terça-feira, 27 de junho de 2023

 


Os destinos de Bolsonaro



(((Wilson Cid, hoje no "Jornal do Brasil )) 

Parte-se da constatação de que o julgamento de Jair Bolsonaro pelo Tribunal Superior Eleitoral é fato mais político que jurídico, o desenlace inicialmente previsto para esta semana, mas com indícios de se estender por dois meses, graça a um pedido de vistas, o que confirma não serem os autos a questão essencial, pois já suficientemente conhecidos e periciados. É verdade que a prevista condenação é, por todos os títulos, indesejável pelo ex-presidente, principalmente se vier agravada com a inelegibilidade, inviabilizando o projeto de disputar a Presidência em 2026. Há aqui um detalhe que não pode escapar da avaliação dos adversários: se condenado, pode ser que ele reedite o papel do mártir, sem o sangue da facada de setembro de 2018, mas com o mesmo potencial eleitoral, o que resultaria, se não de imediato, uma futura cadeira do Senado; tal como se deu com Fernando Collor, apeado do cargo por força do impeachment, mas com o consolo de ter o Congresso garantido. Se, de outro lado, o ex-presidente passa ileso pelo TSE, sai fortalecido do episódio, o que também é aborrecimento para os adversários. Observe-se, então, que na mesma encruzilhada em que ele se encontra, padecem os que pretendem bani-lo da vida pública nacional. Os caminhos têm pedras comuns.

Seja como for, parece difícil impedir, pelo menos nesta década, que ele tenha atuação nos projetos da direita, fortalecida em quatro anos de poder. Note-se a particularidade de que a direita desvencilhou-se de dependência ideológica dos militares, frustrada na tentativa de tirá-los dos quartéis e colocar tanques nas ruas. Os generais saíram escaldados da experiência de 64. De maneira que a bandeira de cores direitistas acabou ficando só no colo e nos ombros civis. Observe-se, contudo, que a derrota vinda das urnas do ano passado, se interrompeu a escalada de Bolsonaro, foi nas sombras dele que se conquistou maioria no Congresso. A direita não vai aposentar o ex-presidente do papel de símbolo. Neste ponto, sem que se perca de vista a característica do sentimentalismo brasileiro, pode ser que ele influa mais e melhor, entrando nas próximas campanhas como vítima, vestido de um martírio que sempre foi lembrado como peça curricular da militância esquerdista.

Dois outros fatores convergem para justificar a tese, já exposta por alguns cientistas políticos, de que o bolsonarismo pode ser fenômeno sobrevivente. O primeiro fator é o embrulho que se vê na CPI do 8 de Janeiro, porque tem se revelado difícil atribuiu a ele, e só a ele, a inspiração pela desordem daquele dia. Cada vez revela-se mais claro que o crime comportou outros envolvimentos. Por ação ou omissão. O governo do PT já havia percebido isso, esforçou-se para inviabilizar a investigação. Talvez ainda se arrependa por não ter insistido na obstrução.

O segundo detalhe, não menos visível, é o débito devido ao presidente Lula pelo esforço com que, apaixonadamente, trabalha para que o antecessor se mantenha em evidência, alvo de seus frequentes disparos. Não o esquece, não o aposenta da Presidência da República. Ainda na semana passada, em Paris, diante de algumas das maiores expressões políticas, debulhou um rosário de críticas a Bolsonaro, permitindo que a imprensa da esquerda lembrasse que Lula, sendo sua principal expressão na América Latina, deve entender que incorre em perigo ao fermentar a massa da direita. E, quando enaltece a esquerda, acolhe ditadores, do desnível do Maduro venezuelano.

Para o futuro imediato da direita, não importa, em primeiro grau, por hora, se Bolsonaro tem planos pessoais de se submeter novamente às urnas. Mas importa muito tê-lo na crista das ondas, na barra dos tribunais, nas manchetes. Quanto a isso, é muito grata a Lula.

Amazônia compartilhada

A passagem do presidente Lula por Paris, onde a razão principal era despertar maior interesse pela Amazônia, deixou claro um ponto da questão que deve ser o norte da política que temos de sustentar para a região. Precisamos, disse ele, internacionalizar as preocupações ambientais, sem que isso facilite constrangimentos ou arranhe a soberania nacional. É um detalhe sobre coisas que não devem ser confundidas, mas precisam ficar claras, principalmente quando se sabe do esforço de organizações estrangeiras, que desejam preservar a grande floresta na estrita medida em que dela podem extrair e contrabandear riquezas.

Certas ONGs, que ali atuam há décadas, sempre andaram desinteressadas dos direitos nacionais. E os países europeus já podiam se dar por satisfeitos, pois enriqueceram mais que o suficiente com o que puderam explorar. Vale lembrar que, nos anos 90, o professor Mauri Pinto de Oliveira, autoridade em malacologia, calculava em 2,5 milhões os diferentes exemplares nos campos da flora e da fauna que os estrangeiros haviam levado, de graça, das riquezas amazônicas. Não têm mais do que se queixar.

Credite-se, então, ao presidente, o esforço de deixar bem definido que as preocupações internacionais serão acatadas e bem recebidas, mas o mando de campo é brasileiro.

Outro detalhe, raramente abordado, não ignorado em Paris: é o direito de o Brasil convidar à responsabilidade compartilhada os outros sete países do continente igualmente amazônicos, que se servem daqueles verdes e daquelas águas. Esses países, tanto como o nosso, descuidaram da região, preferindo explorá-la desordenadamente. Têm, portanto, de ser convocados. E começar por eles, antes mesmo de serem cobradas atenções e ajudas dos europeus. Constata-se que os governos brasileiros revelaram-se omissos em relação aos vizinhos nesse particular. Mas o atual, querendo, tem como recuperar o tempo perdido.

Partidos dão trabalho 

Chegando o segundo semestre, o Tribunal Superior Eleitoral, com toda certeza, não poderá queixar-se de ociosidade. Fácil perceber. Afora providências que começam, desde já, a organizar o pleito de 2024, nos próximos meses a corte terá a seu encargo mexer na organização partidária brasileira, que, como se sente, tem defeitos e vícios originais, dificilmente sarados com a aplicação de singelas e sempre insuficientes medidas; mais ainda quando se aproxima a temporada das urnas.

Uma das decisões sob expectativa de solução é o desejo do PTB e o Patriota se fundirem, como também a incorporação do Solidariedade ao Partido Republicano da Ordem Social, que, separados, realmente têm deixado muito a desejar.

A estrutura partidária, que se rege pela Lei 9096/ 95, nasceu e cresceu confusa, para não se falar do mal maior que não evitou; isto é, a inautenticidade das organizações que se formavam. Sobre isso, já se gastou uma enxurrada de estudos críticos para mostrar o que foi ruim, e prospera ruim por si mesmo. Em se tratando de partidos, o defeito principal, que desafia, está na ausência de critérios que sejam capazes de melhor definir as identidades programáticas e ideológicas. 

As recentes propostas de fusão e incorporação carecem de argumentos confiáveis. De tudo que se tem dito, avulta o imperativo das circunstâncias e conveniências; mas o TSE quase nada poderia fazer para impedi-las.

Pois, na previsão do semestre trabalhoso, ainda concorre, para engrossar as demandas, o pedido de constituição de 18 novos partidos, que pretendem disputar espaço e poder com os 32 já existentes, confirmando a experiência dos exageros que se cometem à sombra do pluripartidarismo.

Diga-se, de passagem, que seria temerário confiar a tal profusão o aperfeiçoamento da democracia brasileira. Quanto aos excessos a corrigir, o Tribunal nem dispõe de tempo, num país onde eleições de processam de dois em dois anos. Quando uma termina, a seguinte já caminha a passos largos.

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