terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

 


Constituição retocada



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))



Sempre oportuno o permanente cuidado para evitar que as PECs acabem ganhando caráter de modismo, o que seria muito ruim, porque, com elas, a Constituição, exposta às tentativas de intervenções, sofre o risco de tornar-se uma espécie de colcha de retalhos à disposição dos remendos e conveniências adredemente construídas. No final do ano passado, mesmo sob a suspeita de interesses imediatos, saiu-se vitoriosa a proposta de emenda constitucional atribuída à necessidade de serem criadas condições financeiras para a transição na Presidência.

Mas, a verdade é que não se deve mexer na Lei Maior, a não ser em situações peculiares e de extrema relevância. Nesse sentido, é válida a lição dos ingleses com seu secular Direito Consuetudinário.

Agora, ocorre iniciativa que está a merecer atenção, não apenas por causa do risco da precedência, mas por trazer à discussão um tema sensível. É a pretendida incursão sobre o artigo 142, que normatiza e define atribuições e responsabilidades das Forças Armadas. O Partido dos Trabalhadores quer retocar o texto, e pensa discutir sua proposta nas primeiras semanas de março. Antecipando a expectativa de êxito em sua campanha, começa a arregimentar a assinatura de apoio de 171 deputados, que são o mínimo necessário.

Frágil argumentação baseia-se na proposta de esclarecer melhor o papel militar em momentos críticos, como também espantar os fardados de cargos administrativos melhor ajustados aos civis. Um questionamento imediato é que, em certos casos e ocasiões, a presença do militar é admitida fora dos quartéis. Às vezes, torna-se não apenas admissível, mas necessária, como se viu, recentemente, na viabilização de modais ferroviários no país imenso e pobre para enormes investimentos. O mais bem sucedido ministro do governo passado em função civil foi Tarcísio de Freitas, bacharel em Ciências Militares, chamado a servir à Infraestrutura. No atual governo, a mais alta função militar, o Ministério da Defesa escapou dos generais e está confiada ao engenheiro e ex-deputado José Múcio Monteiro. Portanto, dependendo, justifica-se civis em funções militares ou estes arregimentados nas casernas. Não se vê, pois, só por alguns motivos, incompatibilidade ou razão de governo capaz de justificar aterrissagem inovadora no texto de 88.

Não menos delicado é o esforço para a redefinição, na mesma prometida PEC petista, das operações de garantia da lei e da ordem. Qual a verdadeira dimensão que se pretende dar a essa questão?

Bastaria, aos que se preocupam, garantir a aplicabilidade da Lei 6880 / 80, que criou estatuto para os militares. Dispensável abrir janela na Carta Magna, porque esta é sempre mais descumprida quantas forem as incursões para retocá-la.

Nessa matéria é preciso remover dúvidas, que são muitas.

Desafio no Brics

A manifesta simpatia do presidente Lula em ver a companheira Dilma na presidência do Brics vai exigir empenhos que vão além de uma vontade pessoal e do desejo de reparar uma aliada, que a eleição de representante de Minas no Senado jogou para um quarto e desonroso lugar. Trata-se de uma instituição cercada de complexidades, com a característica de ser um banco solidário em que os sócios, muitas vezes, são clientes antropofágicos. Engolem-se. Ali, como se sabe, jogam-se interesses econômicos e políticos internacionais, além de conflitos gerados pela disposição dos países integrantes de terem seus projetos acolhidos, numa casa internacional que, além de pobre para as disponibilidades financeiras, é extremamente cioso em liberar o pouco que tem em caixa.

De tal forma, que não há burras abertas para o financiamento de tudo que é desejável. O que fica demonstrado, com facilidade, com o exemplo que temos em casa: observe-se o fato de, até hoje, não tenha o Brasil logrado obter nada além do patrocínio de dois modestos projetos de urbanização para o Nordeste. A conferir, mas parece que ambos, somados, não chegaram a R$ 150 milhões.

O presidente Lula, na próxima visita à China, tem de levar na bagagem razões e argumentos claros e objetivos para ganhar apoio a essa indicação, que, já de imediato, sabe-se não pode ter a pretensão de unanimidade.

Brasil, Rússia, Índia e China, componentes originários, há dois anos abriram espaço à participação da África do Sul. Ao Bric acrescentou-se o S dos africanos. Não há expectativa de que as adesões parem aí. Dona Dilma, sendo presidente, terá de lidar com outros pretendentes, como os mexicanos, coreanos do Sul e os milionários Emirados Árabes, desejosos de ampliar seus mercados para os sócios, menos para comprar, mais para vender. Com isto, aspiram a acrescentar suas letras à sigla de uma corporação que ainda não conseguiu consolidar os bem intencionados objetivos que inspiraram sua criação.

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