terça-feira, 6 de junho de 2023

 


A hora e a vez do chanceler



(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )) 

Discretíssimo, suficientemente experiente em várias funções diplomáticas, o ministro Mauro Vieira ainda não teve tempo para expor as linhas básicas da política externa que considera mais adequadas. Ou espera que o presidente Lula encerre o périplo pelo mundo, por onde espalha excitantes iniciativas, algumas polêmicas. Membro do governo que se instalou apenas há cinco meses, o ministro deve estar no aguardo de um norte definitivo do chefe para iniciar seus projetos de relações com o mundo. Tal como se deu com todos que o antecederam, é esperar que o presidente oriente os rumos de uma proposta que deve contemplar, simultaneamente, o ideal das convivências e a defesa dos grandes negócios nacionais. Cercada de sutilezas, tramas e ciladas, a missão de um chanceler nunca foi das mais fáceis. Não seria diferente para o niteroiense.

O que parece destinado a diferenciá-lo de todos que passaram pelo Rio Branco é que, antecipando-o, o novo governo adotou no cenário internacional uma postura que se caracteriza por ações desafiadoras. O presidente avocou a si parte da responsabilidade da chancelaria, e saiu mundo afora desfiando, sobretudo, os Estados Unidos e países europeus, que, quase unânimes, adotaram e abençoaram a Ucrânia na guerra com a Rússia. Levou ao cenário do conflito uma proposta vista como particularmente simpática aos russos; e, de quebra, ganhou dos chineses um assentimento frio, porém não pouco significativo.

Mas o que haverá de sobrar para o ministro Vieira dessa aventura? A começar pela primeira das antipatias, vinda de Washington, que tem dois pontos de divergência com Brasília: os americanos têm causa armada em favor dos ucranianos; e, mais agora, quando Lula recebe com festas e honras de estado o bolivariano da Venezuela Maduro, que nos Estados Unidos tem a cabeça a prêmio sob acusação de envolvimento com o tráfico.

( O presidente Lula disse, três vezes seguidas, que vê democracia na Venezuela. Quem é mesmo o oftalmologista da família?).

Contrariedades são bastantes para o ministro, tomando-se em conta que essa rota de desafios abertos é novidade para tradições diplomáticas que sempre procuraram se inspirar na ausência de ressentimentos. O embaixador Rubens Ricúpero, em livro sobre nossa diplomacia, recentemente lançado, deixa muito claro o esforço pela boa convivência.

De certo, somos um país soberano, com todo direito de decidir onde meter nossos narizes. Mas é preciso adotar precauções, porque os interesses internacionais contrariados não venderão barato o afastamento do Brasil do eixo em que se sobressaem o Departamento de Estado e os governos da Europa Ocidental. A curiosidade do momento é saber como nos blindar frente a inevitáveis desagravos e agastamentos.

Particularmente em relação aos americanos do norte, faz sentido lembrar que seus governantes têm como velha fixação evitar que o Brasil se volte para o socialismo, no mesmo caminho de Cuba. O que bastou para Lyndon Johnson aceitar e estimular o golpe contra João Goulart em 1964.

Novas regras para o STF

Senadores e deputados andam irritados com as condutas do Supremo Tribunal Federal, por conta de cada vez mais frequentes incursões que os ministros promovem no campo das atribuições constitucionais do poder Legislativo. Mesmo assim, mostram-se um pouco desanimados para avançar com as PECs que pretendem estabelecer novas regras e parâmetros para a última instância jurisdicional. Esperava-se que aproveitassem agora, ocasião propícia, quando a corte abre mão de seu velho prestígio, que no passado consagrou verdadeiros luminares nas palavras e nas letras jurídicas. Para aprofundar as discussões, seria este o momento oportuno, quando o Congresso sente, com nitidez indisfarçável, que os ministros têm se dado muito bem com o Executivo; em tal dimensão, que decisões políticas vão passando à margem dos legisladores.

Entre as poucas e mais recentes resistências, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) quer que o mandato dos julgadores supremos seja fixado em oito anos, pondo-se fim à vitaliciedade, originalmente concedida com a intenção de eles se tonarem intocáveis, longe de serem molestados, ainda que sob os temores de abusos e autoritarismo. De forma que o mandato, sendo permanente, cessa apenas na compulsoriedade dos 75 anos de vida do titular.

O argumento, sob a melhor das intenções, quedou, porque, se pretendeu conferir aos ministros uma blindagem frente a pressões, estas acabam não encontrando resistências diante dos muitos interesses impactantes que transitam entres os palácios.

Há 23 anos, se não trai a memória, ao senador amazonense Jefferson Peres preocupava o excesso de garantias a quem cabe dar a palavra final na aplicação das leis; preocupavam, sobretudo, os riscos da judicialização no campo da política, um desvirtuamento que faz mal - muito mal - à democracia, como previra Peres, que marcou uma das mais ilustres e fecundas passagens pelo Congresso Nacional. Queria ele, como ainda hoje querem os melhores juristas, que a escolha de um ministro do STF se faça inspirada em lista elaborada por juízes federais, a OAB e com o voto de entidades representativas do magistério. Nunca pela via exclusiva da escolha pessoal do presidente da República, mesmo que sujeita ao crivo do Senado Federal, algo muito próximo do simbólico, porque, quase sempre, a sabatina decorre de fato politicamente consumado. Com a ressalva de que a escolha pode contemplar figuras ilustres, ainda que não se tratando de constitucionalistas, cuja presença devia ser essencial, considerando-se um plenário que dá a última palavra na interpretação das leis; para absolver ou condenar.

Não é fácil camuflar o interesse pessoal do presidente, quando faz a escolha, usando da prerrogativa para premiar ou castigar desafetos, mesmo se entres estes alguém reúna condições técnicas para ser alçado. Não há caso em que a Presidência opte por um contrário.

(A propósito, debatendo com Bolsonaro, na recente campanha eleitoral, Lula já dizia não ser democrático que um presidente da República queira ter amigos no Supremo Tribunal Federal…)

Quando foi Fernando Collor, por sua iniciativa o Supremo ganhou Marco Aurélio, primo dileto. Fernando Henrique foi responsável pelo ministro Gilmar Mendes. Lula, que está indicando Cristiano Zanin, advogado de suas causas, foi quem, em mandato anterior, garantiu cadeira para Dias Toffoli, dedicado assessor do Partido dos Trabalhadores.

Quando chegou a vez de Michel Temer, revelou-se Alexandre de Moraes, não se podendo dizer tratar-se de uma escolha das mais aplaudidas. Veio Bolsonaro, que preferiu irmãos de fé evangélica para subir ao STF, mas, contrariando a tradição das gratidões, os dois não têm sido trincheira, quando o ex-presidente está sob o fogo cruzado disparado pelos pares. Com todas as vênias...

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