terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

 

Blocos e partidos



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))



Senadores e deputados cuidaram, já no alvorecer da legislatura, de se organizarem em blocos, devidamente autorizados pelos regimentos, dispensados de maiores compromissos com obrigações programáticas e identidade ideológica; esta há muito confiada às sarjetas políticas. A preferência pelos blocos socorre avançadas preocupações quanto à organização partidária, literalmente pulverizada; o que, como primeira consequência, absolve os parlamentares de responsabilidades com o discurso que acabam de enfiar nos ouvidos dos eleitores. De outro lado, não há propostas programáticas a mostrar e defender. Os blocos vão içar as velas, de acordo como soprarem os ventos.

Há um problema que corre paralelo a isso. Criados os agrupamentos, agravam-se as dificuldades com que vêm se debatendo veteranas legendas, como PSDB MDB, e PDT, chamados, pelas recentes eleições, à tarefa de uma ampla reorganização. Onde buscar os parlamentes que por elas se elegeram? Estão misturados em arranjos e acomodações.

Pode parecer enfadonho, como efetivamente o é, repetir que a melhor democracia assenta-se nos partidos, porque são, pelo menos em tese, intérpretes legítimos das preferências e ansiedades da sociedade. Não há quem possa substituí-los nessa missão. Pior, mais degradante, quando sua existência se presta, igualmente, ao papel de pontos de baldeação dos políticos, que neles entram e saem sem maiores cerimônias. Fato mais recente foi criado pelo senador mineiro Carlos Viana, cuja biografia saltitante começou no PSD, passou para o PHS, depois MDB, onde residiu por apenas quatro meses. Em seguida, visitou o PL, para terminar no Podemos.

Língua arranhada

Um espaço destinado ao momento político, pode, à primeira vista, parecer impróprio para acolher outros temas, como, por exemplo, a guerra ingrata que se pratica contra a língua portuguesa, em nome de preocupações transfóbicas e homofóbicas. Os reformadores são, por assim dizer, a reencarnação defeituosa de Lima Barreto, que apreciava propor mudanças no falar nacional, mas sem o atrevimento de defender inovações ridículas. Dispensava o inglês football, pois tínhamos, para substituí-lo, o simples e simpático bola-ao-pé. Lima viveu pouco, no começo do século passado, sonhando com a adoção do tupi-guarani, nossa língua nativa, que tinha na conta de bem melhor que o português dos colonizadores. Duvida-se se este é o espaço apropriado para cuidar do problema, mas é de interesse geral, sem dúvida.

A tentativa inglória de achar que só a letra A salva a reputação feminina começou com um delírio de Dona Dilma, que se sentia melhor como “presidenta”; e encheu o Diário Oficial com essa tolice. Estranha-se que, ainda hoje, alguns ministros cedam à tentação de acolher o absurdo. Atropelam a morfologia gramatical, como se fosse desimportante o unívoco, e desconhecer o “ente” como particípio ativo do verbo ser. Permitindo, na nova e poderosa versão sobre os gêneros, empurrar, goela abaixo dos falantes, futuras aberrações como superitendenta, estudanta, adelescenta, gerenta, entre outras agressões que bem podiam estar confiadas à cãmara-ardenta… Aos homens, restaria o consolo de protestar contra maravilhas do mundo, definidas como femininas, mas sabiamente dispensam o preconceito, servindo a todos, como a vida, a saúde, a paz, a caridade, a esperança, a fé, a planta. Sem ditadura de genitálias.

Neste país de absurdos!, como se a guerra entre duas letras fosse capaz de garantir a dignidade das gentes e das coisas.

Numa ofensiva mais recente ao sobrecomum de palavras que se ajustam a ambos os sexos fala-se, no rádio e na TV, sem nenhum remorso, em nome de neutralidade verbal, um tal de ”todes”, liberto da grave ofensa de usar “todos” para se referir genericamente a homens e mulheres. Teme-se, como passo seguinte, um audacioso apelo ao Papa para que, na oração fundamental, niceno-constantinopolitana, do ano 381, elimine a expressão machista “e por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus”. É o que falta.

Perigo nas tensões

Raros terão sido os governos que, no primeiro mês do mandato presidencial, viveram clima de tensões, como foram as primeiras semanas do presidente Lula. Talvez a ele, nesse particular, equipara-se apenas Juscelino, que assumiu debaixo de pressões golpistas, criadas nos meios militares, com apoio da UDN, partido que, na década seguinte, voltaria a se associar aos quartéis para impedir a posse de João Goulart.

Lula, pode-se dizer, já experimentou um pouco de tudo, sem excluir o ensaio de golpe civil, um ministério e poderes confusos, forças militares desencontradas, além de uma crise humanitária indígena originalmente importada da Venezuela. Não seria admissível, na verdade patético, tomar como base que essa marafunda acabe sendo útil ao desempenho presidencial, porque chega a hora em que os desafios e perigos se acumulam e se juntam. E ele acaba perdendo o apoio dos que, apenas por exclusão, nele votaram. Aqueles que o aceitaram, preferindo-o a ter de tolerar mais quatro anos de Bolsonaro.

O presidente deixa entender isso, com a constante preocupação em conferir ao antecessor todas as culpas e pecados que acabaram jogados em seus ombros. O que pode ser apenas uma verdade parcial, robustecendo sua tática de cultivar o mesmo antagonismo que o levou a ganhar a eleição. Mas cansa.

Prática perigosa, porque, com o passar do tempo, os argumentos se esvaem, e a opinião pública começa a cobrar resultados. Uma advertência veio, há dias, quando, tentando justificar o calote de Cuba e Venezuela nos empréstimos contraídos com o Brasil, denunciou Bolsonaro como culpado, por ter criado condições para a vergonhosa inadimplência. Pois, se assim foi, agora cabe a Lula forçar seus bons amigos a pagar o que devem. Vejamos se é um bom cobrador.

Esse episódio acabou por criar mais um tema de confronto. E confronto em relação aos deveres dos amigos latinos, se pouco ajuda, muito pode levar prejuízos ao governo principiante.

É chegada a hora de eliminar tensões, porque, com elas permanentemente sobre a mesa, torna-se impossível governar, como devem entender e aconselhar os apoiadores políticos, estejam eles dentro ou fora do Congresso. Oportuno também esperar, no que couber, a contribuição das eminências da área econômica, para esvaziar a peleja entre a presidência e o Banco Central, cuja autonomia voltou a ser questionada. Esse conflito, gerado por interpretação diversa na origem dos juros e a responsabilidade em contê-los, leva a grandes preocupações quanto a investimentos e os ativos brasileiros no mercado, ao mesmo tempo em que arranha o prestígio da economia no Exterior.

Não há como concomitar crises, paz e desenvolvimento, ainda que aquelas possam ajudar o governante a camuflar suas dificuldades, temporariamente. Se entenderem isso, as lideranças políticas, sejam elas simpáticas ou não ao governo, terão de assumir o papel de pacificadoras. E sem mais tardar.

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