforma (I)

Em 28 de abril de 2009, portanto há exatos 16 anos, o tema reforma política foi tratado no jornal Panorama. E desde então é certo que nada se alterou, muito menos progrediu;  nem mesmo regrediu. Matéria que dorme mansamente à sombra da omissão.
O assunto reforma política, pode-se dizer agora é tão momentoso como o era naquela noite. Em rigor, é preciso acentuar que o já estava em pauta há 30 anos. Vamos mais longe: já se pedia a reforma política há meio século,bastando lembrar um exemplo bem local: na manhã de 31  de maio de 1963, estando em Juiz de Fora para receber o título de Cidadão Honorário, o presidente João Goulart a reclamou enfaticamente, porque considerava, e o disse com clareza, que sem uma nova organização no modelo político o Brasil não teria como avançar.
Visto que o assunto é longevo e sua atualidade nada mais é que  o fruto de intermináveis repetições, seria oportuno, e ainda na linha de preliminares, lembrar dois detalhes:
1) Por que essa reforma, da qual tanto se fala, virou uma  espécie de conversa de velhas comadres, pois muito se fala e dela nada se aproveita?
2) O que seria essencialmente tal reforma? Por que ela não nasce logo, depois de repousar no útero da História há mais de meio século, mesmo sendo aplaudida e prometida por   todos os partidos, que a apregoam como algo necessário?
A explicação quem a resumiu foi Carlos Heitor Cony: “Quando a classe política, como um todo, ganha o consenso operacional, a experiência ensina que nada será feito para concretizar o circunstancial consenso. Apenas para declarações bem intencionadas e para a seguinte  estratégia: “Se todos estamos de acordo com esse assunto por que não o deixamos para mais tarde”?
O segundo detalhe para explicar a demora numa questão de tamanha importância, que as lideranças não cansam de definir como inadiável, mas sempre a adiam, é que ela acaba desagradando e assustando quando se mexe no contexto de um status onde há longo tempo se saciam muitos interesses; e onde os veteranos já sabem como sugar a água fresca que permite sua permanência à sombra do poder. Isto nos tem ensinado que é duvidosa a sinceridade de muitos palanques que defendem a reforma, dizem rezar por ela, mas não a querem. Preferem que as coisas fiquem como estão. Repetindo o que já se disse: se todos eles estão de acordo nesse assunto, por que não deixá-lo para  depois?
Sobre reformas temos uma consagrada tradição de morosidade: Salvo alguns remendos, o Código Comercial vem de 1850; o Civil, só recentemente alterado, foi criado em 1890; o Código Penal nasceu em 1940. A Consolidação das Leis do Trabalho é de 1943, arcaica, superada, deformada pelo tempo, além de ter inspiração fascista. Essas normas vêm de um tempo em que o mundo não tinha televisão, muito menos internet, satélites, e o automóvel engatinhava. Nossas leis na obsolescência.
Portanto, se há alguma coisa em que não servimos de modelo para o mundo são as reformas.
Ainda como preliminar, é preciso considerar que essa que   se chama “reforma política” é muito mais e tão-somente      uma “reforma eleitoral”. Pois o que hoje se tem apregoado, o que se ouve na televisão e se lê nos jornais é uma proposta de  ajustamento do aparelho eleitoral. Digamos a verdade: uma verdadeira reforma estrutural seria aquela que introduzisse o sistema parlamentarista em lugar do presidencialismo. Quer dizer: no modelo de Gabinete, o governo cai ao primeiro sinal de incapacidade de gestão, desacerto na política econômica ou quebra de confiança na eventualidade de um grande escândalo, sem crises duradouras. Fôssemos regidos pelo parlamentarismo uma   desordem escandalosa como essa da Petrobrás derrubaria o Gabinete em uma semana, e a presidente instada a formar novo Ministério.
O parlamentarismo é também quase uma salvaguarda quanto aos golpes, tão banalizados nesses países presidencialistas, onde o presidente não prescinde do Legislativo e do Judiciário, desde que submissos a ele,  como definiu Lowenstein com ironia.
Sobre a quebra da ordem institucional, lembremos que são poucos os países que têm escapado dessa moléstia quase exclusiva do presidencialismo: Austrália, Noruega, Nova Zelândia, Suécia, Israel, Canadá, Estados Unidos e África doSul não sabem o que é golpe.
E o Congresso não teria como deixar de ser minimamente eficiente, sem essa deplorável deficiência que conhecemos hoje. (Aliás, há quem discorde, mas lembra, também com ironia, que, ao contrário, o nosso Congresso até que prima   pela eficiência: “ele mesmo rouba, ele mesmo investiga, ele mesmo absolve!”, no dizer de Millôr Fernandes.)
Outra observação, sem pretender ganhar apoio unânime: O Parlamentarismo, coisa que até agora os reformistas não nos prometeram, contribuiria para enriquecer o diálogo e tirar das discussões rasteiras e fúteis a superada antítese deque quem não é da direita é da esquerda; quem não é da esquerda é da direita. É preciso evoluir e abrir novos campos para o pensamento político, sem rótulos incondicionais. Até porque, como lembrou Norberto Bobbio,notável pensador italiano recentemente falecido, esquerda e direita se igualam no ódio à Democracia.

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